Discurso durante a 159ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o Programa de Prevenção ao Suicídio do Centro de Valorização da Vida (CVV).

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Considerações sobre o Programa de Prevenção ao Suicídio do Centro de Valorização da Vida (CVV).
Publicação
Publicação no DSF de 17/11/2004 - Página 36621
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • NECESSIDADE, DEBATE, SUICIDIO, EXISTENCIA, DISCRIMINAÇÃO, ASSUNTO, COMENTARIO, DADOS, MINISTERIO DA SAUDE (MS), ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), CRESCIMENTO, TAXAS.
  • COMENTARIO, EVOLUÇÃO, MEDICINA, PSICOLOGIA, ESCLARECIMENTOS, SUICIDIO.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, PROGRAMA, PREVENÇÃO, SUICIDIO, TRABALHO, VOLUNTARIO, UTILIZAÇÃO, TELEFONE.
  • EXPECTATIVA, EFETIVAÇÃO, CONVENIO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), ENTIDADE, PREVENÇÃO, SUICIDIO, UNIFICAÇÃO, NUMERO, TELEFONE, ATENDIMENTO, TERRITORIO NACIONAL.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma das minhas preocupações nesta Casa tem sido a de tratar sobre temas relacionados com a saúde pública. De um lado, isso é explicado pelo fato de eu ser médico e, naturalmente, ter dedicado a minha vida ao tema. De outro lado, no entanto, como cidadão e homem público, verifico que a saúde, muitas vezes, é tratada de forma equivocada, superficial, preconceituosa ou inadequada.

Um dos temas mais espinhosos é o da saúde mental. Se conversamos abertamente sobre a maior parte das doenças físicas, temos, porém, muito constrangimento em falar sobre as disfunções, e o comportamento socialmente inadequado da mente humana. Muitos tópicos, assim, tornam-se autênticos tabus. E o maior dos tabus é, sem sombra de dúvida, o suicídio.

Creio que, como homem público preocupado com a saúde pública, não posso me furtar de tratar do tema. Nesta oportunidade, também, é importante comentar e louvar o trabalho daqueles que enfrentam com desassombro o tabu do suicídio, especialmente a ação levada a cabo pelo Programa de Prevenção ao Suicídio do CVV - Centro de Valorização da Vida.

O suicídio é um tabu. Isso significa que sobre ele repousam muitos mitos, temores, interdições e mal-estar. Isso é explicável, em parte, pela difícil tarefa de compreensão do fenômeno que é a autodestruição da vida. Em parte, trata-se pouco do tema porque existem interdições religiosas. Em parte, ainda, teme-se falar do suicídio porque é sabido que ele age, em algumas situações, como se fosse uma epidemia. Conhecido é o caso do livro Os sofrimentos do jovem Werther, de Goethe. Muitos suicídios ocorreram na Europa após a publicação da obra, que trata de um jovem que se mata por motivos amorosos. Outro episódio conhecido é o do vulcão Mihara, no Japão. Em 1933, após uma jovem ter se jogado dentro da cratera, mais de mil pessoas repetiram o ato. Mais um caso comentado, embora de um tipo bem mais comum, é o da Ponte Golden Gate, na Califórnia. Inaugurada em 1937, dali se jogaram, até hoje, mais de mil e duzentas pessoas. São muitas, portanto, as dificuldades quando se trata do assunto.

Apesar dessas dificuldades no trato do tema, não podemos deixá-lo de lado e simplesmente fingir que ele não existe. Ele está aí e é reconhecido pelo Ministério da Saúde e pela OMS - Organização Mundial de Saúde, como um problema de saúde pública. No Brasil, há sinais preocupantes. De 1979 a 1997, a taxa de suicídios cresceu 34%. Em todo o mundo, estima-se que a taxa mundial de suicídios tenha crescido nas últimas décadas e seja, hoje, uma das principais causas de óbito.

A interpretação das estatísticas é, entretanto, insuficiente para explicar o fenômeno. É um equívoco, por exemplo, imaginar que os bem-sucedidos na vida seriam imunes. Não. Em algumas categorias profissionais, especialmente naquelas de maior rendimento salarial ou prestígio, a taxa de suicídios é cinco vezes maior do que a média. Isso, no entanto, não significa que uma determinada classe social está mais propensa a ter suicídios.

Da mesma forma, a distribuição etária é razoavelmente regular. É alta a taxa para pessoas com mais de 65 anos, mas também é significativa a quantidade de jovens que optam pela autodestruição. No Brasil, no ano de 1995, 36% dos suicídios foram cometidos por pessoas com menos de 30 anos.

As estatísticas apresentam, pois, poucos padrões que levem ao entendimento do fenômeno. Um dos raros dados importantes é que os viciados e os alcoólatras representam, segundo o escritor Andrew Salomon, um terço dos casos. É importante, ainda, observar que as estatísticas são bastante deficientes: em muitas situações é difícil perceber que se trata de um suicídio. Em outras, motivações religiosas ou apurações pouco criteriosas deixam de registrar determinados óbitos como suicídio. 

