Discurso durante a 165ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Agradecimentos aos colegas senadores pela calorosa recepção que recebeu por ocasião de sua posse. Insatisfação com o tratamento que o Estado do Amazonas vem recebendo das autoridades federais desde o Governo Collor, servindo apenas de moeda de troca para acordos com o FMI e o Banco Mundial.

Autor
João Thomé Mestrinho (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AM)
Nome completo: João Thomé Verçosa de Medeiros Raposo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Agradecimentos aos colegas senadores pela calorosa recepção que recebeu por ocasião de sua posse. Insatisfação com o tratamento que o Estado do Amazonas vem recebendo das autoridades federais desde o Governo Collor, servindo apenas de moeda de troca para acordos com o FMI e o Banco Mundial.
Aparteantes
Alberto Silva, Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 20/11/2004 - Página 37368
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • AGRADECIMENTO, RECEPÇÃO, EXERCICIO, SUPLENCIA, GILBERTO MESTRINHO, SENADOR, ANUNCIO, PROXIMIDADE, SAIDA, ORADOR.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, IMPOSIÇÃO, RESTRIÇÃO, DESENVOLVIMENTO, ATENDIMENTO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), BANCO ESTRANGEIRO.
  • DENUNCIA, PERDA, SOBERANIA NACIONAL, PESQUISA CIENTIFICA, BIODIVERSIDADE, REGIÃO AMAZONICA.
  • REGISTRO, EXPERIENCIA, ORADOR, QUALIDADE, EMPRESARIO, MECANIZAÇÃO, LAVOURA, GRÃO, VARZEA, IMPLEMENTAÇÃO, PISCICULTURA, ESTADO DO AMAZONAS (AM), DETALHAMENTO, VANTAGENS, AGRICULTURA, ALTERNATIVA, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, DESNECESSIDADE, UTILIZAÇÃO, AGROTOXICO, OCORRENCIA, LOBBY, MERCADO INTERNACIONAL, IMPEDIMENTO, DESENVOLVIMENTO, CONCORRENCIA, NECESSIDADE, VALORIZAÇÃO, POPULAÇÃO, REGIÃO.
  • DENUNCIA, PERDA, RESPONSABILIDADE, ESTADO, EDUCAÇÃO, SAUDE PUBLICA, NECESSIDADE, ALTERNATIVA, ECONOMIA, MELHORIA, VIDA, POPULAÇÃO RURAL.

O SR. JOÃO THOMÉ MESTRINHO (PMDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs.Senadores, em primeiro lugar, agradeço a maneira carinhosa pela qual os companheiros Senadores me receberam ontem, nesta Casa, por ocasião da minha posse, em substituição, temporária, por mais curta que seja, ao companheiro Senador Gilberto Mestrinho, que, além de ser meu amigo, comandante do nosso Partido no Amazonas, é também meu pai.

Venho aqui falar um pouco do meu Estado e do trabalho que procuro desenvolver lá e, no final deste pronunciamento, V. Exªs entenderão o porquê dessas explicações. Explicação que dirijo também ao meu Estado, que está me ouvindo e me acompanhando neste momento.

O Amazonas é um Estado compreendido por 1,5 milhão de quilômetros quadrados. A Amazônia, com suas riquezas naturais, com seus 25 milhões de hectares de várzeas, tem sido, nos últimos doze anos, desde a ascensão do Presidente Fernando Collor de Melo, transformada em moeda de troca.

Toda vez que há uma negociação externa, toda vez que há uma negociação com o FMI, toda vez que há uma negociação com o Banco Mundial, mais um gesso se põe na Amazônia. Estamos servindo única e exclusivamente como moeda de troca neste País.

Parece que somos um apêndice do País. Mas esquecem que, lá, somos nós que defendemos as nossas fronteiras. Somos nós que teimamos em que a nossa região permaneça brasileira e seja considerada brasileira. Somos nós que enfrentamos a malária. Ontem foi aprovado um projeto sobre hepatite B e hepatite C, doenças que nos atingem. Eu mesmo já tinha tive hepatite B. Mas estamos lá na fronteira defendendo o nosso País.

