Discurso durante a 150ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários a declarações do Presidente da República a respeito do Fórum Social Mundial. (como Líder)

Autor
Roberto Saturnino (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Roberto Saturnino Braga
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Comentários a declarações do Presidente da República a respeito do Fórum Social Mundial. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 29/10/2004 - Página 33356
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • DISCORDANCIA, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFERENCIA, ENCONTRO, AMBITO INTERNACIONAL, DEBATE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, REIVINDICAÇÃO, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, BENEFICIO, POPULAÇÃO, MUNDO, CRITICA, ALEGAÇÕES, EXCESSO, DISCUSSÃO, IDEOLOGIA.
  • CONTESTAÇÃO, TENTATIVA, REDUÇÃO, DEBATE, OPOSIÇÃO, IDEOLOGIA, LIBERALISMO, BUSCA, ALTERNATIVA, MUNDO, AUSENCIA, VINCULAÇÃO, POLITICA PARTIDARIA, FORMAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA.
  • APOIO, PROPOSTA, TRIBUTAÇÃO, MOVIMENTAÇÃO, OPERAÇÃO FINANCEIRA, MUNDO, OBJETIVO, CRIAÇÃO, FUNDO ESPECIAL, DESENVOLVIMENTO, TERCEIRO MUNDO.

O SR. ROBERTO SATURNINO (Bloco/PT - RJ. Pela Liderança do PT. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há poucos dias, acho que anteontem, o Presidente Lula fez uma observação a respeito do Fórum Social Mundial, da qual eu me permito discordar. Vou brevemente dizer porquê.

Sua Excelência se referiu ao Fórum Social Mundial pedindo, fazendo um apelo para que as discussões se concentrassem em dois ou três temas e que essa focalização pudesse resultar medidas concretas, efetivas, por parte da comunidade de países do mundo.

Na verdade, ele usou até uma expressão: “para que o fórum não se transforme numa feira ideológica, um feira de propostas ideológicas que não tenha nenhuma conseqüência”. Na verdade, o Fórum Social Mundial não é uma instituição criada para produzir fatos políticos, medidas políticas, para produzir resultados concretos e imediatos, frutos do exercício do poder. A expressão usada pelo Presidente não é adequada - falo na possibilidade de se transformar numa feira ideológica. O Fórum Social Mundial repudia exatamente todo esse ideário que transforma tudo em mercadoria capaz de ser comprada e vendida numa feira.

O Fórum Social Mundial foi criado para produzir opinião pública, para produzir reverberação de opinião pública contra o neoliberalismo, que é exatamente a ideologia de que tudo se compra e vende no mercado. O liberalismo quer transformar toda a ação das comunidades humanas em ações de compra e venda em um mercado. E até as obrigações do Estado, os deveres do Estado de natureza pública tendem a ser pela ideologia neoliberal, privatizados e colocados como ações de compra e venda de serviços no mercado.

Então, a expressão “feira”, no caso do fórum, adquire uma conotação depreciativa que não é adequada nem ao fórum tampouco ao Presidente Lula, que a usou de improviso de forma pouco adequada.

Na verdade, fórum é como se denomina. É um fórum de discussão e debate para produzir amplificação da opinião pública em todo o mundo contrária ao neoliberalismo, promulgando a idéia de que é possível um mundo diferente. O lema do fórum é exatamente de um mundo diferente: “Um outro mundo é possível!”. Há ainda valores que têm sido muito caros à humanidade durante toda sua existência e que não podem ser deteriorados a ponto de se transformarem em mercadoria susceptível de compra e venda. Esses valores devem ser cultivados.

A idéia do fórum é reunir pessoas das mais diferentes profissões e ocupações e até mesmo idéias, desde que sejam pessoas que não concordam com o ideário neoliberal de que tudo pode ser comprado, vendido e que o Estado deve recuar, diminuir-se ao mínimo possível, deixando que o mercado faça a gestão dos interesses públicos de modo geral.

O fórum tem que ser uma organização eminentemente plural. O fórum não produz consensos, unidades de resoluções que tenham aprovação do consenso ou da maioria. O fórum evita exatamente produzir resoluções, porque quer ser, antes de tudo, sobretudo e quase que unicamente, um fórum onde são apresentadas sugestões, idéias e críticas a respeito do neoliberalismo e das possibilidades de sua superação para um mundo melhor, um mundo que é possível desde que haja mudanças fundamentais na economia e na estruturação das sociedades, nos próprios sistemas políticos.

Tudo isso é amplamente discutido, mas sem a preocupação de formar consenso. Reúne personalidades do mundo inteiro, nomes de grande importância e que são respeitados em qualquer país do mundo, figuras que estiveram ou vão a Porto Alegre exatamente para participarem desse esforço de formação de opinião pública mundial contra o neoliberalismo.

O fórum tem produzido alguns poucos consensos. Um deles, por exemplo, é o consenso a favor da criação da chamada taxa Tobin, uma taxa que se aplique à movimentação financeira em todo o mundo, coisa de trilhões de dólares por dia. Uma taxa mínima sobre essa movimentação constituiria um grande e poderoso fundo, para impulsionar o desenvolvimento dos países mais retardatários, aqueles que estão precisando desses recursos para eliminar a fome e melhorar a qualidade de vida de suas populações extremamente pobres, para que produzam riqueza e desenvolvimento.

