Discurso durante a 145ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Consternação pela utilização indevida de recursos destinados aos programas governamentais de assistência social.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Consternação pela utilização indevida de recursos destinados aos programas governamentais de assistência social.
Publicação
Publicação no DSF de 23/10/2004 - Página 33030
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, PROGRAMA, TELEVISÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DENUNCIA, DESVIO, RECURSOS, GOVERNO FEDERAL, COMBATE, FOME, CRITICA, INEFICACIA, CADASTRAMENTO, POPULAÇÃO.
  • CRITICA, DESCUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, UNIFICAÇÃO, REGISTRO CIVIL, IDENTIFICAÇÃO, CIDADÃO, UNANIMIDADE, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, SENADO, SANÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • ANALISE, NECESSIDADE, IMPLANTAÇÃO, UNIFICAÇÃO, REGISTRO CIVIL, BENEFICIO, REDUÇÃO, FRAUDE, DOCUMENTO, COMBATE, CRIME ORGANIZADO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Com revisão do orador.) - Agradeço a gentileza de V. Exª. O carinho e a amizade que nos une levam a esses exageros de linguagem.

Senhoras e senhores, os equívocos e o descuido histórico na aplicação dos programas sociais no Brasil voltaram a freqüentar o nosso noticiário. O programa Fantástico, da TV Globo, anunciou, através de uma reportagem contundente, os desvios nas distribuições dos cartões de benefícios da população carente, especialmente o bolsa-família e o bolsa-escola, pilares do Programa Fome Zero.

Cadastros mal feitos e, muitas vezes, orientados unicamente do ponto de vista eleitoral, produzem situações de injustiça e desperdício do dinheiro público - o que é uma grande verdade. Enquanto algumas famílias, realmente necessitadas, não conseguem receber os parcos recursos disponíveis, mesmo com espera de três ou dois anos na fila, pessoas da classe média, com empregos e cargos públicos e de condições economicamente razoáveis, usufruem ilegalmente dos benefícios.

Cadastros ineficazes não constituem novidade. Há muito tempo essa situação persiste, resistindo ao longo do tempo e atravessando diferentes governos e diferentes políticas sociais.

Sabe-se que o Ministro do Desenvolvimento e Combate à Fome, Patrus Ananias, - homem de fé, homem digno, homem sério, homem honrado, um esforçado militante das causas sociais - vem tentando aperfeiçoar esse sistema, unificando os diferentes cadastros de beneficiários dos programas sociais do Governo.

No entanto, tamanho esforço sempre terá um resultado insuficiente na medida em que o perfil detalhado das famílias potencialmente beneficiárias, depende de um universo estatístico mais amplo, ou seja, depende do Censo do IBGE.*

Nesse quadro, receio ser uma repetição do nosso bravo Senador Suplicy na repetição, repetição, repetição do seu projeto que faz com bravura e dignidade na defesa. Volto a falar da lei do registro civil único, lei não é projeto, lei aprovada pela unanimidade do Senado, aprovada pela unanimidade da Câmara, sancionada pelo Presidente da República e lei que até hoje não se cumpre. Essa lei determinaria que todos os brasileiros passariam a ter apenas um documento de identidade. *Essa medida, uma vez aplicada, além de facilitar a vida do cidadão, poderá corrigir as distorções dos cadastros oficiais - sejam para fins de adequação de programas sociais ou, ainda, para dificultar a prática de crimes que utilizam documentos e identidade falsas: falso passaporte, falsa carteira de identidade, falso documento de automóvel, falsas certidões de propriedade pública.

A Lei do Registro Civil Único, de número 9.454, de 7 de abril de 1997, ainda precisa ser regulamentada, tarefa que ficou a cargo do Governo Federal, por meio do Ministério da Justiça. Desde que aprovada no Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, venho acompanhando e apelando ao Executivo.*

O Ministério da Justiça, aprovada a Lei, no ano de 1998, designou uma comissão de técnicos especializados para fazer a regulamentação. A equipe do meu gabinete, que tratou do projeto de lei, ajudou na regulamentação. Aprovada a regulamentação no Ministério da Justiça, Sua Excelência o Senhor Ministro teve a gentileza de me convidar para uma reunião de trabalho em cima do projeto. Foi levantada a dúvida de que a maneira que a regulamentação estava sendo feita dava prioridade absoluta a uma empresa alemã, que ganharia todas as concorrências e seria a única fornecedora de milhões e milhões de carteiras que seriam feitas. A dúvida era forte, a suspeita era grave, parece que se concluiu afirmativo. O Ministro ficou tão irritado que dissolveu a Comissão. E o problema é que, de lá para cá, não aconteceu mais nada. Desde então, o País já teve dez diferentes Ministros da Justiça no Governo Federal, e nenhum passo conseqüente no sentido de regulamentar a Lei do Registro Único foi dado. É uma lei, dá-se o prazo de seis meses para ser regulamentada e, de 1997 até hoje, não foi regulamentada.

A lei dava o prazo de cinco anos e, nesse prazo, todas as pessoas se adaptariam à lei. Todos nós, nesses cinco anos, ao renovar a carteira de motorista, ao renovar nosso talão de cheque, ao fazermos qualquer documento, adaptar-nos-ia à lei. E, passados os cinco anos, os documentos atuais não teriam valor. Na véspera de completar os cinco anos, entrei com um projeto de lei prorrogando por mais cinco anos, para que não deixassem invalidados todos os documentos de toda a sociedade brasileira. Não sei se será necessário ampliar para mais cinco anos.