Infelizmente, assim é que o poder central, nesses últimos doze anos, olha para a nossa região. E, ao constatar esses fatos, essa nossa realidade, percebemos o desprezo que se tem por aquele pedaço de terra, em que cidadãos brasileiros, aqueles que nasceram lá, em muitas áreas, são proibidos de entrar, por se tratar de reservas, onde há pesquisas sendo feitas por ONGs, que dominam determinadas regiões e determinadas reservas, como é o caso da Reserva Ecológica de Mamirauá*, onde o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso pernoitou. Esse fato foi noticiado em toda a imprensa internacional. Há 15 dias, a Polícia Federal apreendeu um carregamento de pasta de cocaína que saía de dentro da reserva. Mas o homem que habita o local não pode entrar naquela reserva. São materiais da biodiversidade da nossa floresta, da nossa fauna, da nossa flora, que saem, mas nós não temos acesso a eles. Quando vamos saber, já é o patenteamento o seu elemento ativo na imprensa internacional por empresas internacionais. Essa é a nossa pura e simples realidade.

Na pesquisa, como dissemos ontem, em homenagem à Embrapa, ao Centro de Pesquisa Cenagen, tive a oportunidade de fazer um aparte e dizer: “Não precisa pressionar ou fechar; basta não dar dinheiro para pesquisa, porque não tem”! Quem tem dinheiro são os de fora. Mas eles pesquisam lá, na nossa região; não precisam do dinheiro do Governo brasileiro, mas eles têm todo trânsito livre para entrar e sair. Porém, o pesquisador brasileiro não tem. É engraçado isso!

Tivemos que tomar uma iniciativa particular. Temos, na nossa região amazônica, 25 milhões de hectares de várzeas dormindo, Senador Mão Santa, altamente férteis. Mas pasmem: nunca foi feito uma pesquisa ou um projeto de mecanização dessas várzeas para a produção de grãos, de alimentos.

A nossa querida Embrapa, infelizmente, não tem recursos. E tivemos, numa iniciativa própria - minha e de alguns poucos companheiros -, de nos endividar na rede financeira e fazer, por nossa conta própria, essas experiências.

Quando iniciamos o nosso projeto, na área da piscicultura, da criação do peixe em cativeiro, foi para mostrar que se pode combater a pesca predatória sem perseguir ninguém, sem usar a polícia, sem usar a intimidação; simplesmente para mostrar uma outra alternativa racional da criação do peixe.

Quando começamos a fazer isso, éramos considerados loucos. “O Amazonas criar peixe”? Roraima é um grande criador de peixe, Rondônia também já está criando peixe, o Acre está iniciando agora a criação de peixe. Mas as pessoas se esquecem que a população cresce. E a pesca fica cada vez mais longínqua e torna-se mais cara a pesca nativa. É muito fácil e muito mais barato incentivar a criação de peixe para aqueles companheiros que, às vezes, têm que passar trinta dias em alto rio e, às vezes, não conseguem nada. É um custo altíssimo.

Quando começamos, éramos apenas uma meia dúzia. Hoje, já somos mais de 500. Aqueles loucos, hoje, já são mais de 500! Para 1,5 milhão de km² do Amazonas isso não é nada, mas, para quem não tinha nada, é muito. É uma nova atividade econômica que se está consolidando.

Os loucos partiram agora para a mecanização da várzea. Vou dar uns dados para V. Exªs: o custo da produção do milho, no Mato Grosso, no Paraná, só em termos de insumo adubo, vai em 50% -- sem falar no investimento, só o custeio. Nas nossas várzeas das águas barrentas do Solimões, do Amazonas, do Madeira, do Juruá, do Japurá, esse custo é zero. Não se coloca um grama sequer de adubo nas nossas várzeas.

A pesquisa que fizemos e que estamos realizando foi acompanhada por técnicos da Embrapa, a análise de solo. O único elemento que colocamos na cobertura foi o nitrogênio, 134 quilos por hectare, porque o milho é mais exigente em nitrogênio.

Vejam o que está dormindo na nossa região, a riqueza que temos em nossas mãos! Mas, pasmem, 25 milhões de hectares de várzea, Senador Mão Santa, e estamos fora do ProVarzea. Engraçado isso! Vinte e cinco milhões de hectares de várzea, e não pertencemos ao ProVarzea. Por que isso? Como eu disse, ontem, no meu pequeno aparte, há uma política internacional, não de internacionalização da Amazônia, porque a internacionalização do País já foi feita. É do engessamento de futuros concorrentes no mercado internacional. Eles não podem permitir a ascensão de mais um concorrente no mercado internacional. Imaginem utilizar 5% desses vinte e cinco milhões de hectares ao custo da nossa produção! Não vamos usar produtos químicos. Hoje, temos - a Embrapa já desenvolveu isto - tanto defensivos como herbicidas biológicos. Vamos usar as nossas várzeas na agricultura orgânica, sem produtos químicos, a um custo baixíssimo.

