Discurso durante a 154ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Condenação do racismo.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Condenação do racismo.
Publicação
Publicação no DSF de 09/11/2004 - Página 35594
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, ESPECIFICAÇÃO, AMERICA, EUROPA, PAIS ESTRANGEIRO, AFRICA DO SUL, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • CRITICA, INFERIORIDADE, OPORTUNIDADE, NEGRO, BRASIL, EDUCAÇÃO, EMPREGO, DEFESA, COTA, UNIVERSIDADE FEDERAL.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, PLANETA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTUDO, COMPROVAÇÃO, INEXISTENCIA, DIFERENÇA, GENETICA, GRUPO ETNICO.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao longo da história humana, uma das chagas mais tenebrosas - causando reiteradamente intolerância, conflito, violência, sofrimento e morte - tem sido o racismo.

Essa forma particular da incapacidade de aceitar e acolher aqueles que são, aparentemente, diferentes tem-se manifestado em todas as épocas e nos mais variados quadrantes geográficos, trazendo sempre consigo sua indissociável conseqüência de ódio e de dor.

Inúmeros eventos marcantes da nossa história mundial relacionam-se diretamente com a crença da superioridade de uma raça sobre as demais, e foram por essa crença impulsionados.

É o caso da expansão colonial européia, entre os séculos XVI e XIX, que envolveu o genocídio e o quase completo extermínio das populações nativas das Américas e da Oceania, bem como o deslocamento forçado e a escravidão de milhões de africanos.

É o caso do regime do apartheid, veiculado pela política oficial de minoria branca da República da África do Sul durante a maior parte do século XX e que, por incrível que nos possa parecer hoje, só veio a ser derrotado dez anos atrás.

É o caso do segregacionismo oficialmente instituído e vigente até cerca de 40 anos atrás nessa nação que tanto se orgulha de seu pioneirismo na formulação de instituições democráticas e republicanas, os Estados Unidos da América.

É o caso, ainda, da barbárie nazista, quando, sob a justificativa da pretensa superioridade da “raça ariana”, promoveu o extermínio de milhões de judeus, ciganos e de outras minorias.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é especialmente triste constatar que, mesmo quando a sociedade avança, mesmo quando ela trata de abolir os execráveis sistemas políticos e econômicos fundados nas estúpidas crenças de “superioridade racial”, ainda assim as conseqüências da opressão e da injustiça parecem perpetuar-se, pesando sobre os ombros de sucessivas gerações de descendentes das vítimas do racismo.

No Brasil, mais de um século decorrido desde a abolição da escravatura, a situação social dos descendentes dos escravos ainda é, na média, muitíssimo inferior à situação de que desfruta a população branca. Os negros têm menos acesso à educação, menores oportunidades de ascensão social e, ainda quando têm o mesmo nível de instrução de um trabalhador branco, conseguem empregos piores e remunerações inferiores.

Trata-se de uma verdadeira situação de dívida do conjunto da sociedade para com os descendentes daqueles que foram arrancados da sua terra para serem impiedosamente explorados nos canaviais e nas minas deste País. Por isso, ganham corpo as chamadas políticas compensatórias, como as reservas de quotas nas universidades públicas para os afro-brasileiros. Trata-se, de fato, de medida de justa reparação a uma expressiva parcela de nosso povo, a qual, ainda hoje, suporta pesado ônus principalmente por ter a pele negra.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as pessoas imbuídas de sentimentos racistas sempre buscaram todo tipo de argumento para justificar sua convicção de que uma raça é superior a outra. Entre esses argumentos, os mais abundantes foram os de tipo “religioso” e os de tipo “científico”.

Entre esses argumentos de cunho “religioso”, encontra-se, por exemplo, a noção absurda de que “apenas os brancos têm alma”, conceito defendido durante séculos por setores da Igreja Católica de modo a justificar “religiosamente” a escravidão de negros e amarelos. Já entre os argumentos de cunho “científico”, enquadram-se as teorias tresloucadas dos nazistas, segundo as quais todas as raças “impuras” deveriam ser varridas da face da terra. Milhões de seres humanos pagaram o preço dessas sandices na primeira metade do século XX.

Hoje, contudo, o avanço da ciência veio evidenciar não a inexistência de uma raça superior, muito menos a superioridade de uma raça sobre as demais, mas algo muito mais radical: a ciência moderna comprova, simplesmente, a inexistência das raças, ou, melhor dizendo, comprova que pertencemos todos a uma única raça, a raça humana.

A revista Planeta, especializada em divulgação científica, publicou, em sua edição do mês de julho de 2004, interessante reportagem sob o título “Adeus às Raças”. A matéria explica que a genética, um dos ramos da ciência que se encontra mais avançado na atualidade, já conseguiu provar aquilo que toda pessoa de bom senso intuía, ou seja, que existe uma identidade genética praticamente total entre todos os tipos humanos. Brancos, negros e amarelos guardam entre si um altíssimo grau de parentesco.

A prova científica disso foi anunciada ao mundo há cerca de dois anos, quando veio a público o resultado do trabalho de uma equipe de sete pesquisadores de três nacionalidades - franceses, russos e norte-americanos.

