Discurso durante a 164ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Alerta para o perigo da ingestão de esteróides anabolizantes.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Alerta para o perigo da ingestão de esteróides anabolizantes.
Publicação
Publicação no DSF de 19/11/2004 - Página 36968
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • COMENTARIO, NOTICIARIO, MORTE, MOTIVO, UTILIZAÇÃO, HORMONIO ARTIFICIAL, DEBATE, AUMENTO, SUBSTANCIA, MEDICAMENTOS, VETERINARIA, ABUSO, ATLETAS, JUVENTUDE, RISCOS, SAUDE PUBLICA, DETALHAMENTO, PREJUIZO, DIFICULDADE, CONTROLE, DEFESA, PREVENÇÃO, FISCALIZAÇÃO, REPRESSÃO, PRIORIDADE, CAMPANHA EDUCACIONAL.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, recentemente, o falecimento de um jovem de 21 anos, morador de Padre Bernardo (GO), ganhou as páginas dos jornais. O jovem foi vitimado pela ingestão de esteróides anabolizantes, prática que, devido ao culto do corpo hoje reinante na sociedade, tem-se tornado cada vez mais comum entre nossos jovens, trazendo preocupação às famílias brasileiras.

            Os esteróides anabolizantes são hormônios naturais ou sintéticos que promovem o crescimento e a divisão celular, gerando aumento de massa muscular. Além dos esteróides, existem também peptídeos anabolizantes. Na atualidade, a somatropina, um hormônio do crescimento desenvolvido para o tratamento do nanismo e que vem sendo usado por atletas para aumentar a massa muscular, é o único peptídeo da lista das 28 substâncias consideradas anabolizantes.

Sr. Presidente, o risco associado ao consumo indiscriminado de anabolizantes é reconhecido internacionalmente pelos médicos. A legislação brasileira definiu as 28 substâncias que necessitam de controle especial e de procedimentos específicos para sua prescrição e dispensação. O abuso de esteróides anabolizantes é um problema de saúde pública, que vem se disseminando entre esportistas e fisiculturistas, mas também entre adultos jovens com preocupações marcadamente estéticas.   

Os efeitos colaterais dessas substâncias incluem uma longa lista de manifestações psicológicas e físicas, muitas vezes irreversíveis: irritabilidade, agressividade e depressão; acne severa, calvície precoce, redução da libido, atrofia dos testículos, ginecomastia em homens ou masculinização nas mulheres, alterações hepáticas e gástrico-intestinais, elevação dos níveis pressóricos e do colesterol, aumento do músculo cardíaco, câncer e, em adolescentes, anomalias no crescimento ósseo, resultando em baixa estatura.  

A testosterona é o exemplo mais conhecido dos esteróides anabolizantes naturais. A evolução da ciência permitiu que fosse sintetizada já em 1935. Quatro anos depois, foi sugerido que a sua aplicação pudesse aumentar o desempenho atlético. Em 1945, o escritor norte-americano Paul de Kruiff publicou seu livro The male hormone (O hormônio do homem), o qual contribuiu para difundir as drogas anabolizantes sintéticas. A partir daí, o uso espalhou-se rapidamente. Primeiro, entre os fisiculturistas da Costa Oeste dos Estados Unidos; depois, por várias outras modalidades esportivas, chegando aos atletas olímpicos em 1964, nas Olimpíadas de Tóquio.  

Na atualidade, seu uso constitui doping, ou seja, ingestão de substância proibida com o objetivo fraudulento de aumentar o desempenho do atleta em competição. O Comitê Olímpico Internacional tem-se esforçado por expurgar a prática, mas, sobretudo em algumas modalidades, como o levantamento de peso, o fisiculturismo e o atletismo, o superuso tem assumido um caráter epidemiológico. Um estudo americano aponta que cerca de 300 esteróides já foram banidos do esporte por órgãos daquele país. Ainda assim, e contando com controles diversificados, para que os Senhores Senadores tenham uma idéia, em 1993, nos Estados Unidos, mais de 1 milhão de usuários já haviam feito uso de esteróides anabolizantes. Oito anos depois, em 2001, o número de usuários havia subido para 1 milhão e meio, dados que podem estar tranqüilamente subdimensionados.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, e essa não é, todavia, a pior faceta do problema. Do ponto de vista social, a preocupação maior é que o uso de esteróides anabolizantes aumenta na mesma medida em que cresce o culto do corpo. O hedonismo da sociedade atual tem influenciado enormemente os adolescentes e jovens, que são especialmente vulneráveis a diversos tipos de influências. O adolescente do sexo masculino, sobretudo, tem sido vitimado pela tentação fatídica de constituir um corpo belo e forte, cedendo à ditadura de um modelo estético apolíneo impiedoso.  

Os especialistas já começam a falar que os praticantes compulsivos da chamada “malhação” estão a caminho da vigorexia. O professor de Psicologia Aplicada à Educação Física e aos Esportes da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), João Serapião de Aguiar, disse recentemente a um jornal que “a vigorexia é um dos distúrbios dismórficos corporais em que a pessoa enxerga em si mesma um defeito imaginário, quase delirante”. A resultante é que os afetados simplesmente perdem a noção acerca de seu físico, e pretendem cada vez mais aperfeiçoá-lo, não se prendendo a limites nem se limitando por eventuais decorrências de saúde. Aliás, a malhação parece estar se dissociando do conceito de saúde, aproximando-se cada vez mais de um ideal físico de recorte apenas estético.  