Em todos os casos, no entanto, existe uma dor interna tão forte, tão insuportável e tão paralisante que a única solução vislumbrada pela pessoa é o suicídio, mesmo ela sabendo que é um caminho do qual não há volta. Os especialistas, todavia, observam, com precisão, que o suicídio é a solução permanente para problemas quase sempre temporários.

Em muitos casos, a medicina tem sido de grande utilidade. De acordo com pesquisas mais recentes, existiria uma relação entre baixos índices de serotonina, uma das substâncias que faz as conexões entre os neurônios, e suicídio. Em muitas situações, a utilização de medicamentos que melhora o nível de serotonina tem sido bem-sucedida.

Além das possíveis explicações biológicas do fenômeno, existem, na sua raiz, questões de ordem claramente psicológica. A rigor todo ser humano pode desejar, em algum momento de sua vida, se matar. Todas as pessoas enfrentam problemas. Todas têm dificuldades. O suicídio, é bom esclarecer, não é como um raio em um dia de céu azul na vida de uma pessoa. Existe todo um processo que desencadeia o desejo de se matar. Ele, portanto, não acontece de repente, mas é o ápice de uma crise que foi gestada durante muito tempo. Além disso, as mudanças nos padrões sociais, a exacerbação do individualismo e a deterioração da qualidade de vida aumentam a solidão e dificultam as relações humanas.

Às vezes é um problema que, para outras pessoas, seria facilmente solucionado. Às vezes é a perda de um amigo, de um filho, do cônjuge ou de um dos pais. Às vezes é o insucesso diante de uma prova ou, quem sabe, até mesmo o sucesso em alto grau. Não importa, pois, qual é a dificuldade enfrentada pela pessoa. Importante é saber que aquele problema é crucial para ela, que se encontra em dificuldade. Importante, enfim, é ter alguém para ouvir essa pessoa que enfrenta algum tipo de problema.

O Programa de Prevenção ao Suicídio tem essa proposta. Ouvir. Dar a atenção que a pessoa precisa. Acolher sem julgamentos, sem predisposições e sem preconceitos. Ouvir, sem que haja nenhuma inclinação religiosa, política, moral, social ou de qualquer outra espécie. Ouvir para que a pessoa consiga encontrar soluções para as suas dificuldades.

Para tanto, algumas premissas são seguidas: ouvir, aceitar o outro como ele é e colocar-se em seu lugar, não julgar ou aconselhar, apoiar, ser sincero e manter o sigilo.

Mesmo que pouco se fale ou se ouça a respeito do CVV, os serviços que ele tem prestado são muito relevantes. Inteiramente formado por voluntários, recebe, aproximadamente, um milhão de telefonemas por ano.

Não é uma tarefa fácil. Aquele se dispõe a ser voluntário deve se submeter a um curso preparatório, não faltar aos plantões - em que deve doar quatro horas semanais -, participar de reuniões mensais e bimestrais. Em suma, precisa ser disciplinado e cumprir uma série de regras sob pena de ser excluído do grupo. Além disso, o CVV é mantido financeiramente apenas pelos voluntários.

Os voluntários do CVV, têm as mais diversas origens sociais, idades e profissões. Cumprem, em silêncio e sem esperar qualquer tipo de gratificação, um dos mais nobres trabalhos sociais, cujo único interesse é a pessoa humana.

O jornalista Otavio Frias Filho, diretor de redação do jornal Folha de S.Paulo, foi voluntário, por um ano, do CVV. Descreveu o grupo nos seguintes termos: “Nunca participei de nenhuma estrutura tão bem organizada como o CVV. Nunca conheci um grupo de pessoas tão abnegadas. Nunca vi trabalho realizado mais a sério”.

O CVV tem, hoje, cinqüenta e quatro postos de atendimento em todo o Brasil, funcionando 24 horas por dia. O grande desafio, para a entidade, é criar novos postos e interligar os já existentes. Seria muito mais fácil se houvesse, em todo o País, apenas um número que identificasse o CVV, tal como já ocorre, por exemplo, com o Corpo de Bombeiros. A proposta foi formulada e aprovada pela Anatel. Para implantá-la, porém, são necessários recursos do Ministério da Saúde. O CVV apresentou proposta de convênio, que ora se encontra sob análise da Coordenação-Geral de Contratos e Convênios daquela Pasta.

Faço votos que o Ministério e o Ministro Humberto Costa se mostrem sensibilizados e firmem, o mais rápido possível, o convênio com o CVV. Eles não estarão ajudando uma entidade, mas a todos os brasileiros; afinal de contas, todas as pessoas são usuários potenciais dos serviços prestados pela instituição.

Por fim, lembro as palavras do escritor inglês G. K. Chesterton. Disse ele, certa vez, que o “homem que mata a si mesmo mata todos os homens”. Podemos dizer, sem erro, que o CVV, ao salvar uma vida, está, também, salvando toda a humanidade.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/11/2004 - Página 36621