Discurso durante a 160ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Programa Nuclear Brasileiro.

Autor
Romero Jucá (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA NUCLEAR.:
  • Programa Nuclear Brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 18/11/2004 - Página 36779
Assunto
Outros > POLITICA NUCLEAR.
Indexação
  • CRITICA, ALEGAÇÕES, JORNAL, WASHINGTON POST, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), TENTATIVA, BRASIL, IMPEDIMENTO, INSPETOR, AGENCIA INTERNACIONAL DE ENERGIA ATOMICA (AIEA), CONHECIMENTO, TECNOLOGIA, ENRIQUECIMENTO, URANIO, PREJUIZO, REPUTAÇÃO, PAIS, AMBITO INTERNACIONAL.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, PRESERVAÇÃO, SIGILO, TECNOLOGIA, ENRIQUECIMENTO, URANIO, DESENVOLVIMENTO, BRASIL, AUSENCIA, VIOLAÇÃO, ACORDO INTERNACIONAL.
  • RECONHECIMENTO, IMPORTANCIA, TRABALHO, TECNICO, MARINHA, PROGRAMA NUCLEAR BRASILEIRO, DESCOBERTA, TECNOLOGIA, ENRIQUECIMENTO, URANIO, REDUÇÃO, CUSTO, ENERGIA, FORNECIMENTO, COMBUSTIVEL, USINA TERMONUCLEAR, AUMENTO, CAPACIDADE, COMPETIÇÃO INDUSTRIAL, BRASIL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, CONSCIENTIZAÇÃO, POPULAÇÃO, IMPORTANCIA, ENERGIA NUCLEAR, PRESERVAÇÃO, SIGILO, TECNOLOGIA, BRASIL.

O SR. ROMERO JUCÁ (PMDB - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil figurou, recentemente, em matéria polêmica e de caráter difamatório, publicada no Washington Post sobre o Programa Nuclear Brasileiro, com o propósito de divulgar uma imagem negativa do País.

Afirmava o diário da capital norte-americana que o Brasil estaria escondendo dos inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) alguma coisa no setor estrategicamente sensível do enriquecimento de urânio. A informação teria sido fornecida por funcionário governamental dos Estados Unidos e visaria à acusação de descumprimento, por parte de nosso País, de acordos internacionais de que somos signatários, como o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP).

O objetivo dessa manobra, Srªs e Srs. Senadores, seria o de obrigar o Brasil a revelar os segredos industriais da tecnologia própria que desenvolveu para o enriquecimento do urânio, à base de ultracentrifugação em rotores que funcionam em estado de levitação magnética. É uma novidade que está atraindo o interesse e a cobiça internacional, uma invenção inteiramente desenvolvida no País.

Vale a pena, Sr. Presidente, explicar, em linhas rápidas, o problema tecnológico para o qual os brasileiros encontramos essa nova solução. O urânio se apresenta, na natureza, em três variantes, ou isótopos principais, cujos números de massa são 234, 235 e 238, sendo somente o último radioativo e, por conseqüência, podendo ser empregado como combustível nuclear. Acontece que, de uma amostra natural qualquer de urânio, mais de 98 por cento em peso são de urânio 235 e cerca de 1,5 por cento de urânio 234. O isótopo 238, portanto, representa uma ínfima porção, e precisa ser concentrado, isto é, separado dos outros para ser utilizado.

Para processos industriais, como a produção de energia elétrica em reatores, é necessário termos pelo menos cinco por cento de urânio 238. Daí a necessidade do chamado enriquecimento, que é nada mais, nada menos que o aumento da concentração do isótopo radioativo por alguma forma de coleta seletiva industrial.

Acontece que a única propriedade física que distingue essa variante do urânio é seu peso. Uma diferença de apenas 1,3%! Para processos industriais, trata-se de diferença muito pequena.

A maioria das potências nucleares, que dominam integralmente a tecnologia, utiliza, para o enriquecimento do urânio, a tecnologia da difusão gasosa, porque a opção pela centrifugação demanda velocidades elevadíssimas, na ordem dos milhões de rotações por minuto, para que a separação seja eficiente. E velocidades altas implicam perdas significativas por atrito e aquecimento nos mancais dos rotores das centrifugadoras, mesmo quando assentados sobre rolamentos bem lubrificados.

