Discurso durante a 145ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a violência doméstica no Brasil. Registro da Semana Nacional da Ciência e Tecnologia.

Autor
Serys Slhessarenko (PT - Partido dos Trabalhadores/MT)
Nome completo: Serys Marly Slhessarenko
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES. DIREITOS HUMANOS. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA. HOMENAGEM.:
  • Considerações sobre a violência doméstica no Brasil. Registro da Semana Nacional da Ciência e Tecnologia.
Aparteantes
Augusto Botelho.
Publicação
Publicação no DSF de 22/10/2004 - Página 32692
Assunto
Outros > ELEIÇÕES. DIREITOS HUMANOS. POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA. HOMENAGEM.
Indexação
  • ANALISE, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), ESPECIFICAÇÃO, TRANSPORTE, AGRICULTURA, COMENTARIO, PARTICIPAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), ELEIÇÃO MUNICIPAL.
  • REGISTRO, DECISÃO, ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS (OEA), CONDENAÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, DESRESPEITO, DIREITOS HUMANOS, HOMICIDIO QUALIFICADO, SEM-TERRA, CONFLITO, PENITENCIARIA, TENTATIVA, CONJUGE, HOMICIDIO, MULHER.
  • ANALISE, VIOLENCIA, AMBITO, DOMICILIO, ESPECIFICAÇÃO, AGRESSÃO, MULHER.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, JUDICIARIO, MANUTENÇÃO, IMPUNIDADE, TENTATIVA, CONJUGE, HOMICIDIO, MULHER.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, DISCURSO, AUTORIA, ORADOR, SEMANA, CIENCIA E TECNOLOGIA.
  • HOMENAGEM, DIA, MEDICO.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, chegamos, hoje de madrugada - apesar de termos saído daqui ontem à noite -, do Estado de Mato Grosso, onde estamos visualizando o sucesso no segundo turno das eleições na Capital, Cuiabá.

É um momento importante na história do meu Estado: pela primeira vez, o Partido dos Trabalhadores, com partidos aliados, chega ao segundo turno com real possibilidade de vitória.

O Estado do Mato Grosso é de extrema relevância para a Federação. Tem um potencial gigantesco de produção: é o maior produtor de soja, algodão e carne bovina e o segundo maior produtor de vários outros produtos. É um Estado que já conta com uma boa infra-estrutura, mas que necessita de algo muito maior para dar vazão ao seu potencial de desenvolvimento de produção. A infra-estrutura do Estado ainda está sendo construída, mas é preciso muito mais.

Temos discutido com o Governo, temos conversado com nossos Ministros sobre a importância das nossas rodovias e da Ferronorte. Já foi inaugurado, no Governo do Presidente Lula, o trecho de Alto Taquari a Alto Araguaia. Agora, ela segue de Alto Araguaia para Rondonópolis e, com certeza, num futuro bem breve, estará chegando à nossa capital, à nossa Cuiabá.

Tivemos, ainda hoje pela manhã, uma audiência com o Sr. Ministro do Planejamento, ocasião em que discutimos essas questões que temos discutido permanentemente com o nosso também muito competente Ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento. Há um esforço grande da Bancada de Mato Grosso no sentido da construção da infra-estrutura necessária para o escoamento da produção do nosso Estado, que é um Estado onde o agronegócio vai muito bem, obrigada, mas onde a agricultura familiar, apesar de estar avançando, tem que avançar muito mais. Temos lá muitos assentamentos de pequenos produtores rurais, mas a sua produção, que está sendo estimulada e que deverá ser cada vez mais estimulada por meio dos programas de crédito agrícola para o pequeno agricultor em especial, precisa dessa infra-estrutura.

A competência do Governo Federal no que diz respeito a rodovias refere-se, fundamentalmente, à BR-364, à BR-163 e à BR-158. Temos ainda a BR-070 e a BR-174, mas essas três referidas primeiramente têm necessidades mais prementes em termos de conservação e principalmente de construção - a Br-364, a BR-158 e a BR-163, no Estado do Pará, cuja construção é tão importante para aquele Estado como foi para Mato Grosso para o escoamento de sua produção.

Sr. Presidente, acaba de ser aprovado requerimento para a realização de sessão especial em que se chamará a atenção para o Dia Internacional de Combate à Violência contra a Mulher. Aproveito o ensejo para pedir aqui uma atenção muito especial dos Srs. e das Srªs Senadores e de todos aqueles que nos ouvem, aqui presentes ou ausentes, para a história que narraremos hoje. Trata-se de uma história gritante de violência, à qual a sociedade brasileira precisa prestar atenção. É uma realidade muito cruel, mas precisa ser conhecida para que possa ser combatida com todo o vigor necessário.

