Discurso durante a 164ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise dos fatores responsáveis pelo desgaste do Congresso Nacional frente à sociedade brasileira.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO. POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • Análise dos fatores responsáveis pelo desgaste do Congresso Nacional frente à sociedade brasileira.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 19/11/2004 - Página 36893
Assunto
Outros > LEGISLATIVO. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • ANALISE, PREJUIZO, REPUTAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, FRUSTRAÇÃO, EXPECTATIVA, POPULAÇÃO, REFERENCIA, REFORMA CONSTITUCIONAL, PREVIDENCIA SOCIAL, REFORMA TRIBUTARIA, REFORMA POLITICA, DEMORA, TRAMITAÇÃO, PARALISAÇÃO, MATERIA, COMERCIALIZAÇÃO, VOTO, CONGRESSISTA, LIBERAÇÃO, EMENDA, ORÇAMENTO, DISCRIMINAÇÃO, PARTIDO POLITICO, OPOSIÇÃO, GOVERNO.
  • CRITICA, EXECUTIVO, EXCESSO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), REGISTRO, DADOS, ESTUDO, UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP), EMPOBRECIMENTO, POPULAÇÃO, BRASIL, PERIODO, GOVERNO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), PROTESTO, AUMENTO, TAXAS, JUROS, TRIBUTAÇÃO, PREJUIZO, CRESCIMENTO ECONOMICO, EFEITO, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, FAVORECIMENTO, BANCOS.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

Deve haver, escondida nos subterrâneos do Congresso, uma escola de malandragens, golpes, perfídias e corrupção. Não é possível que tantos Congressistas já nasçam com tanto conhecimento.

(Millôr Fernandes)

Essa não é uma afirmativa de minha autoria, mas do genial Millôr Fernandes.

Não venho à tribuna discutir se Millôr Fernandes foi rigoroso em excesso com relação a parte daqueles que integram o Congresso Nacional, mas pretendo refletir sobre a sua afirmação, tendo em conta o que estamos produzindo no Congresso Nacional para atender às expectativas da sociedade brasileira.

Por que afirmações como essa encontram espaço no Brasil de hoje? Certamente porque o Congresso Nacional, como instituição fundamental do regime democrático, não vem atendendo às expectativas da sociedade. As reformas não se realizam ou produzimos reformas mal acabadas. Reformas mal acabadas, sim, como a da Previdência, que considero às avessas em relação à proposta de campanha do Partido dos Trabalhadores; ou a reforma tributária, que chegou ao Senado Federal como verdadeiro monstrengo e recebeu, aqui, a necessária cirurgia na direção do seu aprimoramento, mas, lamentavelmente, encontra-se retida nos escaninhos da Câmara dos Deputados, provocando a insatisfação dos setores produtivos do nosso País, cujas lideranças chegaram a Brasília, ontem, para reivindicar a conclusão do processo de reforma tributária no nosso País.

A reforma política não acontece. A reforma política anunciada, prometida, a decantada reforma política não ocorre para conferir ao País um modelo político compatível com a realidade brasileira. O que se vê é a tentativa de se comprometer definitivamente a aspiração da reforma política, porque já se fala no fim da verticalização. Os pragmáticos podem postular o fim da verticalização como forma de facilitar coligações partidárias para o pleito de 2006 nos Estados e na União, mas a sinceridade os obrigará a afirmar que estão abrindo mão da tese de que a reforma política é importante para cumprirmos com o nosso dever na atividade pública.

Não há como falar em reforma política e defender o fim da verticalização. Aliás, defender o fim da verticalização afronta a Constituição, porque ela institui partidos nacionais; e a possibilidade de coligações diferenciadas em cada unidade da Federação afronta esse conceito de partido nacional.

Não é nosso objetivo analisar a reforma política que se pretende para o Brasil. Estamos analisando o desgaste que sofre o Congresso Nacional em função de atitudes que não correspondem às exigências da população brasileira.

