Discurso durante a 166ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem de pesar ao economista Celso Furtado, recém-falecido.

Autor
Sergio Guerra (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PE)
Nome completo: Severino Sérgio Estelita Guerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Homenagem de pesar ao economista Celso Furtado, recém-falecido.
Publicação
Publicação no DSF de 23/11/2004 - Página 37416
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, CELSO FURTADO, EX MINISTRO DE ESTADO, ECONOMISTA, ADVOGADO, ESCRITOR, ESTADO DA PARAIBA (PB), RECONHECIMENTO, RELEVANCIA, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, PAIS, CRIAÇÃO, SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE), INCENTIVO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO NORDESTE.
  • CRITICA, FALTA, PRIORIDADE, GOVERNO FEDERAL, RETORNO, SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE).

O SR. SÉRGIO GUERRA (PSDB - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil perdeu Celso Furtado. Não vou afirmar que o grande brasileiro Celso Furtado não fosse contemporâneo; ele o era.

Em uma perspectiva do pensamento econômico brasileiro, ninguém mais do que ele foi suficientemente complexo, estruturado e interdisciplinar para ter, em relação à questão econômica do País, uma noção clara, não afetada de maneira permanente por episódios conjunturais. Nenhum economista atual foi mais seguro e denso do que Celso Furtado. No entanto, suas idéias econômicas - sustentados por muitos anos e por muita gente no Brasil - não valeram. Foram idéias, propostas, encaminhamentos, que não se transformaram em políticas públicas nos governos brasileiros, no plural, muito menos no Governo atual.

Falarei de maneira mais objetiva, como nordestino, sobre o papel de Celso Furtado, do seu pensamento e das suas idéias para o Nordeste do Brasil.

De todos os seus temas, não haverá outro no qual ele concentrasse mais o seu interesse do que o do desenvolvimento regional, no sentido mais amplo, e o do Nordeste, em particular. Não foi de muita gente - também não foi apenas dele - a noção de que era preciso superar todo um programa de desperdício, de subestimação do Nordeste, que caracterizou, naquele instante em que foi criada a Sudene, uma tomada de posição brasileira.

O Nordeste vivia e ainda vive, em grande parte, políticas que não equacionam o conjunto. Assistiu por décadas e mais décadas a programas de combate à seca que não produziam resultados: nem evitavam as secas, nem desenvolviam o Nordeste, nem criavam para a região condições mínimas para o desenvolvimento.

Celso terá sido quem - ao lado de muitos pensadores, muitos nordestinos, mas de um grupo em especial - deu a essas idéias dispersas um projeto, um caminho, um modelo. Esse modelo foi a Sudene, que, vista numa perspectiva histórica, morreu, enterrada no Governo Fernando Henrique, sacrificada no Governo atual.

A Sudene, na cabeça do nordestino e brasileiro Celso Furtado, tinha a ver não apenas com o Nordeste geográfico, mas com os “nordestes” espalhados pelo Brasil. No Rio de Janeiro, em Minas Gerais, no Paraná, no Rio Grande do Sul, em São Paulo, multiplicaram-se os “nordestes”. Buscando evitar a multiplicação do Nordeste, no Nordeste geográfico, o grande brasileiro Celso Furtado definiu um programa. Esse programa tinha como pressuposto básico a organização, a sistematização e o planejamento dos investimentos públicos federais em conjunto com os investimentos públicos estaduais. Mais ainda: em uma perspectiva antecipadora, absolutamente avançada para a época, a idéia de que tudo o que pudesse ser feito deveria ocorrer, como se defende hoje, na forma de uma parceria público-privada.

Celso imaginou, propôs e organizou um modelo que desse ordem, planejamento e prioridade aos investimentos públicos. Segundo, que definisse prioridade real, e não semântica ou demagógica para o Nordeste real, de fato, como ele é. Que o Nordeste tivesse uma perspectiva regional, perspectiva regional essa que foi alterada, quebrada, ao longo do tempo, entre outras razões, por conta de uma guerra fiscal que, em vez de reunir Estados em torno de projetos regionais, só fez com que se dividissem, numa disputa suicida que não conduziu ao equacionamento dos problemas básicos da região.

Haveria uma instituição regional que refletiria a decisão da República, do Estado brasileiro, de dar prioridade àquele pedaço do Brasil que concentra uma grande parte da pobreza brasileira, que tem uma grande concentração de pobreza, que era - e é - o Nordeste do Brasil.

Era preciso tomar a decisão, elaborar esse planejamento e fazer a interação com os investimentos privados. Que a Federação acontecesse não para desagregar os Estados ou centralizar as decisões na República ou no Estado nacional, mas, de uma forma justa, como se propôs no Nordeste, por meio de uma instituição que teria o papel que teve por muitos anos a Sudene.

