Discurso durante a 148ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Importância da CPI do Banestado para investigar a questão da lavagem de dinheiro. Proposta de Projeto de Lei alterando o art. 155 da Lei 8.112/90.

Autor
Romeu Tuma (PFL - Partido da Frente Liberal/SP)
Nome completo: Romeu Tuma
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCO DO ESTADO DO PARANA S/A (BANESTADO). :
  • Importância da CPI do Banestado para investigar a questão da lavagem de dinheiro. Proposta de Projeto de Lei alterando o art. 155 da Lei 8.112/90.
Publicação
Publicação no DSF de 27/10/2004 - Página 33256
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCO DO ESTADO DO PARANA S/A (BANESTADO).
Indexação
  • APREENSÃO, RISCOS, LAVAGEM DE DINHEIRO, REFORÇO, CRIME ORGANIZADO, CORRUPÇÃO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCO DO ESTADO DO PARANA S/A (BANESTADO), INVESTIGAÇÃO, FRAUDE.
  • COMENTARIO, DADOS, ATUAÇÃO, CRIME ORGANIZADO, LAVAGEM DE DINHEIRO, SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • COMENTARIO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, REGIME JURIDICO, SERVIDOR, AGILIZAÇÃO, OBTENÇÃO, PROVA, PUNIÇÃO, FUNCIONARIO PUBLICO.

O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Eduardo Siqueira Campos, peço desculpas a V. Exª, mas hoje vim pronto para tratar de um assunto muito importante, que tenho protelado por algumas semanas, porque entendo que membros da Mesa devem ter menos oportunidade de usar a tribuna, em razão do grande número de Senadores que trazem assuntos importantes de seus Estados.

A gentileza, a amabilidade constante com que V. Exª me trata, como um irmão de seu pai, como seu tio, para não falar como um pai, bem como a amizade que o liga ao Robson, sempre nos trouxe um relacionamento de afeição profunda. Então, agradeço a V. Exª interromper o encerramento para me conceder esta oportunidade.

Sr. Presidente, procurarei sintetizar o meu pronunciamento.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos. PSDB - TO) - Senador Romeu Tuma, sem querer interromper V. Exª, a Presidência sente-se na obrigação de dizer que, em primeiro lugar, quem lhe deve desculpas é esta Presidência, pois V. Exª estava regularmente inscrito, e o Presidente não percebeu e cometeu um equívoco. Ainda consultei informalmente o Senador Heráclito Fortes se desejava fazer uso da palavra, e S. Exª declinou. Esta Presidência está sensibilizada com suas palavras, porque, realmente, Senador Romeu Tuma, V. Exª é um dos mais queridos e mais respeitados Senadores desta Casa, em especial por mim.

O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP) - Obrigado, Sr. Presidente.

Antes de iniciar meu pronunciamento, quero cumprimentar o Senador Heráclito Fortes pela postura, pela discrição e respeito durante o depoimento do Juiz de Barreirinhas, ao fazer valer toda a sua angústia pelo tratamento recebido durante a visita àquela cidade. Parabéns, Senador.

Presidente Eduardo Siqueira Campos, Srªs e Srs. Senadores, a Folha de S.Paulo de ontem, 25 de outubro, publicou: “Kroll usou ex-executivos para investigar empresas e governo”.

Todas as informações estão disponíveis na Internet. Não as lerei, nem o resumo, porque recebi o disquete da Kroll. Não da Polícia Federal, porque a instituição está investigando o comportamento da Kroll quanto à atuação de alguns de seus membros no Governo. Oitenta relatórios fazem referência às investigações procedidas pela Kroll. Não farei uso deles, mas pedi à minha assessoria para analisá-los, porque há elementos importantes. O jornal cita, inclusive, a CPI do Banestado - a que V. Exª tem dado importância e presença permanente - en passant, uma possível ligação para obter informações da CPI.

Como estamos apurando o vazamento de informações, para constatar se ocorreu tentativa de extorsão, creio ser interessante analisar se houve ou não especulação, exploração ou uso das informações colhidas por essa agência de investigação internacional.

Neste meu pronunciamento, eu faço uma análise da lavagem de dinheiro, Senador Heráclito, destaco a importância da CPI do Banestado e faço um alerta para o perigo decorrente desse tipo de fraude, que robustece o crime organizado e a corrupção.

“Como diria o Zeca Pagodinho, toda essa gente que vocês querem pegar tem bala na agulha ou, como diria o Ratinho, essa gente tem café no bule”. Com essas palavras, o Presidente da República sintetizou a preocupação reinante no Encontro Internacional de Combate à Lavagem de Dinheiro e Recuperação de Ativos, realizado recentemente em Brasília, com a participação de renomados especialistas no assunto. Preocupação, aliás, predominante ao redor do mundo devido à lavagem de dinheiro constituir uma raiz que robustece o crime organizado e a corrupção no setor público.

Bem disse o Presidente Lula ao ressaltar que “nunca a Polícia Federal fez tanto, em tão pouco e com tamanha eficiência para combater a lavagem de dinheiro e o crime organizado no País”. Mas, ainda conforme suas palavras, de pouco adianta prender o fraudador, quando não se consegue recuperar o dinheiro sujo, que chega aqui lavado e limpo pelas vias já tão conhecidas de todos os brasileiros, divulgadas nos noticiários de jornais e revistas.