A verdade é que, nunca como agora, se considera tão oportuna a adoção do Registro Único quando estamos vendo que, de um lado, os cadastros são ineficazes e causadores de distorções e situações de profunda injustiça; e de outro, a imensa facilidade com que no País o crime - organizado em quadrilhas - manipula e falsifica documentos: identidade, CPFs, cartões de créditos e outros tantos.

Lembro sempre o exemplo do assassino de Chico Mendes, Darci Alves Pereira, que fugiu da cadeia do Acre e foi descoberto anos depois morando no Paraná, com a carteira de identidade falsa, com outro CPF, com outro nome, com outra situação, recebendo normalmente empréstimos do Banco do Brasil e trabalhando normalmente, embora condenado a 17 anos e fugido da cadeia do Acre.

Esse é apenas um exemplo da desorganização da realidade que estamos vivendo, e isso me assusta. Estamos verificando que se pretende fazer vários registros, cada um específico para determinada coisa. A Previdência Social quer criar uma nova regulamentação, pois desconfia que milhares que morreram e estão recebendo. Então, o Ministério da Previdência está fazendo um novo cadastro, alterando milhões de carteiras da Previdência Social. O Ministério da Educação está fazendo um novo cadastro. O Ministro Patrus Ananias está fazendo um novo cadastro. Assim, vamos ter cinco, seis tipos de cadastros especiais, e cada um de nós vai ter que ir a seis lugares diferentes para renovar os seus papéis.

Sr. Presidente, o que é que a lei diz? A lei é muito singela. Em vez de termos 23 documentos com 23 números diferentes, sem contar que pode ser muito mais, pois posso três, quatro, cinco contas no Banco do Brasil, cada uma com um número diferente, mais meia dúzia de contas no Bradesco com números diferentes, posso ter quatro, cinco carros com números diferentes de certidão. A lei diz que o cidadão, quando nasce, ganha um registro com o Estado (RS - Rio Grande do Sul), a cidade (PA - Porto Alegre) e um número. Este é o número da sua certidão de nascimento, da sua certidão de batismo, de onde ele vai matricular-se no grupo escolar, do certificado militar, da carteira de motorista, da conta bancária, enfim, o número o acompanhará até a certidão de óbito.

Então, aquele cidadão tem aquele número, e damos um prazo de cinco anos para que cada um de nós se adapte. Tenho cinco anos para atualizar os meus documentos, ou seja, dentre os vários números que tenho hoje, tenho que pegar um oficial, registrar-me e adaptar-me a ele.

O Brasil é campeão mundial em passaporte falso. Os passaportes falsos mais procurados internacionalmente são os brasileiros, porque são os mais fáceis de serem adquiridos. Se há um número determinado, não existe passaporte falso, pois ele só pode ser dado com aquele número. Não há conta fantasma, como a Casa da Dinda, que cassou o mandato do Presidente da República, porque as contas bancárias precisam ser no número dele. Ele pode ter várias contas, mas todas no nome e no número dele.

Uma pessoa não pode passar com um caminhão roubado e com uma carteira de motorista falsa, indo para o Paraguai - e são dezenas semanalmente, centenas mensalmente -, porque, na hora em que ele for passar pela ponte, o motorista pega o seu documento e verifica no computador se a carteira, o nome e a placa do carro são verdadeiros. Desaparecerão as contas fantasmas, os caixas dois. Começaremos a moralizar este País.

Juro que não sei por que não querem pôr em prática esse projeto. Na nossa CPI, a do Banestado, há milhares e milhares de contas fantasmas, milhares de laranjas com nomes diferentes que estamos verificando. No entanto, não se aprova esse projeto. Esse é um projeto singelo: um cidadão é ele e seu número. Pode até ter o mesmo nome. Conheço vários Pedros Simons, mas o meu número só eu possuo. Por que não adotá-lo? O que está atrás disso?

            Não estamos falando de falsários, mas de verdadeiras quadrilhas organizadas em torno do crime, do tóxico, da droga, do assalto, do seqüestro. Quando alguém consegue chegar ao local do comando de uma quadrilha, a primeira coisa que faz é apreender 50 ou 60 carteiras de identidade falsas, 60 ou 70 passaportes falsos. Há uma série de documentos ali, carteiras de motorista e de identidade, tudo preparado para que a quadrilha possa agir livre e abertamente.

Nesse projeto, o cidadão é ele e seu número. Em qualquer posto policial, em qualquer canto do País há a possibilidade de se pegar o documento, colocar na máquina e verificar se existe, se é real, se aquela fotografia é do cidadão que está na frente de quem está verificando o documento. Aquela carteira, se é falsa, tem um número que não existe. Pode-se falsificar uma carteira, mas como falsificar uma carteira com um número se aquele número não consta do registro real? Não é possível. Isso facilita ao máximo o combate ao crime organizado.

Quando assumiu o Presidente Lula, levei esse projeto pessoalmente ao Ministro da Justiça, que me recebeu com muita gentileza e reuniu a sua equipe. Ao falarmos sobre o assunto, S. Exª disse que ia levar isso adiante. Mas estou vendo, repito, que não se está fazendo essa espécie de número único. Um será para os problemas sociais, outro, para a Previdência, outro, para a Justiça, outro, nos apenados. O resultado é o mesmo.

Eu faço mais uma vez o apelo. Em meio ao grave momento de violência que estamos vivendo, esse projeto, em minha opinião, é o número um para caminharmos no combate ao crime organizado.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/10/2004 - Página 33030