Mas, hoje, o que ocorre conosco? Temos que pagar quase dois sacos de milho para levar um saco de milho para o Amazonas. Isso encarece o nosso custo de vida e inviabiliza a criação de pequenos e médios animais. Todo frango de corte, consumido no Estado do Amazonas, vem de fora. Quem come frango, quem come um ovo é a população mais humilde, mais pobre; e ela é que é sacrificada. Essa é a nossa realidade.

Estamos em cima da riqueza, passando fome.

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOÃO THOMÉ MESTRINHO (PMDB - AM) - Estamos no que chamo “paraíso verde”, vivendo um inferno.

Antes de conceder um aparte ao Senador Alberto Silva, quero dizer que não vou ficar, a partir da semana que vem, aqui, no Senado. Assumirá o cargo o segundo suplente. Vou voltar para o meu interior, onde estou desenvolvendo esse trabalho e não posso interrompê-lo agora. É um trabalho solitário? Sim, considerado louco. E estou me endividando pessoalmente para poder executar algo cuja obrigação era do Poder Público, que não o faz. Mas eu o estou fazendo porque acredito na minha terra, acredito no caboclo do interior, e ele precisa ter esperança, porque ele não pode ser nunca elemento e moeda de troca, quando se negocia internacionalmente algo para este País. É o que estamos sendo.

Percorri todo o interior do meu Estado - 1,5 milhão de quilômetros quadrados. Conheço aquilo tudo e sei que o cidadão de lá não quer simplesmente fazer parte do zoológico para sair nas fotografias dos turistas. Eles querem ser considerados elementos ativos no desenvolvimento deste País, porque somos nós que moramos no extremo norte e que seguramos aquela fronteira, apesar de algumas regiões e de alguns segmentos deste País quererem nos considerar pessoas de segunda classe. Não admitimos isso.

Voltarei para lá na semana que vem, Sr. Presidente Mão Santa, lá para o meu interior, porque comecei, provoquei uma nova alternativa e não posso abandoná-los agora.

Infelizmente, eu gostaria de dizer a V. Exªs que não é uma falta de respeito ao nosso Senado eu ter que sair na semana que vem. Ao contrário, é acumular essa experiência que estamos executando lá e trazê-la, num futuro breve, para mostrar que deu certo.

Há esperança. Há uma saída para o homem rural do Amazonas, para que ele possa realmente sobreviver.

As pessoas falam muito, neste País, em fixar o homem no campo, mas o que prende o homem a qualquer lugar, no campo ou na cidade, é dinheiro no bolso, é ter como sobreviver, porque senão ele parte e vai procurar onde possa fazê-lo. Se não lhe forem dadas condições de sobrevivência, ele vai para os guetos. Aí, vira o Rio de Janeiro, vira São Paulo, viram esses grandes centros, em que a violência não sabe mais quem é quem.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Senador Thomé Mestrinho, quero pedir-lhe um aparte.

O SR. JOÃO THOMÉ MESTRINHO (PMDB - AM) - Concedo um aparte ao Senador Alberto Silva.

O Sr. Alberto Silva (PMDB - PI) - Não deveríamos interromper o discurso de V. Exª, porque é edificante - aliás, é uma revelação, porque sabemos à distância, mas não com a precisão com que V. Exª está colocando -, mas, ainda assim, quero apenas discorrer mais um pouquinho sobre o assunto. Vinte e cinco milhões de hectares de várzeas! Imagine V. Exª que se gastam dois litros de óleo diesel para se levar um litro de combustível para a Região Amazônica. Isso é algo insuportável. E fala-se que se podia produzir biodiesel usando-se as oleaginosas da Amazônia, por exemplo, o dendê ou qualquer outra. Aí, a Petrobras diz que autoriza, mas mistura apenas 2% do biodiesel, do óleo de dendê, por exemplo. Nesse caso, 98% continuam a ser diesel. Dessa forma, caro Senador, eu poderia sugerir que formássemos um grupo de trabalho, no Senado, para dar reforço à iniciativa de V. Exª e alertar a Nação para o seguinte fato: se os lavradores de lá precisam sobreviver - e, como V. Exª disse muito bem, sobrevivem e não vêm para os centros, para serem pobres nas periferias do País com dinheiro no bolso -, sabe quanto precisam, Senador? Com 3 hectares de várzea, uma família, ao invés de milho, plantar soja, terá 20% de óleo, que, transformado em biodiesel, pode ser usado diretamente no motor, não precisa ser misturado com óleo mineral. E, veja bem, lá serão produzidas 3 toneladas de soja por hectare, tenho quase certeza, ou mais, por causa da fertilidade da várzea da Região Amazônica. Digamos que sejam 3 toneladas por hectare, o resultado seriam 9 toneladas de soja a R$1 mil a tonelada. Senador, é muito dinheiro que se poderia obter e ainda há o biodiesel oriundo da soja. Grandes indústrias poderiam ser montadas e ninguém poderia reclamar. Nossos adversários lá de fora não deixam que façamos uma produção, mas não interferem quanto ao combustível, porque ele falta no mundo inteiro. A Amazônia pode produzir 5 bilhões de litros de biodiesel nas várzeas, plantando soja, Senador. A Petrobras está importando essa quantidade de óleo diesel. Só na Região Amazônica, nas várzeas, que V. Exª acaba de citar, poderíamos dar trabalho a milhões de brasileiros, que poderiam ir do Nordeste para lá, como já foram outras vezes, se não houver gente suficiente na Amazônia. Eu quero parabenizá-lo e pedir desculpas por interromper o excelente discurso que faz. Antes de ir embora, volte outras vezes, Senador. Vamos arranjar mais tempo e fazer uma corrente, uma “Frente Parlamentar Pró-Várzea Amazônica”, Pró-Projeto do Senador João Thomé Mestrinho. Parabéns a V. Exª.