Para se ter idéia do vulto desse tipo de fraude que perpassa os principais níveis da vida nacional e causa inestimáveis prejuízos à sociedade, basta analisar as palavras proferidas naquele seminário pelo representante da ONU no Brasil e Cone Sul, Sr. Giovanni Quaglia. Segundo suas afirmações, levantamentos procedidos pela ONU indicam que o crime organizado movimenta sozinho US$2 trilhões por ano, dos quais US$1.3 trilhão é lavado no sistema financeiro internacional.

Ainda conforme o Sr. Quaglia, os países industrializados, principalmente os Estados Unidos da América, encabeçam a lista das maiores lavanderias de dinheiro. Entretanto, o Brasil tem especial papel no desenrolar da fraude, uma vez que se estima a participação brasileira entre 2% e 5% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, ou seja, de US$10 bilhões a US$25 bilhões de dólares por ano. A corrupção responderia por metade desse montante. Os outros 50% estariam atrelados principalmente ao tráfico de drogas e de armas, além do contrabando.

Juristas e técnicos enalteceram, naquele encontro, a estratégia adotada pelo Brasil para combater a lavagem de dinheiro. Mas, se atentarmos bem para tais manifestações, veremos com tristeza que resultaram de mera formalidade entre convidados e anfitriões, mesmo porque todos reconheceram inexistir dados concretos sobre a situação brasileira.

Na verdade, apesar dos esforços do Congresso Nacional, especialmente do Senado, para produzir boa legislação sobre o assunto no decorrer dos últimos 10 anos, não avançamos muito na prática. De novo, podemos dizer que temos leis para tudo, mas tornam-se quase inócuas diante das flagrantes deficiências em sua aplicação.

Sr. Presidente, neste meu discurso, eu prossigo falando sobre os Estados Unidos, os departamentos que investigam a lavagem de dinheiro, o COAF - Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o setor especializado em inteligência artificial, que faz a análise de movimentações financeiras, além de dados interessantes de uma revista de aeroporto, que me ajudaram a fazer este trabalho.

Como o discurso será publicado, se V. Exª autorizar, vou passar à parte final.

O meu discurso tem 20 páginas, e, ao final, proponho reforçar a coleta de provas no processo administrativo disciplinar.

Senador Eduardo Siqueira Campos, segundo pesquisa, o Brasil ocupa o 57º lugar no rol dos mais corruptos e mostra também que a corrupção é mais acentuada na esfera administrativa. Muitas vezes, abre-se um processo administrativo e a autoridade que o preside tem dificuldades para encontrar as provas.

Assim, estou propondo, por meio de projeto de lei, para reforçar a coleta de provas no processo administrativo disciplinar, a inserção de parágrafo único no art. 155 da Lei nº 8.112, de 1990, que trata do Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, Autarquias e Fundações Públicas Federais, com a seguinte redação:

Parágrafo único - Nas transgressões disciplinares punidas com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, destituição de cargo em comissão e destituição de função comissionada (art.127, incisos III, IV, V e VI), o presidente da Comissão, para instruir o processo disciplinar, poderá solicitar ao magistrado competente para o correspondente processo criminal cópias autenticadas de depoimentos, acareações, investigações, laudos periciais e demais diligências investigatórias.

            Esse é um projeto que julgo importante, Senador, até por experiência pessoal. Muitos processos de demissão de funcionário por desvio de conduta ficam paralisados pela demora na obtenção de provas. Eles não tramitam juntamente com o procedimento jurídico na Justiça. O meu projeto, para o qual peço urgência na aprovação, poderá, sem dúvida, dar celeridade aos procedimentos administrativos, para que se possa punir os responsáveis por desvio de conduta, o qual ocasiona prejuízo ao erário público e às populações mais carentes.

Obrigado, Senador.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR ROMEU TUMA.

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           O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP) - Sr. Presidente, Srªs.. e Srs. Senadores, “Como diria Zeca Pagodinho, toda essa gente que vocês querem pegar tem bala na agulha ou, como diria o Ratinho, essa gente tem café no bule”. Com essas palavras, o Presidente da República sintetizou a preocupação reinante no Encontro Internacional de Combate à Lavagem de Dinheiro e Recuperação de Ativos, realizado recentemente em Brasília com a participação de renomados especialistas no assunto. Preocupação, aliás, predominante ao redor do mundo devido à “lavagem de dinheiro” constituir uma raiz que robustece o crime organizado e a corrupção no setor público.

           Bem disse o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao ressaltar que “nunca a Polícia Federal fez tanto, em tão pouco tempo e com tamanha eficiência, para combater a “lavagem” de dinheiro e o crime organizado no País”. Mas, ainda conforme suas palavras, de pouco adianta prender o fraudador, quando não se consegue recuperar o dinheiro sujo.

           Para se ter idéia do vulto desse tipo de fraude, que perpassa os principais níveis da vida nacional e causa inestimáveis prejuízos à sociedade, basta analisar as palavras proferidas naquele seminário pelo representante da ONU no Brasil e Cone Sul, Sr. Giovanni Quaglia. Segundo suas afirmações, levantamentos procedidos pela ONU indicam que o crime organizado movimenta sozinho 2 trilhões de dólares por ano no mundo, dos quais 1,3 trilhão é “lavado” no sistema financeiro internacional.