Com sobradas razões, a sociedade brasileira tem como uma de suas principais preocupações os índices, já há tempos muito alarmantes, de criminalidade violenta. E uma das razões relevantes para o incremento da violência é, na opinião unânime dos especialistas na matéria, a impunidade, que acaba, num grande número de casos, por beneficiar os criminosos. Já no que se refere às causas que levam à impunidade, destaca-se, entre elas, a morosidade do nosso aparelho judiciário.

Em alguns casos, a ineficácia do nosso sistema policial e judiciário em submeter aos rigores da lei os autores de delitos, especialmente quando eles são agentes do Estado, tem rendido sérios constrangimentos diplomáticos, Srs. Senadores, ao Brasil. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) já condenou o Governo brasileiro por causa de desrespeito aos direitos humanos em pelo menos três oportunidades. Foi assim no caso do assassinato do líder sem-terra Diniz Bento da Silva, o Teixeirinha, em 1993, no Paraná, e no caso do massacre do Carandiru, que deixou 111 presos mortos, ambos de triste memória.

Ao lado dos delitos praticados por agentes do Estado ou do poder econômico contra os desvalidos dos mais diversos matizes - sejam presidiários, agricultores que lutam pela posse da terra, moradores de rua ou favelados -, uma outra área na qual impera a mais vergonhosa impunidade é a da violência doméstica.

Vamos aqui relatar um fato de violência doméstica que está realmente trazendo problemas diplomáticos ao Brasil. Parece que as pessoas não estão ouvindo, parece que nós não estamos ouvindo o grito da violência doméstica. Como disse, acabamos de aprovar um requerimento para a realização de sessão especial do Dia Internacional de Combate à Violência contra a Mulher, e como a violência doméstica é, em mais de 99% dos casos, contra a mulher, estamos hoje fazendo estas colocações aqui desta tribuna.

Não pode ser qualificado senão como assombroso e deprimente o dado estatístico de que apenas 2% das denúncias criminais de violência doméstica chegam à condenação do agressor em nosso País. Sr. Presidente, Srs. Senadores, apenas 2% daqueles que praticaram violência doméstica chegaram a sofrer algum tipo de punição em nosso País! Portanto, é muito grave a situação.

Se a morosidade do Judiciário é a regra, a lentidão é ainda mais flagrante e mais exasperante quando se trata de julgar aqueles que praticam violência contra a mulher no próprio recinto do lar. Essa forma de violência, especialmente abjeta e covarde, parece continuar contando com uma machista conspiração de silêncio e tolerância a seu favor, ainda em pleno alvorecer do século XXI.

Um outro caso em que o Brasil sofreu condenação pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA foi o da tentativa de homicídio sofrida pela farmacêutica-bioquímica Maria da Penha Maia Fernandes - prestem atenção a esse nome - em 29 de maio de 1983, há 20 anos. Em 1997, 14 anos depois do crime, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos recebeu denúncia contra o Estado brasileiro por negligência e omissão em fazer cumprir a pena imposta a Marco Antônio Heredia Viveiros em dois júris. Em 30 de abril de 2001, a denúncia foi julgada procedente, resultando em mais uma condenação internacional ao nosso País.

Em face da condenação pela OEA, o Ministério da Justiça passou a acompanhar o processo judicial de perto, buscando livrar o País de ostentar, mais uma vez, a pecha de reino da impunidade. Mesmo assim, a despeito das pressões locais e internacionais, o agressor de Maria da Penha só veio a ser recolhido ao cárcere em 31 de outubro de 2002, um ano e meio após a decisão da Comissão da OEA. Pior ainda: em 5 de março do corrente ano, tendo cumprido apenas um ano e quatro meses da pena de dez anos e seis meses que lhe foi imposta, Viveiros obteve o benefício da progressão no regime de cumprimento da pena, passando a cumpri-la no regime semi-aberto.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, esse é apenas um exemplo que estou relatando aqui. Apesar de ser realmente assombroso, não é exemplo isolado: existem inúmeros casos semelhantes que precisamos combater. Para isso, precisamos dar visibilidade àqueles que conhecemos.

A odisséia vivida por Maria da Penha Fernandes até conseguir a condenação de seu ex-marido constitui exemplo paradigmático da morosidade e dos meandros da Justiça brasileira, bem como do especial descaso em relação aos processos instaurados para julgar atos de violência contra a mulher.