Eles analisaram 377 partes do DNA de 1.056 pessoas de 52 populações nos cinco continentes. O resultado da análise demonstrou que cerca de 94% da diferença genética entre os seres humanos são encontrados nos indivíduos de um mesmo grupo, enquanto a diversidade entre as várias populações do mundo é responsável apenas por 3% a 5% dessa diferença. Em outras palavras, o genoma de um africano, dependendo do caso, pode ser mais semelhante ao de um norueguês do que ao de alguém da sua própria cidade. A pesquisa demonstrou ainda que não existem genes exclusivos de uma população, nem tampouco grupos humanos em que todos os indivíduos tenham a mesma variação genética.

Essa descoberta, Sr. Presidente, põe um ponto final nas classificações pretensamente “científicas” das raças, que, ao longo da história, serviram para justificar os horrores do racismo.

As diferenças físicas entre um oriental, um africano e o nórdico - como a cor da pele, a estatura, o tipo do cabelo e o formato dos olhos - não podem, evidentemente, ser negadas. No entanto, querer demonstrar a existência de raças distintas e superiores - como insistiram e insistem os racistas do mundo inteiro - é, hoje em dia, algo praticamente impossível. Está cabalmente comprovada a identidade genética quase total entre todos os tipos humanos. Os genomas de brancos, negros e amarelos são extremamente similares, e as diferenças podem ser maiores entre dois indivíduos de um desses grupos do que entre indivíduos de dois grupos diferentes.

As diferenças físicas entre os grupos humanos não estão relacionadas à variação genética, não correspondendo, portanto, ao conceito biológico de raça. As diferenças já mencionadas entre as diversas etnias são determinadas apenas pela adaptação ao meio ambiente no qual cada etnia se desenvolveu.

Durante o longo processo de evolução, até chegar à sua forma humana final, nossos ancestrais tiveram que se adaptar às condições ambientais. Provavelmente, há pouco menos de dois milhões de anos, como começaram a fazer longas caminhadas e tinham necessidade de esfriar o corpo, os homens acabaram perdendo os pêlos. Com isso, ficaram com o corpo exposto e as células produtoras de melanina se espalharam por toda a pele.

A mudança na coloração da pele ocorreu porque, nos ambientes próximos à linha do Equador, a pele negra era uma adaptação necessária para manter o nível de folato no corpo, garantindo, assim, a descendência sadia. Afinal, a deficiência de ácido fólico em mulheres grávidas pode causar graves defeitos no feto, e o folato é essencial em atividades que envolvem a proliferação rápida de células, como a produção de espermatozóides.

Ao longo de sua evolução, o homem saiu da África e chegou à Ásia; de lá foi para a Oceania, a Europa e, por fim, para a América. Nas regiões menos ensolaradas, a pele negra começou a bloquear demasiadamente os raios ultravioleta, sabidamente nocivos, mas essenciais para a formação da vitamina D, necessária para manter o sistema imunológico e desenvolver os ossos. Por isso, as populações que migraram para regiões menos ensolaradas desenvolveram uma pele mais clara para aumentar a absorção de raios ultravioleta.

Portanto, a diferença de coloração da pele - da mais clara até a mais escura - indica simplesmente que a evolução do homem procurou encontrar uma forma de regular nutrientes.

Ao se espalhar pelo mundo, os humanos só tinham uma arma para enfrentar uma grande variedade de ambientes: sua aparência. Assim, para suportar o calor excessivo, desenvolveram a altura, que ajuda a evaporar o suor. Isso aconteceu, por exemplo, com os quenianos. Já o cabelo encarapinhado ajudou a reter o suor no couro cabeludo e a resfriá-lo. O oposto vale para as regiões mais frias do planeta: o corpo e a cabeça dos mongóis tendem a ser arredondados para guardar calor; o nariz, pequeno para não congelar, tem narinas estreitas, que permitem o aquecimento do ar que se dirige aos pulmões; e os olhos são alongados e protegidos do vento por dobras da pele.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, geneticamente, cada ser humano é único, tanto assim que podemos identificar perfeitamente cada indivíduo por seu código genético. Mas, no que se refere a grupos, está comprovado que as desigualdades não escondem diferenças genéticas. As populações da África Central e da Papua-Nova Guiné, que são parecidas fisicamente porque viveram no mesmo tipo de meio ambiente, têm o patrimônio genético mais diferenciado do mundo. Em sentido contrário, dois grupos populacionais com tipos físicos muito diversos não são, necessariamente, muito diferentes do ponto de vista genético.

Os cientistas, hoje, chegaram ao consenso de que não existe, na superfície da terra, senão uma “raça” humana conhecida: a do Homo sapiens sapiens. Logo, todo racista, além de ser um sofredor cheio de ódio, não passa de um pobre ignorante.

Oxalá o século XXI possa testemunhar o sepultamento definitivo dessa chaga tão antiga quanto horrenda chamada ódio racial. Oxalá sejamos capazes de construir, no século que se inicia, um alvorecer de tolerância, entendimento e cooperação entre todos os integrantes da nossa raça, a raça humana.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/11/2004 - Página 35594