           Ainda conforme o Sr. Quaglia, os países industrializados, principalmente os Estados Unidos da América, encabeçam a lista das maiores “lavanderias” de dinheiro. Entretanto, o Brasil tem especial papel no desenrolar da fraude, uma vez que se estima a participação brasileira entre 2% e 5% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, ou seja, de 10 bilhões a 25 bilhões de dólares por ano. A corrupção responderia por metade desse montante. Os outros 50% estariam atrelados principalmente ao tráfico de drogas e de armas, além do contrabando.

           Juristas e técnicos enalteceram naquele encontro a estratégia adotada pelo Brasil para combater a “lavagem de dinheiro”. Mas, se atentarmos bem para tais manifestações, veremos com tristeza que resultaram de mera formalidade entre convidados e anfitriões, mesmo porque todos reconheceram inexistirem dados concretos sobre a situação brasileira.

           Na verdade, apesar dos esforços do Congresso Nacional, especialmente do Senado da República, para produzir boa legislação sobre o assunto no decorrer dos últimos dez anos, não avançamos muito na prática. De novo, podemos dizer que temos leis para tudo, mas tornam-se quase inócuas diante das flagrantes deficiências em sua aplicação.

           É evidente que o maior esforço para bloquear a “lavagem” deva partir dos países mais ricos. Mas, há desproporção muito grande entre os recursos investidos naquele combate por eles e pelos países de economia emergente, como o Brasil. Por exemplo, verifiquei que, em 2003, a dotação orçamentária dos Estados Unidos apenas para o FBI - uma das diversas organizações governamentais que cuidam do problema e possui 45 representações em países estrangeiros - foi superior a 4,3 bilhões de dólares, isto é, o equivalente a cerca de 13 bilhões de reais. No mesmo período, nossa lei orçamentária destinou ao Departamento de Polícia Federal 29 milhões de reais, isto é, 0,22% daquilo que os Estados Unidos gastam com somente uma de suas polícias federais.

           Falamos, portanto, da destinação de recursos 444 vezes menores para um órgão policial brasileiro com jurisdição sobre um País de dimensões igualmente continentais. Um órgão que exerce funções semelhantes às do FBI e, além disso, incorpora atribuições que, nos EUA, são desempenhadas por outras agências governamentais, como o Serviço Secreto (falsificação de moeda), Polícia do Tesouro (fraudes fiscais), DEA (narcotráfico), ATF (tráfico de armas, explosivos e munições), US Marshals Service (captura e transporte de condenados e segurança dos tribunais federais) etc. Somente a DEA recebeu 1,9 bilhão de dólares naquele mesmo ano para reprimir o narcotráfico, o que aqui é feito pelo DPF apenas como uma dentre várias competências, para as quais se destina aquele orçamento ridículo.

           Essa colossal desproporção de investimentos repete-se há bastante tempo e continua a acontecer em 2004. É claro que, felizmente, não nos defrontamos com alguns dos gravíssimos problemas enfrentados pelos norte-americanos, a exemplo do terrorismo. Mas, a situação de nossa segurança pública, principalmente nos grandes centros urbanos, não está longe de produzir efeitos análogos. Conhecemos as agruras e a intranqüilidade imposta à população pelo crime organizado, principalmente o narcotráfico. Temos consciência de que tombam mais brasileiros todos os dias, sob a mira de assaltantes, traficantes e viciados, do que soldados dos exércitos aliados na guerra no Iraque. Portanto, nada justifica tamanha deficiência de investimentos oficiais, a não ser a falta de dinheiro. E tal debilidade é suficiente para explicar o fato de, até hoje, não termos notícias de relevantes condenações por “lavagem de dinheiro”. Aliás, ao defender tese de Mestrado em Direito na Universidade “Gama Filho” há cerca de um mês, o chefe da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, Sr. Álvaro Lins, afirmou que, em todo o Brasil, até agora, a Justiça só condenou uma pessoa pela prática de tal crime.

           A carência de meios operativos, devido a verbas muito aquém das necessidades e responsabilidades de nossa Polícia Federal e outros órgãos relacionados àquele combate, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), faz crescer a importância das Comissões Parlamentares de Inquérito nesse campo, como demonstraram as CPIs do Narcotráfico e dos Precatórios. Tal aspecto da questão deve remeter nossa sensibilidade, de imediato, ao papel moralizante desempenhado pela CPMI do Banestado, instituída para “apurar as responsabilidades sobre a evasão de divisas do Brasil, especificamente para os chamados paraísos fiscais, em razão de denúncias veiculadas pela imprensa, reveladas pela Operação Macuco, realizada pela Polícia Federal, a qual apurou a evasão de US$ 30 bilhões, efetuada entre 1996 e 2002, por meio das chamadas contas CC5", conforme consta do requerimento que lhe deu origem.

           Por ter “poderes de investigação próprios das autoridades judiciais”, nos termos da Constituição, torna-se mais fácil para uma CPI, em comparação com qualquer autoridade policial, obter todos os elementos de prova necessários à denúncia dos infratores pelo Ministério Público à Justiça. E é isso exatamente o que se espera no caso Banestado, mesmo tendo sido tumultuado por sucessivas manobras diversivas, que desaguaram na imprensa com maldosas insinuações, como se viu nas notícias sobre vazamento de informações sigilosas.