Esse foi o problema criativamente resolvido pelos técnicos brasileiros do Centro Tecnológico da Marinha do Brasil, no Centro Aramar, no interior do Estado de São Paulo. Eles simplesmente fizeram levitar os rotores por repulsão magnética nos mancais. Esse verdadeiro “ovo de Colombo” é que está gerando toda a ciumeira dos que não conseguiram desenvolver essa tecnologia e dependem do dispendioso método da difusão de gases, que consome cerca de 25 vezes mais energia.

O Contra-Almirante Alan Paes Leme Arthou, diretor do Centro Tecnológico da Marinha, cuja entrevista foi publicada pela revista Bonifácio, em seu número do segundo trimestre deste ano, afirma que a colocação de tapumes diante das centrífugas, que impediu os inspetores da AIEA de vê-las, não viola os acordos internacionais.

Com efeito, os acordos não obrigam os países signatários à revelação de segredos industriais: tudo o que o País se compromete a mostrar livremente aos inspetores internacionais, por força dos acordos, é o material afluente ao processo, o material efluente e os cuidados de segurança em seu armazenamento e transporte. Como processo industrial não é para ser obrigatoriamente transparente, as alegações do Washington Post e do governo americano não passam de blefe para ver se nós corremos. Pelo menos desta vez, no entanto, se estivermos conscientes da questão, não bancaremos o pato na roda.

Fica, portanto, a cargo dos meios de comunicação brasileiros a promoção dessa consciência da Nação quanto à regularidade de nosso Programa Nuclear e quanto à importância da preservação do sigilo de uma tecnologia desenvolvida aqui. Se, por desinformação ou má-fé, nossos formadores de opinião seguirem as indicações e suspeitas dos norte-americanos e, em geral, dos inimigos do emprego da energia nuclear, estaremos perdendo, mais uma vez, o chamado trem da História. Não devemos permitir que isso venha a ocorrer.

Srªs e Srs. Senadores, o Brasil tem a terceira maior reserva mundial de urânio. É um potencial energético enorme, que não pode ser deixado sem utilização. Como qualquer tecnologia, como todo progresso técnico, o uso da energia nuclear implica riscos, que são conhecidos e controláveis, não constituindo nenhum fim-de-mundo. Em sociedades abertas, nas quais os cidadãos podem exercer formas legítimas de controle sobre as atividades produtivas, o perigo é mínimo.

Se considerarmos, ainda, que o petróleo, presentemente a principal fonte de energia do mundo, tende, se não a se esgotar, certamente a se tornar mais raro e caro, pela necessidade de buscá-lo em terrenos mais profundos e difíceis, o descarte liminar da energia nuclear por puro preconceito será uma grande tolice. Maior tolice será deixar de utilizar e proteger essa tecnologia, que já está fornecendo parte do combustível para as usinas termonucleares de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. A maior parte do combustível hoje lá empregado precisamos ainda obter pela via do enriquecimento de nosso próprio urânio em outros países.

Isso quer dizer, veja bem aqui, Sr. Presidente: tecnologia de enriquecimento de urânio é serviço comercializável no mercado mundial, serviço de que somos ainda dependentes de importação. Deter uma tecnologia nossa e mais barata poderá vir a ser uma vantagem competitiva no futuro, se decidirmos por ter capacidade de enriquecer mais urânio que a necessidade de nossas usinas.

O Brasil é notícia no mundo. Desta vez, porém, por havermos sido capazes de desenvolver uma tecnologia inédita que está sendo invejada por nações mais ricas e - frise-se - com maior estrutura de pesquisa e desenvolvimento em ciência e tecnologia. A Marinha do Brasil e os técnicos do Programa Nuclear são, por isso, credores do reconhecimento de todos os brasileiros, de hoje e do futuro. É preciso saber identificar as boas notícias até quando vêm disfarçadas em alarma apocalíptico.

Reitero, para encerrar, aquela ênfase na necessidade da conscientização popular para a importância da energia atômica e para a urgente refutação dos argumentos dos grupos difundidores da histeria antinuclear. Nossos meios de comunicação não podem continuar a ser a caixa de reverberação de intrigas e boatos antinacionais.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/11/2004 - Página 36779