Discurso durante a 152ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários à medida provisória que trata da obrigatoriedade da instalação, pelos fabricantes de televisores, de dispositivos que permitem o bloqueio de programação indesejada. (como Líder)

Autor
Heráclito Fortes (PFL - Partido da Frente Liberal/PI)
Nome completo: Heráclito de Sousa Fortes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TELECOMUNICAÇÃO.:
  • Comentários à medida provisória que trata da obrigatoriedade da instalação, pelos fabricantes de televisores, de dispositivos que permitem o bloqueio de programação indesejada. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/2004 - Página 35165
Assunto
Outros > TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PROJETO DE LEI DE CONVERSÃO (PLV), APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, AUMENTO, OBRIGATORIEDADE, APARELHO ELETRONICO, BLOQUEIO, RECEPÇÃO, PROGRAMAÇÃO, TELEVISÃO, CRITICA, INCLUSÃO, ARTIGO, INTERPRETAÇÃO CONTROVERTIDA, CENSURA, CLASSIFICAÇÃO, FAIXA, IDADE, REGISTRO, RECLAMAÇÃO, EMISSORA, EXCESSO, CONTROLE, CRITERIOS, GOVERNO FEDERAL, APREENSÃO, ABERTURA, INTERFERENCIA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), CONCLAMAÇÃO, SENADOR, REJEIÇÃO, MATERIA.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI. Pela Liderança do PFL. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pretendo, hoje, ao ocupar esta tribuna, chamar a atenção dos meus prezados colegas para uma matéria que veio da Câmara e que já consta da Ordem do Dia do Senado. Embora a pauta esteja travada por conta de algumas medidas provisórias, logo teremos a oportunidade de votá-la, e é por isso que venho alertar a Casa, para que evitemos mais um dispositivo que pode atentar contra a liberdade de expressão.

Refiro-me à Medida Provisória nº 195, que, aprovada pela Câmara há poucos dias, recebeu a nova denominação de PLV nº 45. Ela chegou ao Senado na semana passada, quando estávamos todos envolvidos no segundo turno das eleições.

Versa a MP sobre a “obrigatoriedade de os novos aparelhos de televisão conterem dispositivo para bloqueio temporário da recepção de programação inadequada”. Em princípio, esse é um clamor da sociedade, bombardeada por uma programação, muitas vezes, inadequada - para dizer o mínimo - sobretudo para as nossas crianças.

Tanto era um anseio geral, que já está em vigor lei a esse respeito aprovada pelo Congresso. O Governo, no entanto, vendo que o prazo para adequação da indústria era exíguo, editou nova MP, que, inclusive, revoga a legislação anterior. O objetivo principal seria, portanto, estender até 2006 o prazo para a indústria colocar os chips nos novos televisores. Mas acontece que o Governo foi muito além.

Um dos problemas está no art. 3º do texto, mantido pelos colegas Deputados, que estabelece:

Competirá ao Poder Executivo, ouvidas as entidades representativas das pessoas jurídicas referidas no art. 1º (concessionárias, permissionárias ou autorizatárias de serviços de radiodifusão de sons e imagens), proceder à classificação indicativa dos programas de televisão, que deverá apresentar as faixas etárias a que não se recomendem os programas de televisão identificados.

O projeto de lei de conversão, assinado pelo Deputado Orlando Fantazzini e relatado pelo Deputado Antonio Carlos Biscaia, ambos do PT, acrescentou que deverá ser ouvido também o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana.

A falta de clareza e de regulamentação abre brecha para que se torne impositiva a classificação de programas e pode até dar margem à censura prévia, já que o § 2º do mesmo artigo diz que o conteúdo da programação deverá ser informado previamente. E isso se refere, inclusive, à programação de rádio - o que, convenhamos, parece-me impossível do ponto de vista prático.

As redes de televisão avaliam, segundo vem sendo noticiado, que o texto é perigoso, porque não estabelece limites e diretrizes ao novo regulamento. Não está definido, por exemplo, se os telejornais precisam de classificação, o que não ocorre atualmente. O Governo está chamando as emissoras para conversar, mas acredito que o mais prudente seria a retirada do projeto para melhor análise da questão. Aliás, ele nem seria necessário, visto que havia uma lei em plena vigência.