           Srs. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, a descomunal soma de recursos que teriam sido “lavados” nesse caso - isto é, 30 bilhões de dólares - já desnuda por si só a importância de investigações do porte daquela em andamento na CPMI do Banestado. Todavia, outros fatos tão escabrosos quanto esse estão a merecer atenção por parte do Congresso Nacional. Refiro-me a dois recentes abalos na imagem do Brasil perante o mundo, com epicentro em Washington, ambos relacionados à “lavagem de dinheiro” no Brasil.

           O primeiro é o de que metade das empresas consultadas pelo Banco Mundial (Bird) no Brasil confessou ter pago propinas a funcionários de governo. Além disso, 67,2% delas consideraram a corrupção como "um obstáculo importante à atividade econômica". O economista-chefe e vice-presidente do banco, François Bourguignon, revelou tal fato no mês passado, ao apresentar o Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial, publicação anual que o Bird dedicou, desta vez, a um estudo global sobre o ambiente para investimentos. Foram pesquisadas mais de 30 mil firmas, em 53 países, e o retrato do Brasil é dos menos favoráveis.

           “Nem todos os países da América Latina têm clima ruim para investimentos. Há muitas queixas em relação ao Brasil, mas não em relação ao Chile” - esclareceu o dirigente do banco.

           O segundo fato preocupante é o de que o Brasil ficou entre os 22 países considerados pelo governo dos Estados Unidos como os maiores produtores de drogas ilícitas ou as mais ativas rotas do narcotráfico, no relatório anual que o presidente George W. Bush submeteu ao Congresso de seu país há dias. Nele apontou as nações que, a seu ver, se evidenciaram pela ausência de "esforços substanciais" para aderir às leis internacionais antitráfico e de medidas de repressão a esse crime em conformidade com a legislação norte-americana. O documento foi levado aos congressistas pelo Secretário de Estado, Colin L. Powell, sem distinguir as nações produtoras das que servem de rota para o narcotráfico.

           Como nos anos anteriores, a certificação presidencial levou em consideração o desempenho de cada país em atividades como “redução do cultivo clandestino, interdição, cooperação policial repressiva, extradição de narcotraficantes e adoção de medidas legais para prevenir e punir a corrupção no setor público que facilita ou impede o combate a crimes relacionados ao tráfico.”

           O relatório considerou também os esforços nacionais para paralisar a produção e exportação das drogas ilícitas, bem como para reduzir a demanda doméstica. Desta vez, incrimina os seguintes países, por ordem alfabética: Afeganistão, Bahamas, Bolívia, Brasil, Burma, China, Colômbia, Equador, Guatemala, Haiti, Índia, Jamaica, Laos, México, Nigéria, Paquistão, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Venezuela e Vietnã.

           A Tailândia saiu da lista porque, nos 12 meses anteriores, o cultivo de papoula para produção de ópio ficou abaixo dos níveis especificados no Ato de Autorização para Relações Exteriores estadunidense. Além disso, nenhum laboratório para processar heroína foi achado em território tailandês durante vários anos. O país deixou de ser ainda “uma fonte direta significativa de narcóticos ilícitos, drogas psicotrópicas ou outras substâncias controladas, nem o seu território é considerado como rota de tráfico para os EUA.”

           A maior parte das drogas que entram nos Estados Unidos procede da América do Sul e do México, de acordo com o relatório. Por imposição legal, esse documento afeta todo o programa de ajuda dos EUA a países estrangeiros.

           O narcotráfico e seus congêneres no rol dos crimes que canalizam o dinheiro sujo para as “lavanderias” nacionais e internacionais realmente têm bala na agulha e café no bule. Seu poder de corromper para entravar investigações supera a imaginação. Por exemplo, a Polícia Federal e o Ministério Público criaram uma força-tarefa, em 2003, para aprofundar o ataque à “lavagem” via contas CC-5 e desencadearam, em agosto último, a Operação Farol da Colina.. Pois bem, monitorando telefones mediante autorização judicial, verificaram que o delegado Carlos Fernando Braga, da Polícia Federal em São Paulo, alertou o doleiro Antônio Oliveira Claramunt, alcunhado “Toninho da Barcelona”, de que seria preso no dia 17 daquele mês, como realmente estava programado. Os procuradores da República e os policiais alteraram os planos e prenderam o doleiro um dia antes. No dia 14, a Justiça Federal em Curitiba autorizou a prisão temporária do delegado e, no dia 24, converteu-a em prisão preventiva.

           A operação envolveu 750 autoridades e seus agentes em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pará, Amazonas, Paraíba e Pernambuco. O procurador Vladimir Aras, coordenador dos trabalhos, revelou à imprensa que o telefonema de Braga “não foi o único feito a doleiros na véspera da operação”. Assim mesmo 63 deles foram capturados logo às primeiras horas de diligência com base em 123 mandados de prisão e 215 de busca e apreensão, expedidos pelo juiz Sérgio Moro, da 2.ª Vara Federal Criminal de Curitiba. A acusação é de evasão de divisas, sonegação, formação de quadrilha e “lavagem” de dinheiro. Sabe-se que 24 bilhões de dólares podem ter sido “lavados” pelos alvos da Operação Farol da Colina através do mesmo esquema internacional sob investigação da CPMI do Banestado. A maior parte do dinheiro era movimentada no Banco JP Morgan, de Nova York, por meio de conta fantasma em nome da empresa Beacon Hill, que significa “farol da colina”. Essa era a “conta-mãe”. Depois, os recursos seguiam para “paraísos fiscais”. Mas, havia muitas contas e subcontas em outros bancos de Nova York, também em nome da Beacon Hill, que redistribuíram milhões de dólares. Por exemplo, doleiros do Rio de Janeiro teriam movimentado 873,5 milhões de dólares em subcontas no banco Chase Manhattan entre 1997 e 2002.