Ao que parece, a dismorfia corporal está na base de resultados como os encontrados pela pesquisa promovida pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), concluída em novembro de 2002, que constatou ser significativo o número de jovens paulistanos não esportistas que se utiliza indevida e abusivamente de anabolizantes, com o único fim de alcançar o aperfeiçoamento estético.  

Sr. Presidente, ainda mais grave é a constatação de que essas pessoas estão consumindo drogas destinadas ao uso animal. Apenas alguns dias após a morte do estudante de Padre Bernardo, surgiram outros casos, envolvendo rapazes do entorno de Brasília e de cidades do interior de Minas Gerais. Ao que tudo indica, os rapazes haviam ingerido anabolizantes de uso animal, entre eles o anabólico de fabricação argentina conhecido como Estigor, indicado para engorda de gado, mas proibido no Brasil pelo Governo Federal desde 1991.  

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, os anabolizantes são vendidos livremente em lojas de produtos veterinários. Tais produtos, usados para engordar bois e cavalos, já fizeram duas vítimas em menos de uma semana na cidade de Juiz de Fora, na Zona da Mata de Minas Gerais. Um vigilante de 34 anos foi internado com insuficiência parcial dos rins, hepatite aguda e fígado aumentado. Há cerca de 30 dias, um soldado do exército teve de ser submetido a uma cirurgia para retirar parte do braço, necrosada devido a complicações pelo uso do anabolizante Nandrolona. Ele também aguarda o resultado de uma biópsia do fígado, que vai verificar se há indícios de câncer. Além disso, foi submetido à endoscopia digestiva e exames cardiovasculares. Os exames revelaram insuficiência renal e hepatite.  

Sr. Presidente, a Lei nº 9.965, de 27 de abril de 2000, de autoria do nobre Senador Ney Suassuna, a quem cumprimento, condiciona a venda de medicamentos do grupo terapêutico dos esteróides ou peptídeos anabolizantes para uso humano à apresentação e retenção, pela farmácia, de cópia da receita emitida para este fim. O Projeto de Lei da Câmara no 66, de 2004, que, na origem, foi o Projeto de Lei no 3.341, de 2000, de iniciativa do Deputado Neuton Lima, altera o art. 1o dessa Lei, excluindo os odontólogos da prerrogativa de prescrever esteróides e peptídeos anabolizantes, ao mesmo tempo em que dispõe sobre os dados da receita desses fármacos.  

Há, também, em âmbito federal, a Portaria do Ministério da Saúde no 344, de 12 de maio de 1998, atualizada periodicamente por meio de Resoluções, que estabelece a Lista de Substâncias Entorpecentes, Psicotrópicas, Precursoras e outras sob Controle Especial. Recentemente, o Ministério Público Federal recomendou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que as embalagens secundárias e bulas dos medicamentos que contenham substâncias esteróides ou peptídeos anabolizantes adotem os dizerem “Este medicamento não é adequado para estimular o desenvolvimento muscular em indivíduos sadios ou para aumentar massa física”. O exame da legislação vigente demonstra, assim, que há suficiente regulação quanto a essa matéria.  

Caberia indagar, o motivo pelo qual continuam a ocorrer as tragédias que vimos relatando. Quer nos parecer que são dois os problemas principais a serem combatidos: o primeiro está no medicamento de uso veterinário, sobre o qual ainda não se tem controle adequado da circulação e do comércio. O segundo reside no contrabando vertiginoso dos anabolizantes de uso em humanos.  

Ambos os casos convergem para o seguinte diagnóstico: o que tem faltado é a ação preventiva, fiscalizatória e também repressora das autoridades sanitárias dos Ministérios da Saúde, Fazenda, Justiça e Agricultura e seus congêneres nos Estados, Municípios e no Distrito Federal.  

Com efeito, em setembro, o Ministério da Agricultura e a Associação Brasileira de Estudos e Combate ao Doping (ABECD) trataram do estabelecimento de um convênio para traçar um mapa e um diagnóstico do comércio de medicamentos veterinários no País. O grupo terá a missão de detectar irregularidades no mercado, principalmente no que diz respeito à venda de esteróides anabólicos.  

Quanto ao contrabando, o que se impõe é um combate decidido, vigoroso e diuturno por parte da Polícia Federal. Nosso entendimento é de que não se deve esmorecer um só segundo diante do tráfico, seja de entorpecentes, seja de medicamentos. É de todo recomendável, ainda, que haja um controle mais efetivo nas academias de ginástica, sabidamente um local em que impera o comércio ilegal dessas substâncias, chamadas de “bomba”. De outro lado, há que se ressaltar, também, que as delegacias do consumidor devem exercer papel mais ativo quanto à circulação e ao comércio dos esteróides anabolizantes legalizados. No Distrito Federal, por exemplo, no ano de 2002, os estabelecimentos que possuíam a autorização especial da Anvisa para comercializá-los alçavam a um número modesto: apenas 28.  

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por fim, é preciso dizer que, considerando o fato, inquestionável, de que são exatamente os jovens que estão passando a fazer uso dessas substâncias quase sempre nocivas, cabe empreender uma intervenção educacional o mais rapidamente possível, a fim de esclarecer esse segmento da população e evitar o uso precoce dos esteróides anabolizantes. Foi noticiado que existem duas escolas do Distrito Federal sob suspeita de terem se tornado um centro de comércio dessas substâncias. Nesse exato momento, investigações estão sendo conduzidas pela Polícia Federal, a fim de determinar a veracidade das denúncias.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/11/2004 - Página 36968