Uma das emendas apresentadas ao projeto, inclusive, foi do Senador José Jorge, e pedia o retorno ao texto da lei aprovada pelo Congresso em 2001, depois de longa tramitação. Além de valorizar o trabalho das duas Casas, o Senador lembrava que o Executivo tem exorbitado na sua competência, em detrimento do debate dos parlamentares. Além disso, José Jorge sustenta - e eu concordo - que a MP não atende aos pré-requisitos constitucionais de relevância e de urgência.

Há outros problemas. Ao estabelecer que as questões relativas ao chip que bloqueará determinado tipo de programação terão prazo para entrar em vigor, a medida deixa claro que o mesmo não ocorre com relação aos dispositivos relacionados à classificação indicativa, que terão vigência imediata, dependendo apenas de decreto do Presidente da República regulamentando a lei.

A classificação, segundo o texto, será fixada segundo critérios e procedimentos definidos em regulamento. Devemos atentar para a redação do texto, pois, tal como está, deixa que todos os critérios, hipóteses e exceções sejam definidos pelo decreto presidencial.

Seria melhor, no entanto, que fossem fixados desde já critérios mínimos e as hipóteses que não estarão sujeitos à classificação indicativa. Da mesma forma, não poderíamos deixar para a regulamentação - via decreto, é sempre bom ressaltar - a informação prévia sobre o conteúdo da programação que as emissoras devem fornecer.

Chamo a atenção dos colegas, ainda, para um artigo que, a meu ver, pode ter sua constitucionalidade contestada, ainda que assim não tenham entendido nossos colegas da Câmara. Trata-se do parágrafo 3º do artigo 3º. Nele está escrito: “O Poder Executivo poderá firmar convênios com Estados, Municípios e entidades privadas sem fins lucrativos que comprovem capacitação técnica, com o escopo de proceder à classificação indicativa da programação de natureza regional”.

O art. 21 da Constituição, no entanto, estabelece que é atribuição exclusiva da União proceder à classificação indicativa. Não pode, portanto, o Poder Público de âmbito federal delegar esta atribuição a outro ente federativo e muito menos a entidades privadas.

Acima de tudo, considero absolutamente temerário um dispositivo dessa natureza, pois estamos falando da programação regional e todos nós aqui temos consciência do que muitas vezes se passa nos nossos Estados - sobretudo aqueles mais distantes do eixo Rio-São Paulo - no que diz respeito à política de comunicação.

Poderemos, aí, estar dando chance a obscurantismos de várias ordens, perseguições políticas, direcionamentos do conteúdo da programação. Pode parecer exagero, mas, se tomarmos o texto ao pé da letra, poderemos ter, daqui a pouco, Organizações Não-Governamentais dizendo o que nós podemos ou não ver na tevê. Não se trata de uma posição contra as ONGs em geral, mas muitas delas vêm tendo sua atuação contestada.

Há, ainda, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, muitos pontos passíveis de discussão, como as multas que caberão às emissoras em caso de descumprimento da lei. Mas acredito ter abordado os temas centrais.

Ao encaminhar o projeto à Presidência da República, o Ministro da Justiça justifica a nova medida em nome da clareza legislativa.

Pois entendo que o que mais faltou ao novo projeto foi exatamente esta clareza. A começar da ementa que não diz que ali vai se tratar de classificação indicativa dos programas de tevê. Não há mecanismos estabelecidos também para o período de transição até 2006 ou sobre o que farão os consumidores com os seus aparelhos atuais, que não possuem o chip.

Deixar tudo para a regulamentação é mais do que arriscado, é muito perigoso. Não apenas porque ela será feita por decreto, nem porque existe uma gama muito ampla de assuntos a tratar, mas, sobretudo, porque o Governo não tem sido exatamente correto no cumprimento dos compromissos assumidos com o Parlamento. Temos vários exemplos, alguns ainda com solução pendente, de que acertos feitos neste plenário, pelos Líderes governistas, viram outra coisa quando a regulamentação é feita pela burocracia governamental.

O que peço aqui, portanto, é a extrema atenção dos meus colegas. Se o Governo não tiver o bom senso de retirar a proposta, que nós a rejeitemos, da mesma forma como deverá acontecer com a malfadada proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo.

Em nome do bom senso e da liberdade de expressão, Sr. Presidente, era o que tínhamos a dizer nesta tarde.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/2004 - Página 35165