           Mas, de onde surgiu tanto dinheiro sujo? Há de tudo nesse caldeirão infernal: narcotráfico, seqüestro, roubo a banco, tráfico de armas, roubo de cargas, contrabando, sonegação fiscal, caixa-dois, sobras de campanha eleitoral e por aí afora. Os autores servem-se da “lavagem” por atacado. Atuam no nicho dos bilhões de dólares. Mas, a varejo, a corrupção no serviço público também causa estragos consideráveis, embora as cifras geralmente fiquem restritas à casa dos milhões, como nos clássicos casos de Jorgina de Freitas e do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto. Nos três últimos meses, dentro da dimensão dos milhões, houve vários escândalos principalmente na área da saúde. Por exemplo, a Operação Vampiro, da Polícia Federal, descobriu fraudes no montante de 362,1 milhões de reais em licitações do Ministério da Saúde destinadas à compra de hemoderivados e medicamentos para vítimas de enchentes, além de insulina. Vinte empresários, lobistas, doleiros e ex-servidores daquele Ministério estão sendo processados por corrupção, “lavagem de dinheiro” e formação de quadrilha, entre outros crimes.

           É relativamente ao varejo que vamos encontrar outro aspecto da “lavagem de dinheiro” que vem preocupando as autoridades há já bastante tempo. Trata-se do possível desvirtuamento dos prêmios dados pelas loterias administradas pela Caixa Econômica Federal. As suspeitas decorrem do elevado número de bilhetes premiados em poder de uma só pessoa. O verdadeiro ganhador seria abordado por alguém da lotérica ou alguém conhecedor de sua identidade e venderia o volante premiado por quantia superior ao prêmio. Assim, milhões de reais sujos ficariam limpos como num passe de mágica.

           Em setembro último, o Coaf enviou à Procuradoria Geral da República, em Brasília, mais de 50 comunicações de casos suspeitos ocorridos desde 2002. A direção da Caixa foi instada a adotar uma providência que elidiria a possibilidade de fraude, isto é, registrar o CPF do apostador no ato da aposta. Mas, recusou a sugestão, qualificando-a de “retrocesso” por já ter sido tentada. Em nota oficial, afirmou: “Restou comprovado na época que a adoção desse procedimento é incompatível/inadequada ao sistema de loterias ‘on-line’ disponível nos dias atuais, lembrando que, por ser facultativo tal preenchimento, só alguns apostadores se identificavam no verso dos volantes.” Disse ainda que a medida poderia prejudicar o comércio lotérico.

           Pessoalmente, torço para que as comprovações se coadunem com a hipótese de “lavagem de dinheiro” mediante a compra de bilhetes ou volantes premiados porque a alternativa parece ainda pior: comprometeria a seriedade e abalaria a credibilidade dos sorteios lotéricos sob responsabilidade da Caixa Econômica Federal.

           O fato é que um grupo de 200 pessoas ganhou 9.095 vezes de março de 1996 a fevereiro de 2002. No mesmo período, 98,6% do total de 168.172 pessoas premiadas em todo o País e em todas as formas de loteria acertaram somente até quatro vezes. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, os casos comunicados pelo Coaf ao Ministério Público foram selecionados entre 573 suspeitas levantadas pelo setor de combate a “lavagem de dinheiro” da própria Caixa Econômica entre o início de 2000 e agosto de 2004. O Distrito Federal, embora possuidor da 20.ª população entre as unidades da Federação, lidera o “ranking” dos casos comunicados pela Caixa, isto é, 281 ocorrências. Ficou com 49% do total nacional. O Estado mais populoso - São Paulo - permaneceu muito abaixo do Distrito Federal, com 184 casos. Outro Estado populoso - Minas Gerais - teve apenas 20. Entre os suspeitos de utilizar o estratagema do bilhete premiado para a “lavagem” há políticos, policiais, empresários e comerciantes.

           Causa espanto, por exemplo, a sorte do deputado federal do Amazonas, Francisco Garcia Rodrigues, e seu filho que acertaram 43 vezes em 21 jogos diferentes entre 1996 e 2000. Receberam 811 mil reais. Outro parlamentar federal - Fernando Lúcio Giacobo, do Paraná, acertou doze vezes em oito jogos apenas entre os dias 5 e 19 de junho de 1997. Ganhou 134 mil reais. Acertou em três concursos seguidos da Mega-Sena e em dois seguidos da Quina.

           Em São Paulo, o delegado de Polícia Luiz Ozilak Nunes da Silva foi premiado dezessete vezes em concursos e tipos de jogos diferentes entre 8 de agosto e 16 de novembro de 2001. Ganhou em sete volantes da Mega-Sena, três bilhetes da Loteria Federal, dois da Esportiva, dois da Instantânea, dois da Lotomania e um da Supersena. Segundo a Folha de S. Paulo, da mesma forma que o deputado Giacobo, ele nunca havia ganho antes disso e nunca mais voltou a ganhar. Recebeu o total de 355 mil reais.