O crime de que Maria da Penha foi vítima apresentou, Srs. Senadores, requintes de crueldade, tendo sido friamente premeditado. Naquela trágica madrugada de 83, Maria da Penha foi alvejada, enquanto dormia, pelo pai de suas três filhas, pelo homem que era então o seu marido. A bala atingiu-lhe as costas, gerando lesões irreversíveis que a deixaram paraplégica. Quinze dias antes de disparar contra a esposa, Viveiros lhe havia pedido que assinasse uma proposta de seguro, do qual ele seria o beneficiário.

Antes da agressão, Viveros passou a noite em claro, supostamente vendo televisão. Depois do disparo, foi encontrado na cozinha da residência do casal, com o pijama rasgado e uma corda enrolada ao corpo, gritando por socorro. Dizia que ladrões haviam escapado pela janela. Curiosamente, nenhum objeto de valor desapareceu da residência. E os mesmos ladrões que se teriam dado ao trabalho de “amarrar” um homem que estava desperto teriam achado necessário disparar contra uma mulher adormecida.

Apesar de completamente estapafúrdia, a versão de Viveros subsistiu de início. Após quatro meses de hospitalização, ao longo dos quais se submeteu a uma série de cirurgias, Maria da Penha retornou ao lar inválida. Seu algoz, então, submeteu-a a um regime de isolamento completo. Sequer a visita de familiares era permitida. Certo dia, por fim, Viveros, empurrando-a na cadeira de rodas, levou-a para baixo do chuveiro, ao alcance de um fio elétrico que produzia choques sob a água. Maria da Penha, contudo, reagiu, debatendo-se e gritando, e foi salva pelas empregadas.

A partir de então, Maria da Penha fez a tragédia pessoal sua bandeira de luta. Com o apoio de organizações não-governamentais, como o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem) e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), Maria da Penha levou Viveros a júri duas vezes e denunciou o Brasil perante a OEA.

No primeiro júri, em 1991, oito anos após as agressões, Viveros foi condenado a 15 anos de reclusão e não foi preso. Depois de três adiamentos, o segundo júri aconteceu no dia 14 de março de 1996. Dessa feita, Viveros foi condenado à pena menor de 10 anos e seis meses de reclusão. Novamente os advogados recorreram, pleiteando a anulação do julgamento sob o argumento de que a decisão proferida seria contrária à prova dos autos. Debaixo de pressões locais e internacionais, a sentença foi mantida.

Como se pode ver, a luta de Maria da Penha por justiça demorou quase 20 anos, apesar do apoio de uma instituição do peso da OEA. E, indubitavelmente, não se pode dizer que haja sido feita justiça no caso, mormente tendo em vista que, cumprido apenas um ano e quatro meses da pena, o condenado obteve progressão ao regime semi-aberto.

Vale destacar, neste momento, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a extraordinária coragem e determinação dessa mulher, que, incapacitada pela pessoa que lhe era mais próxima, encontrou forças para transformar sua tragédia em militância ativa e profícua em prol da justiça e do fim da impunidade.

Nos anos que se seguiram ao crime, Maria da Penha escreveu um livro relatando sua luta sob o sugestivo título Sobrevivi... Posso Contar. Além disso, engajou-se em entidades como a Associação dos Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (Apavv) e o Observatório do Judiciário, nas quais leva adiante, ainda hoje, sua luta contra a morosidade do Judiciário, lembrando que justiça que tarda não passa de “injustiça qualificada”.

Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, o rol de injustiças e disparates que cercam a história de Maria da Penha não se resume ao que narrei aqui. Sabe-se, por exemplo, que, já condenado, o agressor de Maria da Penha obteve autorização do juízo da 2ª Vara da Infância e da Juventude do Rio Grande do Norte para adotar uma criança, e que, desde a separação do casal, mesmo tendo ganhos fixos, ele jamais contribuiu com a educação das três filhas que ficaram com Maria da Penha.

As Srªs e os Srs. Senadores, com certeza, estão perguntando: e daí, Senadora Serys Slhessarenko, é apenas mais um caso? Exatamente por isso fiz questão de relatá-lo com alguns detalhes na tribuna do Senado da República. Há centenas, milhares, até milhões de casos, não como esse, em que a pessoa chega a ponto de ficar tetraplégica ou ser assassinada, mas de violência doméstica neste País.