A revista Época desta semana, sob o título “Em Ritmo de Tartaruga”, informa que a Câmara dos Deputados está paralisada há cerca de seis meses, com mais de 460 propostas encalhadas - e são 23 medidas provisórias trancando a pauta -, entre elas matérias importantes, como a da Biossegurança, a de Lei de Falências e das Agências Reguladoras estão aguardando oportunidades de deliberação.

De outro lado, como forma de anunciar a disposição de trabalhar, Congressistas da Câmara dos Deputados exigem a liberação das emendas parlamentares, o que a imprensa brasileira anuncia como barganha. A forma como se divulga o fato e, sobretudo, a postura que adotam para esse tipo de reivindicação passam a imagem clara da existência de uma relação promíscua do Poder Executivo com o Poder Legislativo; passam a idéia de que somente há produção legislativa quando o Governo dá a resposta aos pleitos de forma desonesta. É o que se pressupõe diante da forma como se estabelece essa negociação para liberação de recursos orçamentários.

Na esteira dessa discussão, estabelece-se a discriminação. Parlamentares da base de apoio do Governo merecem a liberação das emendas parlamentares; os opositores, nem tanto.

É claro que essa situação estimula afirmações como a de Millôr Fernandes, que, evidentemente, na sua genialidade, tem o direito à manifestação da indignação, exacerbando, pela linguagem escrita, sentimento que não é dele, pessoal. Trata-se de um sentimento coletivo que, lamentavelmente, nos assombra, porque avassalador em todo o País: a descrença que se generaliza a cada momento em relação às instituições públicas brasileiras.

Nestes dias, duas medidas provisórias foram rejeitadas e uma outra, por decurso de prazo, foi arquivada, numa demonstração da banalização do instituto da medida provisória. O Governo não legisla de outra forma, legisla apenas por meio de medida provisória, impondo imediatamente os seus efeitos para cobrar, posteriormente, do Congresso Nacional, a homologação dos seus atos, sejam eles corretos ou incorretos.

Na contrapartida dessa situação, o Brasil empobrece. O empobrecimento da população no primeiro ano do Governo petista foi tão intenso quanto o ocorrido em 1990, com a edição do Plano Collor. Essa não é uma conclusão da Oposição no Senado Federal, mas de um estudo da Unicamp, divulgado pela revista Carta Capital.

Na comparação entre 2002 e 2003, nada menos do que 3,3 milhões de pessoas com renda mensal familiar entre R$1.000,00 e acima de R$5.000,00 desceram na vida, passando a ocupar status social inferior. Cresceu em cerca de 3,5 milhões o número de pessoas com renda familiar abaixo de R$500,00 no primeiro ano do Governo Lula.

Segundo esse estudo da Unicamp, houve queda de renda em todas as estratificações sociais e, o mais grave, o número de indigentes com renda per capita inferior a R$78,00 aumentou em 2,7 milhões brasileiros no ano de 2003.

O Partido dos Trabalhadores, que proclamou ter a esperança vencido o medo, com sua conduta de incompetência e aversão à pregação anterior semeia o medo com os bolsões de miséria que crescem assustadoramente na periferia, sobretudo das grandes cidades brasileiras.

Na média nacional, a queda de renda foi de 7,2% na comparação com o ano anterior. Foi a maior queda de renda dos brasileiros nos últimos seis anos. E foi a queda de renda que motivou uma injustificada euforia do Governo durante a campanha eleitoral, quando alardeava o crescimento do emprego no País. O Governo comemorou estar gerando 1,2 milhão de empregos no País, neste ano. Não considerou, no entanto, que a geração de empregos deu-se em função das demissões ocorridas no ano anterior, exatamente para que se alcançasse a redução de salário dos trabalhadores, culminando com a queda de renda de 7,2% - recorde nos últimos seis anos, em nosso País. Os trabalhadores, neste ano, foram admitidos com salários inferiores aos que recebiam no ano anterior.

Portanto, o Governo não pode comemorar um feito como esse, que não o engrandece, não proclama competência e não significa avanço. Um feito como esse significa retrocesso, incompetência governamental, descumprimento dos compromissos assumidos e, sobretudo, sepultamento da esperança de mudanças prometidas à sociedade brasileira durante a campanha eleitoral.