           Todavia, o caso mais impressionante é o de um comerciante de São Paulo, Amauri Gouveia, que acertou em 96 concursos da Quina, 33 da Mega-Sena, 25 da Loteria Federal e 9 da Esportiva, além de outras modalidades. Só na Raspadinha, ganhou em oito concursos. Na Quina, foram 153 volantes premiados em 96 concursos. Entre os concursos 501 e 529, deixou de acertar em apenas dois. Seus dois irmãos também figuram na lista submetida ao Coaf porque tiveram 332 e 297 premiações, respectivamente. Ao todo, a família faturou 7 milhões de reais. Os irmãos são donos de um supermercado na Vila Nova Cachoeirinha, periferia de São Paulo.

           Há outros casos estapafúrdios, como, por exemplo, o de um apostador que ganhou 19 vezes na Loteria Esportiva entre janeiro de 2000 e novembro de 2001, o que lhe rendeu 1,85 milhão de reais.

           Meus nobres pares, li na revista Rumos, editada no Rio de Janeiro pela Associação Brasileira de Instituições Financeiras de Desenvolvimento (ABDE), matéria sobre “lavagem de dinheiro” que pode ser considerada como uma das melhores já publicadas na imprensa nacional. Trata-se de entrevista concedida pela advogada Márcia Klinke, diretora de “Compliance Legal” do Unibanco, cujas atribuições incluem a gestão do Programa de Prevenção ao Crime de Lavagem de Dinheiro e Combate ao Financiamento do Terrorismo. Também coordena o Comitê de Prevenção ao Crime de Lavagem de Dinheiro e o Comitê de Diretrizes de Conduta Ética desse conglomerado financeiro e responde por sua Política de “Compliance Ambiental”. É formada pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (Universidade de São Paulo), cursou o Mestrado da Universidade de Manitoba (Winnipeg, Canadá) e é Mestre pela Universidade de Miami (EUA). Sua entrevista recebeu o título “A Florescente Economia do Mal”.

           Ressaltou a advogada que “a resposta brasileira ao problema veio com a promulgação, em 3 de março de 1998, da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei n.º 9.613), depois alterada pelas leis 10.467, de 11 de junho de 2002, e 10.701, de 9 de julho de 2003”. Ela atribui grande importância ao fato de tal legislação ter resultado ainda na criação do COAF no âmbito do Ministério da Fazenda.

           No cenário internacional - lembrou a entrevistada - a origem do combate “pode ser associada a dois marcos capitais: a Convenção de Viena, de 1988, cujo objetivo principal era controlar o tráfico ilícito de entorpecentes, e a criação, em 1989, no âmbito do G-7, a cúpula dos países ricos, do FATF/GAFI, que reúne os países de economias mais desenvolvidas do mundo. O organismo emitiu quarenta recomendações voltadas para a prevenção do crime de ‘lavagem de dinheiro’, das quais quinze são direcionadas ao sistema financeiro.”

           Frisou que, “após o 11 de setembro, o FATF emitiu oito recomendações especiais, com respeito ao combate ao financiamento do terrorismo”. Combinadas com as anteriores, “formam a estrutura básica para detectar, impedir e suprimir a ‘lavagem de dinheiro’ e o financiamento do terrorismo”. São complementadas por normas emitidas por outros órgãos de atuação internacional, como o Banco Mundial (Bird), Fundo Monetário Internacional (FMI) e Comitê da Basiléia.

           O FATF tem recomendado esforços na obtenção de informações mais acuradas sobre as atividades de entidades de caridade e certas Organizações Não-Governamentais (ONGs), no que tange à origem e destino das doações, assim como nas remessas de recursos para outros países. “Há forte preocupação, sobretudo no Exterior, de que algumas dessas entidades se tenham desviado dos objetivos e estejam sendo usadas para ‘lavar dinheiro’ de certos ‘crimes antecedentes’, em especial no tocante ao financiamento do terrorismo.”

           As atividades ilícitas que lastreiam a “lavagem de dinheiro” no Brasil estão tipificadas entre os chamados “crimes antecedentes”, quais sejam: tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; terrorismo e seu financiamento; contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua venda e produção; extorsão mediante seqüestro; crimes contra a administração pública ou contra o sistema financeiro nacional (“crimes do colarinho-branco”); delitos praticados por organização criminosa e aqueles cometidos por particular contra administração pública estrangeira.

           A Dra. Márcia Klinke enfatizou que a “lavagem de dinheiro” preocupa vários segmentos da economia porque “todo criminoso tem que camuflar a origem ilícita dos recursos provenientes dos crimes que comete. Com isso, ele está sempre disposto a realizar uma multiplicidade de operações, com o intuito de distanciar os recursos de sua origem ilícita e confundir o seu rastreamento, tentando se utilizar, para isso, do mercado financeiro, segmento imobiliário, ramo de antiguidades e pedras preciosas, dentre outros.”

           Como diz ela, é extremamente difícil determinar toda a dimensão dos recursos envolvidos na “lavagem” internacional. Existem apenas estimativas, mesmo porque as denúncias baseiam-se comumente em indícios e não em provas. Em alguns países, sequer se podem estabelecer uma estimativa de incidência, devido ao pequeno volume de casos que chega ao estágio de julgamento final da ação penal.

