Discurso durante a 143ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Transcurso do Dia do Médico.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. SAUDE.:
  • Transcurso do Dia do Médico.
Publicação
Publicação no DSF de 20/10/2004 - Página 32430
Assunto
Outros > HOMENAGEM. SAUDE.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, MEDICO, IMPORTANCIA, CATEGORIA PROFISSIONAL, ATENDIMENTO, DOENÇA, POPULAÇÃO.
  • RISCOS, EXCESSO, CURSO SUPERIOR, MEDICINA, REDUÇÃO, QUALIDADE, ENSINO, CRESCIMENTO, NUMERO, MEDICO, IRREGULARIDADE, DISTRIBUIÇÃO, CATEGORIA PROFISSIONAL, TERRITORIO NACIONAL.
  • NECESSIDADE, VALORIZAÇÃO, MEDICO, SETOR PUBLICO.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o dia 18 de outubro, ontem, comemorou-se o Dia Nacional do Médico.

O médico é um profissional imprescindível, a tal ponto que, de sua importância, seria desnecessário falar. Afinal, todo pai que, à noite ou de madrugada, já tenha levado um filho ou uma filha ao hospital, angustiado com os possíveis desdobramentos de um acidente qualquer, sabe o quanto de esperança e consolo pode lhe proporcionar o médico de plantão.

Toda futura mãe, prestes a conceber um novo ser humano, leva em conta as orientações e conselhos do profissional que acompanha a gravidez. Todo cidadão acometido de uma enfermidade, principalmente nos casos de maior gravidade, deposita sua confiança na ciência e no discernimento daquele que o atende.

Portanto, penso ser mais que merecido o registro de louvor aos médicos brasileiros, e faço menção especial àqueles que exercem a atividade em meu querido Estado de Roraima.

Sr. Presidente, começamos a formar nossos profissionais em 1808.

Naquele ano, no Terreiro de Jesus, em pleno centro histórico de Salvador, foi criada a primeira escola de medicina do Brasil, a Escola de Cirurgia da Bahia. Ali, oferecia-se um curso de medicina, cirurgia e partos. Em 1832, a Escola transformou-se na primeira Faculdade de Medicina do País.

Desde aquela época, e durante muito tempo, o crescimento do número de escolas não foi significativo. Até 1960, por exemplo, haviam sido criadas apenas mais 22 escolas.

Não obstante, somente entre 1961 e 1970 foram criadas mais 45 escolas. E, nas últimas décadas, o número continuou a crescer, de modo que chegamos a 2004 com cerca de 120 escolas de medicina em nosso País, as quais oferecem, anualmente, cerca de 10 mil vagas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esta proliferação desenfreada de escolas de medicina no País foi por mim criticada em discurso feito, desta Tribuna, neste ano.

Na oportunidade dissemos - e gostaríamos de nesse pronunciamento reforçar, pois o tema interessa profundamente à classe médica - que ao longo dos últimos anos, a educação médica no Brasil sofreu um violento processo de degradação, cujos funestos efeitos sobre a saúde de nosso povo haverá, infelizmente, de se fazer sentir pelas próximas décadas.

Assistimos, nesse período, a um processo de criação desenfreada de novos cursos de medicina, a grande maioria dos quais não reúne as mínimas condições de funcionamento, servindo sua instalação exclusivamente à satisfação de escusos interesses políticos e empresariais.

A triste realidade é que a política para o ensino superior que vigorou neste País até recentemente abria os mais amplos espaços para a exploração mercantilista do legítimo desejo dos jovens brasileiros de terem acesso à educação de nível universitário. Assim, autorizou-se a abertura indiscriminada e sem qualquer critério de novos cursos superiores, inclusive na área de atenção à saúde.

Para os empresários do setor - que cobram mensalidades verdadeiramente exorbitantes dos jovens que almejam obter o cobiçado diploma de médico, e investem muito aquém do necessário para assegurar uma formação compatível com as elevadíssimas responsabilidades inerentes ao exercício dessa profissão -, essa política governamental de franca liberalidade na concessão de autorizações para o funcionamento de novos cursos representou, evidentemente, um suculento butim a ser abocanhado, um negócio muito lucrativo a ser explorado.

E, em consórcio com esses interesses econômicos, atuam os interesses políticos de âmbito local. Afinal, bem conhecemos o ardente desejo de todo Prefeito de ver uma faculdade instalada em seu Município, representando a chegada do ensino superior à cidade um ícone de progresso e desenvolvimento.

No entanto, a abertura de escolas médicas sem condições de formar bons profissionais, conquanto represente um lucrativo negócio para os empresários da educação e motivo de orgulho para os alcaides, constitui sério risco à saúde da população, em nada contribuindo para o fortalecimento das políticas públicas de saúde e para a plena implementação do SUS - Sistema Único de Saúde.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pesquisa divulgada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) concluiu que o número de médicos vem crescendo numa velocidade quase duas vezes superior à do crescimento da população. Enquanto a taxa anual de crescimento da população brasileira é de 1,89%, o número de médicos no País aumenta a uma taxa anual de 3,67%.

A Organização Mundial de Saúde preconiza como ideal uma proporção de um médico para cada mil habitantes. No Brasil, essa relação está, atualmente, em um médico para cada 601 habitantes, sendo a segunda do planeta. Os Estados Unidos da América é o único país do mundo que dispõe de um maior número de médicos em proporção à sua população que o Brasil.

Uma interpretação apressada desses números poderia sugerir que essa abundância de profissionais médicos nos coloca numa situação privilegiada, de fartura de mão-de-obra para dar atenção à saúde da população. Nada mais enganoso!