O fórum existe exatamente para isto, ou seja, não existe para focalizar duas ou três questões que estejam na pauta das reivindicações dos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, para poder levar isso aos governos dos países mais avançados, mais poderosos.

O fórum não tem a preocupação nem a menor intenção de constituir-se em governo em qualquer país do mundo. “O fórum mundial assumiu um partido ligado ao fórum mundial”; “o fórum mundial assumiu o governo no país tal”. Isso não existe.

O PT, por exemplo, sempre teve papel importante na criação do fórum, esteve sempre presente. Desde os primeiros conclaves, o PT foi um dos partidos importantes presentes no fórum. Entretanto, o fórum não pode ter ligação nem com o PT, nem com partido nenhum. Não pode ter ligação, não pode ter nenhuma pretensão de influir sobre o Governo do Presidente Lula, que é do PT, para que tome resoluções “a”, “b” ou “c” tiradas pelo fórum. Isso não existe!

De forma que a expressão usada pelo Presidente, a própria idéia que lhe aflorou a mente, qual seja, a de que o fórum deveria ter mais objetividade para que produzisse efeitos concretos não corresponde à idéia, à concepção do fórum desde a sua criação, desde as primeiras reuniões, onde entidades brasileiras, e francesas principalmente, tiveram muito presentes e com muita força de expressão. Desde o início da criação do fórum, sempre houve a preocupação de manter a pluralidade, manter sobretudo a pluralidade, e só ter como exigência de associação, de comparecimento, de filiação, o propósito de combater o neoliberalismo, o propósito de fazer com que a opinião contrária ao neoliberalismo cresça no mundo, se multiplique, enfrentando todo o poderio da mídia, dos meios de comunicação que estão a serviço dos interesses capitalistas que constituem, enfim, a espinha dorsal do neoliberalismo.

A idéia é enfrentar todo poderio da mídia pela amplificação, reverberação da opinião pública e daquelas entidades que são capazes de exercer influência sobre ela, de modo a levar sucessivamente a etapas de superação deste pensamento único que hoje em dia é veiculado por todos os meios de comunicação no Brasil e praticamente no mundo inteiro, exceto o mundo mulçumano, qual seja, a de que não há outra solução, não há outro caminho senão seguir as recomendações, seguir a cartilha, seguir o catecismo do neoliberalismo e produzir o que está sendo realizado, por exemplo, no Brasil, que é a marginalização crescente de contingentes imensos da nossa população que já não têm mais o que fazer.

É preciso que o Presidente Lula compreenda que o fórum é eminentemente plural, não tem, não pode e não deve ter, pela sua própria concepção uma atuação focalizada em determinados temas para produzir efeitos. O fórum não tem a preocupação pragmática de produzir efeitos. Essa é uma preocupação de governos constituídos e não de um grande fórum de debates como é aquele que vai, mais uma vez, se realizar em Porto Alegre, em janeiro próximo.

Eram essas as considerações que eu queria fazer, com todo respeito, em relação ao que disse o Presidente Lula, que esteve presente na última reunião e, acredito, que também esteve na primeira. Participei das três reuniões realizadas em Porto Alegre e pelo menos na derradeira assisti à intervenção do Presidente Lula. Parece-me que Sua Excelência também esteve presente nas reuniões anteriores.

O Presidente Lula tem consciência da natureza deste fórum que considero importante preservar, porque pretender-se estabelecer consensos para deliberar a respeito de soluções e resoluções práticas certamente decretará o fim, a derrocada de uma instituição que é eminente plural, criada para debater e receber idéias e para multiplicar, enriquecer e amplificar idéias, sugestões e observações colhidas ao longo da realização dos debates vindas dos representantes dos países ali presentes.

O fórum tem reunido pessoas da estatura de Noam Chomsky, Jean Ziegler, Tariq Ali, Carlos Baraibar, Eduardo Galeano, Leonardo Boff, Frei Betto, Augusto Boal, Samir Amin, Bernard Cassin, Ignácio Ramonet, Boaventura de Sousa Santos e Arundhati Roy, escritora indiana; enfim, uma lista imensa de pessoas que não são ligadas diretamente ao mundo político, mas que refletem sobre a natureza das coisas que acontecem no mundo político globalizado de hoje e estão percebendo que os valores humanísticos que sempre constituíram a finalidade da ação política, a finalidade da existência de governos que administram comunidades, esses valores estão cedendo terreno para o mercantilismo, os valores daquela instituição chamada mercado ou feira - como disse o Presidente, de maneira infeliz, onde tudo se compra e tudo se vende, dependendo do preço.

É precisamente esse o espírito do Fórum Social Mundial que quer combater, pela formação de opinião, pela amplificação e pela reverberação da opinião contrária essa tendência que vem infelicitando o mundo a partir dos anos 80 do século passado e que, a nosso ver, começa a encontrar seu ponto de inflexão e a ganhar uma nova tendência que vai crescendo no sentido de buscar outro mundo que é possível, apesar de a imprensa e a mídia dizerem que não. A certeza, a convicção de que esse mundo é possível é o que predomina e o que reúne aquelas pessoas em um grande fórum para discutir essa possibilidade e os caminhos que podem levar até ela, mas sem nenhuma preocupação de se constituir em poder, em Estado e em Governo para tomar medidas concretas que resultem, enfim, na implementação desse novo mundo, que é possível.

Eram essas as observações que eu queria fazer.

Sr. Presidente, agradeço a atenção da Casa.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/10/2004 - Página 33356