Discurso durante a 156ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a questão da interdição civil aplicada a portadores de transtornos mentais e a pessoas acometidas de distúrbios psíquicos.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Considerações sobre a questão da interdição civil aplicada a portadores de transtornos mentais e a pessoas acometidas de distúrbios psíquicos.
Publicação
Publicação no DSF de 11/11/2004 - Página 35917
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • NECESSIDADE, DEBATE, INTERDIÇÃO, DIREITO CIVIL, CIDADÃO, DOENÇA MENTAL, APREENSÃO, ARBITRARIEDADE, PERDA, TOTAL, DIREITOS, COMENTARIO, PESQUISA, MESTRADO, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), REGISTRO, DADOS, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REALIZAÇÃO, CONFERENCIA NACIONAL, SAUDE MENTAL, ALTERAÇÃO, SITUAÇÃO.
  • DEFESA, PRESERVAÇÃO, MAIORIA, DIREITOS, PESSOA DEFICIENTE, NECESSIDADE, INTEGRAÇÃO, JUIZ, MEDICO, PERICIA, MELHORIA, DIAGNOSTICO, SUSPEIÇÃO, OCORRENCIA, INEXATIDÃO, SENTENÇA JUDICIAL, OBJETIVO, INCLUSÃO, PROGRAMA, ASSISTENCIA SOCIAL.

O SR. PAPALÉO PAES (PTB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tomei conhecimento de pesquisa concluída recentemente sobre tema que merece ser levantado no plenário desta Casa, que soe acolher, com lucidez e discernimento ímpares, todas as questões propostas na agenda parlamentar. Trata-se da questão da interdição civil, Senhor Presidente, quando aplicada a portadores de transtornos mentais e a pessoas acometidas de distúrbios psíquicos. É preciso deixar claro, logo de início, que a interdição civil é uma medida legal destinada a proteger as pessoas que têm problemas mentais, bem como proteger o patrimônio que a elas pertence.

Dependendo da gravidade do distúrbio, os doentes mentais realmente ficam impossibilitados de gerir negócios, efetuar transações financeiras, lidar com grandes somas de dinheiro, gerenciar patrimônio, etc. Ao terem o controle de suas faculdades mentais prejudicado, muitos doentes chegam a ter dificuldade em lidar com situações banais, corriqueiras, do dia-a-dia. Outros, por sua vez, ficam inabilitados para desempenharem determinadas funções, mas perfeitamente aptos a fazerem muitas outras coisas. É justamente nesse ponto que mora o perigo.

Que perigo é esse a que me refiro, Sr. Presidente? É quando a justiça decide pela interdição civil total, ou seja, tira todos os direitos civis do portador de problema mental, sem que seja necessário privá-lo de todos os direitos! Porque, em muitos casos, basta que se aplique a interdição parcial. Nessa situação, o juiz estabelece alguns limites. O indivíduo pode ser impedido de gerenciar seu patrimônio, mas tem permissão para trabalhar, por exemplo.

            Ocorre que nem todo distúrbio mental impossibilita plenamente o indivíduo, tornando-o incapaz de todo. Ele pode perder o discernimento para realizar umas tantas coisas, mas ser capaz de realizar satisfatoriamente uma série de outras coisas. Esse indivíduo poderia muito bem, por exemplo, casar, dirigir, abrir conta em banco, viajar, alugar um imóvel, mas, por ter-lhe sido imputada a interdição civil total, perde ele muitos dos direitos que poderia estar usufruindo. 

A gravidade desse tipo de procedimento, Sr. Presidente, está em sua alta incidência. Não ocorre uma vez aqui, outra ali. Imaginariam meus nobres Colegas que, em 1.183 registros de interdição, 99,3% foram de interdição total? Isto é: as interdições parciais foram aplicadas a menos de 1% da amostra! Esses números mostram que predomina uma tendência clara a decidir pela interdição total. Não é essa a lógica que esperávamos. É preciso investigar, para saber o que de fato está ocorrendo nessa área.

Foi isso que fez a advogada Patrícia Ruy Vieira, procuradora da Universidade Federal de São Paulo, que concluiu em 2003 sua dissertação de mestrado sobre as interdições civis na cidade de São Paulo. Ela se debruçou sobre os registros de interdição (documento que expressa a sentença judicial) emitidos na cidade de São Paulo, no ano de 2001, analisou-os e chegou às porcentagens mencionadas acima. A metodologia que a pesquisadora utilizou não permitiu determinar a gravidade dos transtornos das pessoas interditadas e a extensão da incapacidade civil. Por isso, não há nenhuma conclusão acerca do acerto, ou não, da decisão judicial.