O SR. JOÃO THOMÉ MESTRINHO (PMDB - AM) - Obrigado pelo aparte de V. Exª, Senador Alberto Silva, por trazer mais essa luz do biodiesel, porque não há apenas a soja. Há várias leguminosas, inclusive nativas, que podem produzir excelente óleo. A soja é uma alternativa muito boa. Para se ter uma idéia, a produtividade do milho, na várzea, é de 8 toneladas por hectare - isso em nível de grandes regiões produtoras do País. A soja, lá, dá um pouquinho mais do que a média nacional. Em Roraima, deve estar dando em torno de 61 a 62 sacas por hectare em algumas regiões e, em outras, em torno de 45 a 48 sacas. Então, pode-se ver que o potencial é grande.

Agradeço o aparte de V. Exª e daremos nossa contribuição lá, mostrando que a Amazônia também é Brasil.

Concedo o aparte ao companheiro Mozarildo Cavalcanti.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Senador João Thomé Mestrinho, considero o Senador Gilberto Mestrinho, que já foi Deputado pelo Território Federal de Roraima, PhD em Amazônia e V. Exª também está demonstrando que é um professor nessa matéria.

O SR. JOÃO THOMÉ MESTRINHO (PMDB - AM) - Um bom aluno.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PPS - RR) - Na verdade, fico muito feliz por ver que os Senadores da Amazônia têm, reiteradamente, mostrado ao Brasil o quanto é importante voltar os olhos para aquela região, o quanto de sua potencialidade tem ficado engessado por medidas que nós, brasileiros, tomamos, num processo de internacionalização do País. Internacionalizada, realmente, nossa economia já está, em benefício dos países desenvolvidos. Tenho, reiteradamente, feito propostas a respeito de coisas simples que podem ser feitas, como essa que V. Exª está colocando, das várzeas do Amazonas, e a dos lavrados de Roraima, por exemplo, em que não precisa ser derrubada uma árvore sequer para que se produza, mas onde são usados outros mecanismos para se impedir a produção da soja, maior que a média nacional, do próprio milho e de outros grãos. Quero parabenizá-lo pelo pronunciamento e dizer que lamento a informação que V. Exª nos dá de que vai nos deixar na semana que vem. V. Exª deixará apenas este convívio, mas, tenho certeza, vai-nos ajudar muito na luta para tornarmos a Amazônia realmente integrada ao restante do Brasil e desenvolvida como merece ser.

O SR. JOÃO THOMÉ MESTRINHO (PMDB - AM) - Obrigado pelas suas palavras, Senador por Roraima, Estado irmão, que ainda irá dar muito a este País, principalmente depois que se abrir a conexão com a Guiana, criando-se um novo porto de escoamento da produção do nosso extremo Norte. Torcemos para que isso aconteça.

É a nossa realidade, Senador Mão Santa. Ouvi com muita atenção V. Exª falando do Piauí.

O Brasil é uma coisa só; o respeito deve ser, pois, um só.

Certa vez, numa festa popular, posteriormente ao processo de abertura, de redemocratização do País, apresentei um artista, dizendo: “Vou apresentar, agora, um companheiro, um artista, cantor, compositor, que pertenceu à resistência democrática neste País”. Ele subiu ao palco, pegou o microfone e disse: “Não da resistência democrática, mas da permanência democrática”. Ele talvez nem se lembre, eu era um cidadão no meio do povo, no meio da massa, pegando o microfone para anunciá-lo, e hoje ele é Ministro, Gilberto Gil. Ele fez um show no Amazonas.

