Discurso durante a 150ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Relato do jornalista Mário Quevedo Neto dos 35 dias vividos na Casa do Albergado de Vilhena, em Rondônia.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Relato do jornalista Mário Quevedo Neto dos 35 dias vividos na Casa do Albergado de Vilhena, em Rondônia.
Publicação
Publicação no DSF de 29/10/2004 - Página 33557
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, LEITURA, TRECHO, RELATORIO, AUTORIA, JORNALISTA, EXPERIENCIA, CUMPRIMENTO, PENA, REGIME ABERTO, SISTEMA PENITENCIARIO, MUNICIPIO, VILHENA (RO), ESTADO DE RONDONIA (RO), CONCLUSÃO, AUSENCIA, RECUPERAÇÃO, INTEGRAÇÃO, PRESO, INCENTIVO, CRIME, REVOLTA, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, COBRANÇA, RESPEITO, LEI DE EXECUÇÃO PENAL.
  • SOLICITAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO, GOVERNADOR, ESTADO DE RONDONIA (RO), INVESTIGAÇÃO, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, ABUSO DE PODER, DIREÇÃO, ESTABELECIMENTO PENAL.

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: trago a esta tribuna latente e comovente depoimento de um jornalista de Rondônia. É o relato de 35 dias vividos na Casa do Albergado de Vilhena, região Sul de meu Estado.

Mário Quevedo Neto, combativo jornalista de 39 anos, sentencia ao final do relatório de seis páginas a mim encaminhado com o fim de dar eco a seu sofrimento:

Posso afirmar, com experiência própria, que não é exagero referir-se ao Sistema Penal Brasileiro utilizando a pecha de falido e incapaz de recuperar um indivíduo que cometeu algum tipo de infração ao convívio social. Se o local que conheci, que é uma espécie de último teste para confirmar se o apenado está preparado para o reingresso na sociedade, funciona da forma que testemunhei, posso garantir que o sistema só cria ódio, ressentimento e revolta com aqueles que tem o azar de ser tragados por ele. Com certeza, não sou o mesmo homem que era há menos de dois meses. Mudei para pior, cortesia do Poder Público do Estado de Rondônia.

Srªs e Srs. Senadores, esse forte testemunho é de um cidadão que admitiu publicamente seu erro, originado por sua atividade profissional, e perante a Justiça quis prontamente repará-lo. Por isso decidiu não recorrer a outras instâncias legais, dando por encerrado o processo com a confirmação de sentença em segunda instância no ano de 2003.

Mário cometeu o crime de injúria, admitiu publicamente o erro - comportamento aliás raro no meio jornalístico - e se preparou para, conforme diz, “pagar sua dívida para com a sociedade, de forma digna, legal e serena”. 

Não foi o que aconteceu, Srªs e Srs. Senadores, sua consciência e disposição para pagar o erro transformaram-se em dor e revolta. Dor e revolta causadas pelas injustiças e ilegalidades encontradas na Casa do Albergado de Vilhena, para onde foi encaminhado o jornalista a fim de cumprir sua pena em regime aberto.

Esse, Srªs e Srs. Senadores, é o propósito de relatar as iniqüidades vividas pelo cidadão Mário Quevedo: dar divulgação às irregularidades encontradas naquele estabelecimento penitenciário, e cobrar solução das autoridades competentes para que a Lei de Execução Penal seja de fato cumprida em Vilhena.

Essas irregularidades, repito, foram relatadas pelo companheiro que no último mês de setembro, ao deixar a Casa do Albergado, tratou de, com a única arma de que dispõe, a escrita, denunciar a todas as instituições públicas, parlamentares e imprensa alternativa as violações das quais foi vítima.

“Violações morais, psicológicas e legais de uma forma nunca ocorrida antes na minha vida”, conta Mário nos trechos iniciais de seu libelo contra a injustiça. Violações legais especialmente descortinadas em oito dos 35 dias, para as quais Mário exige punição aos infratores.

Srªs e Srs. Senadores, a Casa do Albergado é um espaço destinado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime aberto, e da pena de limitação de fim de semana. É o que diz a Lei de Execução Penal - Lei nº 7.210, de 11 de julho de 2004. Não é espaço, Srªs e Srs. Senadores, para abrigar homicidas condenados.