            Infelizmente, essa área é ainda pouco investigada. Não nos foi possível verificar se quadro semelhante acontece em outros Estados da Federação. O que se sabe, contudo, é que, em países como a Alemanha e a França, a interdição total é considerada como último recurso. O objetivo predominante é preservar o maior número possível de direitos do portador de transtorno mental, para mantê-lo integrado à sociedade.

A autora do trabalho, Doutora Patrícia Ruy Vieira, alerta que, no Brasil, é necessária maior integração entre juízes e médicos que fazem a perícia. Esse é um ponto importante na questão que ora trago a esta Casa, Sr. Presidente: melhorar a qualidade do diagnóstico. Para atingir essa melhoria, a psiquiatria e o direito precisam trabalhar lado a lado, estar mais próximos e mais integrados.

A pesquisadora apontou um fator que pode, talvez, estar contribuindo para a alta porcentagem de interdição total na amostra estudada. O Decreto número 1.744, de 1995, regulamenta o benefício de prestação continuada devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso. O artigo 6º, inciso I, do referido decreto determina que, para fazer jus ao benefício, o requerente deve ser “portador de deficiência que o incapacite para a vida independente e para o trabalho”.

            Para comprovar a existência de doença causadora da incapacidade civil, o portador de transtornos mentais deve passar por uma perícia médica. A relação entre uma coisa e outra se estabelece imediatamente. O meio mais fácil para comprovar a incapacidade é decretar logo a interdição total. Uma vez declarado incapaz, o portador de deficiência passa a ter todos os direitos civis cassados, mesmo que esteja plenamente apto para realizar muitos desses direitos. E lá se vai mais um caso de interdição total, quando o mais adequado era a declaração de interdição parcial.

É exatamente para esse ponto que alerta a pesquisadora. “O fato de uma pessoa ter o discernimento reduzido não significa que está incapacitada para tudo. Se o portador de transtorno bipolar é capaz de gastar fortunas em momentos de euforia, então deve-se restringir o uso de dinheiro. Mas não é necessário proibi-lo de dirigir ou trabalhar.”

            O novo Código Civil brasileiro considera como incapazes “os que por enfermidade ou deficiência mental não tiverem discernimento para a prática de seus atos e os que, mesmo por causa transitória, não puderam exprimir sua vontade”. Entre os relativamente incapazes, figuram dependentes químicos, deficientes mentais com capacidade de julgamento reduzida ou desenvolvimento mental incompleto. Quem pode solicitar a interdição, além do Ministério Público, são: o pai, a mãe, o cônjuge, ou algum parente próximo.

Os especialistas em saúde mental estão preocupados com essa questão, Sr. Presidente! No Relatório Final da 2a Conferência Nacional de Saúde Mental, de 1992, constam, no capítulo referente aos direitos civis e cidadania, várias proposições de ampla aprovação. Uma delas é desenvolver estudos que permitam a atenuação dos dispositivos de interdição, inclusive aventando a possibilidade de impedir a incapacitação absoluta. Outra proposição: estabelecer instância de revisão obrigatória para todos os casos de interdição civil, com a participação de diferentes segmentos da sociedade civil. Outra ainda: promover encontros entre as Secretarias de Saúde e de Justiça, visando a discutir os direitos civis e trabalhistas das pessoas consideradas tuteladas. Ou seja, o assunto já vem causando preocupação há vários anos.

É preciso, agora, que a questão ultrapasse o âmbito do debate acadêmico, do confronto de idéias entre especialistas e seja levada a plenários mais amplos e diversos. Por todas as graves implicações que o tema comporta, Sr. Presidente, considerei oportuno trazê-lo à discussão e ao debate político nesta Casa, certo de que, vindo à baila muitas vezes neste Plenário, mais rapidamente irá ecoar nas mentes dos responsáveis por emitir diagnósticos de saúde e sentenças judiciais das pessoas portadores de distúrbios mentais ou transtornos psíquicos.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado a todos!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/11/2004 - Página 35917