Digo uma coisa a V. Exªs: o mais difícil não é conquistar a democracia; o mais difícil é exercitar a democracia. Aí é duro; aí é que vamos ver quem é quem, quais os resquícios autoritários que estão incorporados à nossa cultura, porque democracia não é só ter a liberdade de falar; democracia não é só ter a liberdade de imprensa e de escrever, não é só isso. Isso é um elemento a mais que compõe o processo democrático. Democracia é termos condições de sobreviver num País desigual; termos oportunidade de trabalho, de uma boa educação, que está sendo, nesses últimos doze anos, sucateada; ter uma boa saúde que está sendo, nesses últimos 12 anos, sucateada. O Estado está abrindo mão, despindo-se das suas principais responsabilidades: educação, saúde e criação de condições de trabalho para o seu povo.

O ensino público, que V. Exª freqüentou no Rio de Janeiro, formando-se em Medicina, está sendo sucateado. Por quê? Recentemente, por um pronunciamento, eu soube que foram contratadas 90 mil bolsas de estudo para o nível superior nas escolas privadas, em detrimento da escola universitária pública. Por que isso? Por que esse afã de querer liquidar a base da formação do nosso povo? E nos Estados menores?

Outro dia, eu ouvia falar aqui de prostituição infantil, de prostituição da juventude. Com todo o respeito às companheiras e aos companheiros que freqüentam, em alguns Estados, as universidades privadas, quero dizer que elas são caras, que elas proliferaram no País como as quitandas de esquina, os comércios. Há lugares onde em cada esquina existe uma universidade, uma faculdade. E são caríssimas as mensalidades, Senador Mão Santa. E, às vezes, para pagá-las, algumas pessoas têm que se vender, se prostituir. Vejam como mudou o patamar.

Outrora as pessoas se prostituíam para sobreviver, para comer; hoje o fazem para estudar. E a educação é uma obrigação do Estado - que não está nem aí. A máquina arrecadadora do Estado é uma das mais perfeitas do mundo. Para tirar dinheiro do bolso do contribuinte, o Estado se aperfeiçoou. Mas não aperfeiçoou a devolução desse recurso em benefício da sociedade e do contribuinte. Daí o resultado é a violência; daí resulta cada um por si e Deus por todos.

Vejo nas manchetes citadas por V. Exª, sobre a violência no Rio de Janeiro: “Prenderam o chefe do tráfico na região tal, no Rio de Janeiro”. E o cidadão mora em um barraco! Ele não é chefe do tráfico! O chefe do tráfico não mora em barraco! O chefe do tráfico mora em coberturas, em mansões. Quem mora ali é um atravessador, um pobre coitado. Chefe de tráfico não anda de calção samba-canção, nem de chinelo havaiana no pé, nem com camisa rasgada. Mas sai no jornal: “Chefe de tráfico é preso”. Não é por aí. Querem ir à raiz? Vamos à raiz! Essa a realidade do nosso País.

E nós, lá no extremo norte, não queremos que isso vá para lá, não queremos que isso aconteça lá. E só existe uma maneira de não acontecer: é criar alternativa econômica; é gerar produção, para que as pessoas possam ter o seu ganho, e, com o seu ganho, manter sua vida e sua família com dignidade. É isso que queremos. É tão simples! Na nossa visão amazônica, é tão simples!

Não podemos ficar lá dependendo única e exclusivamente da Zona Franca de Manaus, que contribui com mais de 90% dos nossos impostos, e com aquela imensidão vazia. E tem mais: começamos a fazer experiência na várzea e já algumas vozes, de movimentos “ambientalistas” querem nos combater, porque vamos causar impacto ambiental, vamos destruir a Amazônia!

Ora, se não usamos adubo químico, se não usamos defensivo químico, vamos destruir o quê? Ao contrário, vamos destruir os interesses deles no comércio internacional dos produtos que eles defendem lá fora. É isso que vamos destruir! E vamos estar lá, na luta.

Certa vez eu disse, em uma reunião, que o Ibama, que o Ipaam, que nenhum desses órgãos me intimida. Vou continuar a fazer esse trabalho. Para eu parar de fazer esse trabalho, Senador Mão Santa, só com algema, e assim mesmo ela tem ser bem apertada, porque, na minha região, sei o quanto sofre o homem que mora no interior, porque vivo com ele, moro com ele, convivo com ele.

Muito obrigado pela paciência.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/11/2004 - Página 37368