A violência doméstica não é só o assassinato, a agressão corporal, mas a humilhação sofrida pela mulher no dia-a-dia, a discriminação no trabalho, na família, na política. E, aí, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Congresso Nacional encontrará a saída na reforma política para chegar ao fim ou, pelo menos, à redução da discriminação da mulher na política.

Srªs e Srs. Senadores, como disse, a luta de Maria da Penha não foi em vão. É apenas um caso, mas que tal relato sirva para que realmente outras mulheres que estejam nos ouvindo, que conheçam o caso ou que venham a conhecê-lo por meio da obra que ela escreveu tenham, cada vez mais, a coragem, a força e a determinação para combatermos qualquer tipo de injustiça contra qualquer pessoa, mas, em especial, contra a mulher e a violência doméstica. Esse é o tipo de violência mais agressivo, mais gritante e mais cruel, porque é causada e sofrida por pessoas muito próximas umas das outras.

Meu tempo está terminando, mas, antes de concluir, agradeço ao Senador Augusto Botelho por haver cedido seu tempo a mim e concedo a S. Exª um aparte.

O Sr. Augusto Botelho (PDT - RR) - Senadora Serys Slhessarenko, quero apenas citar um exemplo prático relativo à violência doméstica. Trabalhei durante 30 anos na emergência do Hospital de Boa Vista. Cheguei a atender duas ou três pessoas que sofreram violência doméstica. Tomei providências para que fosse feita a denúncia - e o foi -, mas a vítima posteriormente a retirou. De outra vez, uma dessas pessoas voltou morta e a outra foi baleada e ficou com seqüelas de um tiro dado pelo próprio amado a quem ela perdoou. As mulheres vítimas de violência doméstica podem e devem voltar a conviver com o parceiro se acharem conveniente, mas não devem retirar a denúncia, pois é a segurança para a vida delas, para que possam criar os filhos. Queria dizer isso apenas para ilustrar o seu discurso, Senadora. V. Exª sabe da minha posição em defesa das minorias e, em especial, das mulheres. Muito obrigado.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT) - Senador Augusto Botelho, agradeço a V. Exª pelo aparte. Já esperávamos de V. Exª esse depoimento, pois sabemos da sua participação no Conselho do Diploma Mulher-Cidadã Bertha Lutz, do Congresso Nacional, na Comissão Especial do ano 2004 - Ano Nacional da Mulher. Nas duas comissões, V. Exª participa ativamente.

Mas a realidade é essa, Senador Augusto Botelho. Um terço - V. Exª citou três casos aqui e em um deles a mulher foi assassinada - é o percentual da violência doméstica que resulta em morte. Muitas daquelas mulheres que fazem a denúncia e voltam para retirá-la são assassinadas. E, às vezes, retiram a denúncia por medo de uma violência ainda maior.

Peço só mais dois minutos, Sr. Presidente, para concluir o meu pronunciamento. O que se faz necessário, do nosso ponto de vista, é acabar com aquele ditado popular horrível que diz que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. Eu digo que não. Ao contrário, em briga de marido e mulher todos têm que meter a colher: o vizinho, que pode evitar um assassinato ou uma agressão maior; o Poder Público, criando delegacias especializadas na violência contra a mulher, criando casas de abrigo, casas de proteção à mulher vítima de violência. Enfim, temos que ter uma política que realmente combata esse problema. Isso sem falar na participação do Judiciário, pois é fundamental e da maior relevância a celeridade e a determinação do Judiciário em tratar dessa questão da violência doméstica.

Sr. Presidente, peço para que se registre o discurso que eu iria fazer sobre a Semana de Ciência e Tecnologia, visto que tivemos uma videoconferência, na terça-feira, promovida pelo nosso competente Interlegis, na qual participaram a maioria das Assembléias Legislativas do nosso Brasil.

Sr. Presidente, relembro ainda as homenagens pelo transcurso do Dia do Médico - que já passou. Gostaria, mais uma vez, de fazer uma saudação muito especial a todos esses heróis da Medicina, médicos e médicas de nosso País, especialmente em nome dos Senadores que são médicos, na pessoa do Senador Augusto Botelho e do Senador Mozarildo Cavalcanti, aqui presentes.

Muito obrigada.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DA SRª SENADORA SERYS SLHESSARENKO.

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A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vivemos num mundo em que a ciência adquiriu um papel e uma conotação que não podem ser desconsiderados, quando se tem em mira prover maior conforto aos seres humanos.