Não é espaço, Srªs e Srs. Senadores, que deva ser circundado por cerca elétrica e grades. O que diz a Lei de Execução Penal a este respeito? Sobre o estabelecimento Casa do Albergado o artigo 94 é claríssimo: “Deverá situar-se em centro urbano, separado dos demais estabelecimentos, e caracterizar-se pela ausência de obstáculos físicos contra a fuga”. Repito: pela ausência de obstáculos físicos.

Mário Quevedo não é e nunca foi bandido perigoso, mas foi tratado como tal. Testemunhou arbitrariedades contra outros apenados, tratamento desigual, tudo partindo da direção da instituição. A maioria dos funcionários, é bom registrar, o tratou com respeito e consideração. 

Mário nunca recebeu da direção orientação e informação sobre as normas internas, de conduta e direitos que lhes são devidos. É mais uma infração a artigo da Lei de Execução Penal, o 46, que determina: “O condenado ou denunciado, no início da execução da pena ou da prisão, será cientificado das normas disciplinares”.

Ele denuncia que a diretora é pessoa inabilitada para exercer o cargo que ocupa, já que não possui curso superior nas áreas de Direito, Psicologia, Pedagogia ou Ciências Sociais conforme exige a lei citada.

Denuncia a falta de controle e equilíbrio emocional por parte da direção, que em público agride e humilha apenados, e demonstra excessivo apego ao cargo tratando o patrimônio público como se fosse seu.

Também foi verificado pelo jornalista a presença de homens e mulheres cumprindo pena num local inadequado, o que, em verdadeiro, possibilita elevar o foco de tensão num ambiente conflituoso, desorganizado e precário.

Uma das precariedades apontadas no relatório foi a falta de água no estabelecimento. Entre os dias 7 e 22 de setembro a Casa do Albergado foi parcialmente atendida por caminhão-pipa, e entre os dias 17 e 19 os apenados foram “trancafiados de forma ilegal entre 19h30 e 6 horas, sem água para beber”. 

Está no documento, Srªs e Srs. Senadores, documento que, repito, foi enviado por Mário Quevedo a autoridades do Ministério Público de Rondônia, Governo do Estado e Poder Judiciário. Documento que ao mesmo tempo denuncia a omissão do Executivo Estadual, do Ministério Público e Vara de Execuções Penais.

A Lei de Execução Penal, Srªs e Srs. Senadores, vigora desde 1984 e seu objetivo expressa a vontade do legislador de fazer cumprir direitos humanos, direitos nas cadeias públicas brasileiras, nas penitenciárias, fracamente observados e cumpridos.

Qual seria então o objetivo da Lei de Execução Penal? Aqui está, em seu primeiro artigo: "Efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado".

Chamo a atenção para a última frase: proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Para que isso ocorra, Srªs e Srs. Senadores, é mister cumprir o art. 11º da Lei de Execução Penal - oferecer assistência material, jurídica, à saúde e à educação ao preso ou ao interno que está sob a custódia do Estado.

Srªs e Srs. Senadores, quero encerrar o relato das circunstâncias vividas pelo combativo jornalista Mário Quevedo fazendo um apelo humano, um apelo de coração ao Exmº Governador de Rondônia, Ivo Cassol. 

Ele, que agruras passou com rebelião trágica no presídio Urso Branco, um teste de paciência e lucidez para qualquer governante, terá, acredito, sensibilidade suficiente para mandar averiguar as irregularidades e atitudes da direção da Casa do Albergado de Vilhena.

É preciso, Sr. Governador, inspecionar o que acontece no estabelecimento penal que motiva este discurso. Missão que cabe ao Conselho Penitenciário, de acordo com o artigo 69 da Lei de Execução Penal. Que cabe também ao Ministério Público e à Vara de Execuções Penais, a quem destino o mesmo apelo, com a esperança de ver acolhidas as denúncias de abuso de poder feitas pelo jornalista Mário Quevedo.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/10/2004 - Página 33557