Em primeiro lugar, temos o gravíssimo problema da péssima distribuição geográfica desses profissionais, excessivamente concentrados que estão nos grandes centros urbanos. Para que se faça uma idéia de quão brutal é essa concentração, basta dizer que aquela proporção nacional de 601 habitantes para cada médico cai para 457 habitantes por médico no Estado de São Paulo e para assombrosos 253 habitantes por médico na Capital daquele Estado!

Enquanto isso, as duras condições socioeconômicas e de isolamento geográfico que imperam na Região Norte dificultam tremendamente a fixação de médicos de outras regiões brasileiras, abrindo espaço para que, de forma crescente, profissionais de outros países latino-americanos venham preencher essa lacuna. E a má distribuição se faz sentir mesmo dentro das grandes metrópoles, onde há enorme número de médicos. Na periferia da Capital paulista, faltam médicos: a Prefeitura de lá tem quase mil e trezentas vagas ociosas em postos de saúde, localizados na periferia, os quais não são ocupados pelos médicos concursados em virtude do medo de violência.

Muito mais grave ainda é o fato de que esse incremento no número de médicos ocorreu às custas da qualidade do ensino recebido pelos profissionais formados no período mais recente.

No ano passado, o Dr. Antônio Carlos Lopes, Presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, deu à revista ISTOÉ uma entrevista que não pode ser definida senão como chocante.

A qualificação do Dr. Lopes para avaliar o nível da formação que estão hoje recebendo os estudantes de medicina do País está acima de qualquer questionamento. A entidade que ele preside congrega os especialistas da sua área, com o objetivo de ajudar a difundir o conhecimento e, assim, manter o nível de qualidade dos profissionais. O Dr. Lopes exerce a cátedra de clínica médica da prestigiosa Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo e já ocupou a presidência do American College of Physicians, a maior entidade de clínicos gerais do mundo.

Entre outras atribuições, o Dr. Lopes tem a função de orientar alunos de residência médica. Na entrevista ao semanário, ele relata sua terrível perplexidade ao se deparar com jovens médicos que nem sequer conhecem a exata localização do coração, nem sabem dizer quantas são as válvulas cardíacas.

Esses jovens são o produto final da fábrica de faculdades médicas de péssima qualidade montada no País nos últimos anos. São médicos sem noções básicas de anatomia, que não têm idéia de como proceder a um exame num paciente, incapazes de desenvolver um raciocínio clínico que conduza a um diagnóstico. Em suma, médicos que estão absolutamente despreparados para exercer a profissão.

            Na opinião do docente, dos cerca de dez mil novos médicos formados a cada ano no Brasil, nada menos que espantosos 90% não estão treinados o suficiente para oferecer um bom atendimento e deveriam voltar para os bancos da universidade! Na melhor das hipóteses, conseguem tratar moléstias como uma gripe ou uma diarréia, mostrando-se absolutamente impotentes frente a qualquer quadro mais complexo. O Dr. Lopes chega a relatar a confissão de alguns estudantes que, no quinto ano, lhe disseram: “Lamentavelmente, não sei nada.”

São estudantes que freqüentam escolas sem qualquer compromisso ético com seus alunos. Escolas que não prestigiam o estudante, não lhe abrem portas, não estimulam a iniciação científica nem criam condições para o aprendizado. Tampouco valorizam a relação do aluno de medicina com o doente. Assim, o médico que sai dessas escolas não tem condições de exercer a medicina e, pior ainda, sequer tem condições de aprender a medicina depois de formado, pois não desenvolveu os rudimentos do raciocínio clínico.

As deficiências no processo de formação do profissional médico se estendem ao período pós-universitário, pois, da avalanche de diplomados a cada ano, mais de 50% começam a clinicar sem conseguir uma vaga nas residências médicas, etapa de treinamento complementar fundamental na sua formação. E a maioria daqueles que conquistam a oportunidade de cursar a residência médica são encarados pelos hospitais simplesmente como mão-de-obra barata a ser explorada. Em desobediência aos preceitos legais, a maioria dos programas de residência são tocados sem supervisão efetiva, sem modelo pedagógico, sem estrutura acadêmica.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos hoje, aproximadamente 250 mil médicos em atividade no Brasil, e a cada ano são formados 12 mil novos profissionais. É um contingente respeitável. Um número, na verdade, que nos lança, aos próprios médicos e à sociedade, alguns desafios grandiosos.

            Em primeiro lugar, há que se zelar pela qualidade dos cursos, pelo gabarito dos profissionais que deles egressam.

Há, também, que se buscar o necessário equilíbrio entre competência técnica e humanismo, para que nossos médicos sejam não apenas profissionais altamente capacitados, mas também cidadãos conscientes da realidade social de nosso País e das necessidades de nossa população.

Há que se estimular, com certeza, uma distribuição mais homogênea dos médicos entre as Regiões, Estados e Municípios, para que, em alguns lugares, não haja oferta excessiva de serviços e, em outros, insuficiência de atendimento.

Há que se lutar pela valorização dos profissionais que se dedicam ao setor público, para que, pressionados pela necessidade de manter uma vida minimamente confortável, não sejam obrigados a desdobrar-se em três ou mais empregos paralelos.

Sr. Presidente, enfim, são muitos os desafios com que se defronta a classe médica brasileira, ressaltada, aqui, a qualidade na formação dos futuros profissionais médicos. Tenho certeza, porém, de que serão superados, e que nosso povo poderá, cada vez mais, orgulhar-se da capacidade, da dedicação e do patriotismo de nossos profissionais da Medicina.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/10/2004 - Página 32430