No dia de ontem, mais um anúncio lamentável: pela terceira vez consecutiva, Senador Romeu Tuma, a taxa básica de juros da economia é aumentada em nosso País, passando de 16,75% para 17,25%.

Todos sabemos que a cada 0,5% de elevação na taxa de juros haverá R$5 bilhões, por ano, a mais, de dívida pública interna. Portanto, não é insignificante o aumento de meio ponto percentual na taxa Selic. Ao contrário, provoca impacto desastroso, nocivo aos interesses de crescimento econômico do nosso País. E é por isso que a classe empresarial, por unanimidade, lamenta a decisão de ontem, afirmando, como o Presidente da Fiesp, Sr. Paulo Skaff, que a decisão frustra a sociedade brasileira. O aumento mostra o quanto é efêmero fazer planejamento empresarial responsável no Brasil. Com juros altos, as empresas continuam enfrentando a concorrência do próprio Governo na captação de crédito.

O Presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Sr. Armando Monteiro Neto, afirmou que há um aprofundamento do aperto monetário e que a política do Governo provoca concentração de renda no País.

O Brasil já tem uma das taxas de juros mais altas do mundo, uma das piores distribuições de renda e de riqueza de todo o planeta, mas é bom destacar a palavra de um economista conceituado no seio do PT, Paulo Nogueira Batista Júnior, que afirma: “Os beneficiários da atual política são os bancos e os detentores de patrimônio financeiro, isto é, aquela minoria aquinhoada que embolsa os juros extraordinários pagos sobre papéis líquidos”. E os prejudicados, na avaliação de Paulo Nogueira Batista Júnior, e certamente na avaliação de todos os brasileiros, Senador Mão Santa, são os que vivem do trabalho, aqueles cujos empregos, salários e esperanças sofrem com a continuação de um quadro de crescimento econômico modesto e de duvidosa sustentabilidade.

Já me manifestei desta tribuna, por diversas vezes, e não me canso de repetir que me espanta ver o Governo comemorando o crescimento da nossa economia quando sabemos que a nossa economia só não cresce na América Latina menos do que a do Paraguai e a da Guiana. É evidente que o nosso País tem potencialidades extraordinárias, que superam as dos demais países da América Latina. Portanto, estamos desperdiçando oportunidades preciosas num bom momento da economia mundial. E é preciso destacar que este bom momento não pode ser entendido como eterno. Sabemos das crises, das tempestades devastadoras que ocorrem circunstancialmente em função da explosão da crise econômica em grandes potências. Não é de se desejar que isso ocorra, mas é de se estar atento à eventualidade de que isso possa vir a ocorrer, como já ocorreu em outras oportunidades quando menos se esperava no nosso País.