As descobertas científicas e os avanços tecnológicos nos surpreendem a cada dia, mas os primeiros beneficiados são sempre aqueles que se colocam nas camadas superiores da pirâmide social.

Por isso, um governo que foi eleito por suas propostas de mudanças na estrutura socioeconômica do País não poderia descuidar da inclusão dos menos favorecidos no contexto de usuários das conquistas tecnológicas da humanidade. Assim, visando a mais ampla divulgação possível dos conhecimentos e dos fazeres mais modernos, o Presidente Lula assinou decreto, em 9 de junho próximo passado, instituindo a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, a ser comemorada todos os anos no mês de outubro.

Os eventos realizados durante esse período serão coordenados, sempre, pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e envolverão as entidades nacionais vinculadas ao setor.

Creio, Srªs e Srs. Senadores, que não é possível, ainda, imaginar o alcance de uma ação com essa magnitude.

Na qualidade de Presidente da Frente Parlamentar Mista do Software Livre e Inclusão Digital - Frensoft - é natural que minha preocupação se volte para essa área específica do desenvolvimento tecnológico.

Todos sabemos que, no mundo de hoje, os conhecimentos de informática se tornaram indispensáveis à participação do ser humano em sociedade. Entretanto, nem todos podem adquirir um equipamento que não costuma sair por menos de 5 ou 6 salários mínimos. Ademais, se formos acrescentar a essa despesa os custos dos softwares necessários, aí é que o uso da informática se torna mesmo inviável para as camadas mais pobres da população.

Esses são alguns dos motivos que nos levam a lutar pela disseminação do uso de softwares livres, isto é; aqueles cuja aquisição não gera ônus para os usuários. Além disso, eles apresentam a vantagem de poderem ser alterados segundo as conveniências - nesse caso, sem dúvida, por aqueles que detêm os conhecimentos necessários. Esta é a forma de se livrar das atualizações, praticamente anuais, que os detentores dos direitos de softwares proprietários tentam “empurrar” aos que deles se utilizam.

Recentemente, vários jornais de grande circulação e influência na vida do País - entre eles, O Estado de S.Paulo, O Globo, Gazeta Mercantil - noticiaram com destaque que o Governo Federal já economizou, desde agosto de 2003, R$28,5 milhões por ter passado a utilizar softwares livres. Esses números são o resultado de uma pesquisa realizada pelo Comitê de Implementação do Software Livre, coordenado pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI).

O Presidente do ITI, Sérgio Amadeu, informou que o software livre já é utilizado em 91 órgãos federais, incluídos aí todos os ministérios.

Um dado importante que o Presidente do ITI deu a conhecimento público foi o de que, no ano passado, os órgãos que migraram para o software livre gastaram apenas R$768 mil com a formação de pessoal para a utilização de sistemas como o Linux. Se os órgãos públicos e estatais tivessem optado pelos sistemas proprietários, teriam sido gastos R$24,8 milhões na compra de softwares ou renovação de suas licenças.

Sem dúvida, levaremos algum tempo até que os softwares livres ganhem a confiança dos usuários, mas eles já vêm comprovando a sua eficácia.

O Ministro Olívio Dutra foi um dos pioneiros a adotar sistemas que não gerariam despesas com direitos de criação, o que ocorreu quando era Governador do Estado do Rio Grande do Sul. No Ministério das Cidades, de que é o titular, também acabou saindo na frente. Nesse órgão, um terço dos usuários trabalham com software livre e mais de 80% da rede interna já funciona com aplicativos desse tipo.

Por sua vez, a Receita Federal possibilita a entrega da declaração de rendimentos com a utilização de vários softwares livres.

Sem dúvida, podemos afirmar que é o bom senso tomando conta do Governo, que se valerá da estrutura existente na Escola Nacional de Administração Pública para ministrar cursos desses softwares para os servidores. Assim, será possível mudar a cultura de informática do setor público e fazer valer uma das diretrizes norteadoras da administração, que deve ser a utilização racional dos recursos públicos.

Como Presidente da Frente Parlamentar Mista do Software Livre e Inclusão Digital - Frensoft -, comprometo-me a envidar todos os esforços para a disseminação desses bens intelectuais que são de livre utilização.

Dessa forma, tenho certeza, será ampliado o acesso ao mundo digital, para que nele sejam incluídos também todos os que teriam de lutar muito para superar as dificuldades que lhes foram impostas já no berço.

Encerro aqui minha breve participação, para não tomar o precioso tempo dos especialistas presentes a este evento.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/10/2004 - Página 32692