           A advogada reportou-se aos “crimes antecedentes” com os quais o Brasil se tem defrontado, especialmente a corrupção passiva, o narcotráfico e o crime organizado. Disse que o Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central do Brasil (Sinal) listou vários escândalos em curso no País, com destaque para o “caso Maluf”, o “Propinoduto” e as contas CC-5 do Banestado. A esses, pode-se acrescentar o que foi descoberto pelas operações Anaconda, Gafanhoto e Vampiro, entre outras realizadas pela Polícia Federal.

           Ela acredita que, como as remessas de dólares via contas CC-5 passaram a ser registradas no Banco Central, “pessoas intencionadas em camuflar recursos remetidos para o Exterior ou retornados ao Brasil irão utilizar ‘outros meios’, que não demandem tal registro, visando alcançar o seu propósito.”

           “A prática desses crimes não cessará, se a impunidade, a miséria, a ganância financeira, o descaso social, o mau exemplo de certos governantes e a cultura do ‘jeitinho’ persistirem como atitudes aceitáveis” - conforme a entrevistada.

           A matéria complementa tal pensamento da seguinte forma:

           “Quando recursos públicos são desviados por políticos e servidores públicos e remetidos para contas no Exterior, ou para a aquisição de bens de luxo ou consumo pessoal, crianças carentes são privadas de merenda escolar e a população, em geral, persiste sem um sistema eficaz de saúde pública, educação, estradas adequadas e uma série de outros serviços e infra-estruturas vitais para a sociedade. Ou seja: atividades ilícitas minam o desenvolvimento econômico e social de uma nação. Além disso, quando a ‘pirataria’ floresce sem punição, a concorrência desleal ameaça colocar bons empresário fora do mercado, desestimulando-os de novos negócios. Esse ambiente permeado por ilícitos também desestimula o investimento estrangeiro de longo prazo, pois empresários de boa fé não querem se estabelecer num país que não zela por sua estrutura institucional e por diretrizes de conduta ética.”

           A Dra. Márcia insiste em recordar que a corrupção endêmica e a infiltração, assim como a influência de criminosos no âmbito dos órgãos destinados a zelar pela sociedade, “desestimulam a produtividade, prejudicam o desenvolvimento sustentado, reduzem ou até inviabilizam o investimento estrangeiro, podendo culminar na desestabilização econômica, social, institucional e política de um país, chegando até mesmo ao caso extremo de levar à substituição do Estado de direito pelo Estado delinquencial.”

            “O capital estrangeiro perde o interesse de criar raízes no país. Só haverá ingresso de capital especulativo, que não produz desenvolvimento econômico e social. Dessa forma, o desequilíbrio será constante e crescente, causando defasagem cada vez maior entre as empresas honestas e as sustentadas por capital ilícito, estas sempre dispostas a pagar um ágio para ‘lavar’ os recursos, o que encarecerá para as demais empresas o custo de fazer negócios”.

           “Em tal contexto - prossegue a especialista -, a atuação do crime organizado também pode florescer na economia informal, tendo em vista a ausência de supervisão regulatória, de exigência de cadastros de clientes, de registro de operações.” Ensina ela que o remédio está na “adoção de controles internos adequados de prevenção à ‘lavagem de dinheiro’ por todos os segmentos de mercado passíveis de serem utilizados para essa prática, e pelo aparelhamento dos órgãos reguladores, supervisores, de investigação e dos de julgamento de ações penais.”

           Informa ainda a matéria que o governo brasileiro prepara mudanças na lei e na atuação integrada de seus órgãos para combater a “lavagem”. Essa atuação já está em curso, depois da formação do Gabinete de Gestão Integrada (GGI) com membros do Executivo, Judiciário e Ministério Público, no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro (Encla 2004), sob coordenação do Ministério da Justiça.

           Outro grave aspecto da questão apontado pela Dra. Márcia diz respeito aos chamados “paraísos fiscais”. Eles atraem os fraudadores, “não pela vantagem fiscal oferecida, mas por contarem com regras atraentes de sigilo bancário, reduzida supervisão bancária, ausência de fiscalização de empresas ‘offshore’ e permissão para constituição de certos tipos de estruturas jurídicas societárias-empresariais. Isso torna difícil a identificação dos reais proprietários e beneficiários de ‘offshores’, fundos, ‘fundations’ , ‘trusts’ etc. Há também ‘paraísos jurídicos’, países que não cumprem a execução de cartas rogatórias, impedindo o envio de informações relevantes para subsidiar processos; que não se interessam por assinar ou ratificar acordos bilaterais e multilaterais facilitadores do compartilhamento de informações relevantes; e os que não se dispõem a assinar ou ratificar tratados de extradição. Tais atitudes ou omissões acabam protegendo pessoas de má fé.”

           A própria globalização também pode facilitar a remessa de recursos para outro continente, ocultando o “crime antecedente” que os originou. Além disso, os esquemas de “lavagem” foram se sofisticando com os avanços tecnológicos como a Internet, que permite acesso rápido, de qualquer ponto do mundo, a produtos e serviços passíveis de uso indébito por pessoas de má fé.

           A exposição de instituições financeiras aos riscos decorrentes da “lavagem de dinheiro” ocorre, geralmente, diante da ausência de controles de prevenção internos. O risco legal, por exemplo, representa o não cumprimento da legislação ou regulamentação aplicável.