O Governo se mostra negligente nesse aspecto. “O Banco Central se mostra omisso ou negligente em outros aspectos vitais para a defesa da economia contra choques externos e internos. As reservas internacionais do nosso País são insuficientes para fazer face a novas fases de instabilidade que certamente virão. O Banco Central vem deixando passar várias oportunidades para recuperá-las”, alerta o economista Batista Júnior.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Embora o meu tempo esteja se esgotando, Senador Mão Santa, e ainda tenho um outro ponto importante a destacar, concedo, com satisfação, o aparte a V. Exª.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Alvaro Dias, estamos ouvindo atentamente V. Exª, assim como o País todo está, apontar, desde Millôr Fernandes, as críticas à política, ao Senado. Senador Efraim Morais, lembraria o General Charles de Gaulle quando aqui esteve. Em uma reunião no Itamaraty, foram-lhe apresentados uns vinte generais - só faltou o “general da banda”. Senador Juvêncio da Fonseca, a França tem quatro generais apenas; em caso de guerra, cinco. Em apenas uma solenidade no Brasil, foram-lhe apresentados duas dezenas de generais. Foi então que ele disse aquela célebre frase: “Este não me parece um país sério”. Parodiando o General De Gaulle, digo que este não é um Governo sério, Senadora Heloísa Helena. Aqui temos as leis - ontem, votamos a reforma do Judiciário -, fonte da justiça; as leis, mandamento de Deus. Mas aqui somos desmoralizados com a Lei do Orçamento e as emendas. Senador Alberto Silva, V. Exª e eu governamos o Estado do Piauí, e bem. E, para ensinar virtudes cívicas, eu, quando governei o Estado do Piauí, Senador Juvêncio da Fonseca, fui oposição - não tinha nenhum Senador do meu lado; o Senador Alberto Silva era Deputado Federal -, e, quando chegavam essas emendas, eu nunca as tirei, porque era um direito consagrado, de respeito. Senador Alberto Silva, caparam todas as minhas emendas. Este não é um Governo sério. Quando vieram as enchentes, fui a uma audiência, Senador Efraim Morais, com o Ministro Olívio Dutra: “Não tem dinheiro”. Aí, o chefe da Bancada, um homem experimentado, deu-nos uma sugestão: “Tem. Já está aprovada a lei dos Senadores e dos Deputados, para acelerar”. A minha foi disponibilizada, mas com o acordo de voltar para aqueles nossos compromissos. Senador Romeu Tuma, caparam todas, não voltou nenhuma. Então, este não é um Governo sério. Meus cumprimentos, Senador Alvaro Dias! Mas dê-me mais um minuto. A verdade, ninguém a esconde. V. Exª está aí, como um vitorioso. Sei que o PSDB tem muita gente e, na hora em que nasce a criança, a vitória tem muitos pais e mães, mas foi aqui que ela foi construída. Não foi José Serra, não. Esse foi derrotado. Foram as circunstâncias dadas por este Senado, com os bravos Líderes do PSDB, como Arthur Virgílio, Leonel Pavan, Antero Paes de Barros, Tasso Jereissati e V. Exª, que fizeram o Partido despertar e surgir das cinzas, com vitórias inclusive na capital do Estado que V. Exª representa nesta Casa, o Paraná.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Muito obrigado, Senador Mão Santa. Eu poderia concluir o meu pronunciamento com o aparte, sempre brilhante, de V. Exª. Mas peço ao Presidente Romeu Tuma permissão para ocupar a tribuna pelo menos por mais um minuto para concluir, sintetizando um outro ponto fundamental. Aqui, ontem, a Senadora Ideli Salvatti afirmava que não é o Governo atual o responsável pela carga tributária que onera sobremaneira a produção do País, inibindo o crescimento econômico. Realmente, não é o Governo atual o único responsável pelo crescimento exacerbado da carga tributária no nosso Brasil. Lamentavelmente, temos uma das maiores cargas tributárias do mundo. A carga tributária no Brasil é simplesmente o dobro da média mundial. Este Governo não é responsável exclusivamente por isso. Mas ele prometeu e não cumpriu. Isso é absolutamente verdadeiro. Este Governo prometeu, reiteradamente, que não permitiria o crescimento da carga tributária; e ela cresceu. E não cresceu pouco, cresceu muito: cresceu de 36% para mais de 38% do PIB; e cresceu em setores fundamentais. A carga tributária consome 52,23%, se calculada sobre o lucro das empresas brasileiras; 47,14%, se calculada sobre o total de custos e despesas. Cresceu em setores fundamentais e, sobretudo, em função do ICMS, da Cofins, da contribuição da empresa para o INSS, do Imposto de Renda, do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, do IPI, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e do PIS. Todos tributos federais. Razão dessa arrecadação fenomenal do Governo da União. Nunca se arrecadou tanto neste País. Lamentavelmente, o Governo não tem tido competência para investir os recursos que arrecada em favor do crescimento nacional. Arrecada demais e inibe o crescimento; aplica mal, e, mais uma vez, inibe o crescimento.

Sr. Presidente, eu poderia citar os setores que mereceram a elevação maior dos tributos no País, mas vou concluir, mais uma vez destacando a importância de o Governo anunciar uma agenda positiva. Quase dois anos já se passaram. Estamos chegando à metade do mandato do Presidente Lula e este País não sabe o que pretende o Governo do PT. Na verdade, o que nós aprendemos nesses dois anos é que o modelo petista de governar consagra a incompetência de forma absoluta.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/11/2004 - Página 36893