           Ainda mais importante que isso, de acordo com a especialista, é o risco de imagem ou “risco reputacional”. Refere-se a eventual publicidade negativa envolvendo o nome do banco num esquema de “lavagem de dinheiro”. A gestão de tal risco é feita através do Programa de Prevenção à Lavagem de Dinheiro. Sem esse programa, “a exposição da instituição financeira a riscos pode causar impactos adversos. Incluem-se entre esses impactos os de ordem legal, as despesas judiciais, as sanções administrativas (advertência, multa pecuniária, inabilitação temporária e cassação da autorização para funcionar), as sanções penais (reclusão de três a dez anos e multa), o confisco de ativos, a redução da base de clientes e da receita, a emissão de opinião desfavorável por analistas de mercado e o rebaixamento do ‘ranking’ por agências nacionais e internacionais.

           “A adoção do programa por uma instituição financeira - frisa a Dra. Márcia - reflete boa gestão do risco ‘reputacional’, como também o cumprimento do seu papel social, que é combater a prática de crimes.”

           Paralelamente ao que disse a entrevistada, dou-lhes um exemplo concreto e recente desse risco. No mês passado, a FSA, que é a autoridade financeira do Japão, determinou a suspensão de parte das operações bancárias do Citibank naquele país para investigar possíveis casos de “lavagem de dinheiro” envolvendo essa respeitável instituição financeira. Foram paralisadas as agências de “private banking”, isto é, destinadas a clientes de alta renda, nas cidades de Osaka, Nagoya, Fukuoka, e Marunoich a partir de 29 de setembro. Conforme a determinação da FSA, as licenças dessas agências serão cassadas no mesmo dia do próximo ano para que, até lá, o banco tenha o tempo necessário ao encerramento das operações. É fácil imaginar o que representa esse tipo de notícia, ainda mais por se tratar de um banco do Citigroup, o maior grupo financeiro do mundo. Aliás, seus dirigentes pediram desculpas publicamente e disseram aceitar a decisão das autoridades japonesas.

           Mas, voltemos à publicação feita pela revista Rumos. A matéria termina por acentuar que o Banco Central consegue identificar todos os registro de ingressos e saídas de recursos do País, no âmbito do sistema financeiro. No entanto, os criminosos criam uma rede de distribuição do dinheiro sujo praticamente à margem do sistema financeiro e, “no final das contas, pouco se pode fazer para barrar as operações”. Dados do Departamento de Combate a Ilícitos Cambiais e Financeiros (Decif) mostram que, das quase 14 mil denúncias de operações suspeitas recebidas pelo Bacen, 566 foram encaminhadas ao Ministério Público para abertura de processo. E a revista ressalta: “entre esses investigados há, pelo menos, uma centena de juízes, desembargadores, fiscais de renda e policiais.”

           A gravidade de tudo o que acabo de expor evidencia a necessidade de reconstituirmos a confiança na CPMI do Banestado como a melhor arma ao dispor desta Casa, no momento, para ajudar o País a enfrentar a “lavagem de dinheiro”. Envidemos esforços para que sua estrutura seja preservada e seus objetivos permaneçam intactos mesmo diante de interesses espúrios, atrelados ou não a alguma exploração política, pois há notícias até de tentativas de extorsão e concussão em seu nome. Fortalecer essa CPMI significa preservar o instituto da investigação parlamentar garantido constitucionalmente. E o Brasil precisa disso.

           Além do mais, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, creio que possamos dar nova e urgente contribuição para demolir a “lavanderia” implantada no País, pelo menos na parte relativa aos crimes precedentes praticados contra a administração pública. Refiro-me à corrupção, responsável por prejuízos anuais entre 5 e 12 bilhões de dólares, conforme as estimativas da ONU reproduzidas no início deste pronunciamento.

           As leis complementares n.º 104 e 105, ambas de 10 de janeiro de 2001, trouxeram significativo respaldo à coleta de provas no âmbito disciplinar do serviço público. Todavia, existem ainda situações pendentes do devido tratamento legal, como, por exemplo, a prova obtida mediante interceptação telefônica nos termos da Lei n.º 9.296, de 1996. Aliás, essa questão está à espera de julgamento no colendo Supremo Tribunal Federal.

           Assim, estou propondo, para reforçar a coleta de provas no processo administrativo disciplinar, a inserção de parágrafo único no artigo 155 da Lei n.º 8.112, de 1990, que trata do Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, Autarquias e Fundações Públicas Federais, com a seguinte redação:

           Parágrafo único - Nas transgressões disciplinares punidas com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, destituição de cargo em comissão e destituição de função comissionada (artigo 127, incisos III, IV, V e VI), o presidente da Comissão, para instruir o processo disciplinar, poderá solicitar ao magistrado competente para o correspondente processo criminal cópias autênticas de depoimentos, acareações, investigações, laudos periciais e demais diligências investigatórias.

           Espero que o meu projeto receba todo o apoio e atenção merecidos pelas iniciativas destinadas a ferir de morte a “lavagem de dinheiro”, um tipo de crime tão hediondo quanto os já definidos como tal.

           Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ROMEU TUMA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º do Regimento Interno.)

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            Matéria referida:

            “Kroll usou ex-executivo para investigar empresas e governo”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/10/2004 - Página 33256