Dramático é que as idéias de Celso Furtado não valeram, foram desperdiçadas ao longo do tempo. Que elas fossem desperdiçadas no tempo da ditadura é explicável, pois a ditadura, por natureza, concentrou poder, decisões. No momento em que ela concentrou decisões econômicas da forma como concentrou, as instituições regionais de desenvolvimento e as do Nordeste, de uma maneira especial a Sudene, somente se enfraqueceram. Ao longo da ditadura, o poder foi centralizado aqui de maneira dramática, mas não somente o poder e as decisões econômicas: as decisões em sentido geral foram centralizadas. A democracia estava revogada.

Contudo, revogada a ditadura, continuou a centralização. Aliás, para dizer a verdade, ela foi agravada, e o Nordeste foi tratado com absoluta demagogia, irresponsabilidade - e não há grandes exceções a isso. Foi assim que ocorreu.

Acompanhei a vida de Celso Furtado por uns bons trinta anos. Estive com ele ao longo desse tempo - não posso dizer que fui seu amigo, mas o conhecia bem. Era um brasileiro notável, desses que, a cada dia, ficam mais raros. Tinha pensamento geral, compromisso verdadeiro e idéia firme. Nunca se subordinou a essas modas e a esse subdesenvolvimento cultural que são a marca de grande parcela dos economistas brasileiros - que preferem sempre um pensamento que não é típico, um pensamento que é global, na previsão de que aquilo que é global é moderno e aquilo que é local é atrasado. Celso nunca foi prisioneiro dessa precária, subdesenvolvida e reacionária perspectiva. Sempre foi um moderno no sentido brasileiro, no sentido do seu povo, e não no sentido que nos é imposto.

Não estou aqui fazendo discurso nacionalista elementar, estou fazendo o discurso do país que sempre foi o de Celso Furtado - ele fez esse discurso e não valeu. Não valeu depois que foi revogada a ditadura e, o que é mais grave, não vale agora que o PT tomou o Governo. Não estou aqui hoje para apropriar-me de uma vida como a de Celso Furtado para fazer críticas impensadas, precárias e oportunistas, mas o atual Governo está devendo a Sudene ao Brasil.

Há cerca de dois anos fui a Fortaleza, como muitos foram, assistir a uma reunião na qual estavam todos os governadores do Nordeste, quase todos os ministros e mais de oitenta parlamentares. Nessa reunião, o Presidente da República - Celso Furtado presente - prometeu uma Sudene de fato, uma Sudene que tivesse, como prometeu em campanha, ligação direta com a Presidência, que tivesse poder, autonomia e mandato para fazer planejamento e ação regional, para dispor de recursos capazes de antecipar infra-estruturas que, no Nordeste, estão absolutamente atrasadas.

           Não vamos desenvolver o Nordeste se não investirmos novamente em infra-estrutura, se não houver infra-estrutura para trazer desenvolvimento logo a seguir. Mas nada disso foi considerado, as promessas não foram cumpridas, o pensamento de Celso Furtado morreu antes dele na perspectiva do poder, no Brasil. Ele morreu agora, mas as suas idéias não foram consideradas por esse Governo - não apenas por esse, mas é dramático que não tenham sido consideradas por esse que aí está.

           Fui, por longos anos, parlamentar de um partido da oposição - como sou agora de um partido da oposição -, mas da oposição ao Governo de então. O discurso do Nordeste sempre foi o de Celso Furtado. Grave é que não tenha sido considerado. É que hoje fazemos a homenagem que o Brasil faz à sua memória, à memória de grande brasileiro, pensador dos melhores, homem público reto, mas para o reconhecimento trágico de que suas idéias não foram revogadas no tempo, mas foram revogadas na prática, por governos que não souberam tratar nem desenvolver o seu ponto de vista, que era o ponto de vista do Brasil para grande parcela dos brasileiros.

           Morreu Celso Furtado e os seus compromissos de desenvolvimento não foram considerados nem pelo Presidente Lula nem por seus Ministros. A promessa não foi cumprida. A Sudene que nos prometem - se é que ainda nos prometem - não vale nada. Estamos subestimados, com uma instituição deplorável e deprimente no Nordeste, chamada Adene, que não tem um tostão de orçamento, mas que custa alguns trocados à República para não produzir nenhum resultado.

           A idéia da Sudene não tem a menor prioridade. O Governo - não fomos nós - revogou essa prioridade na Câmara dos Deputados, quando retirou o regime de urgência daquele projeto. Essa é a situação de fato.

           É preciso reconhecer hoje, quando o Brasil perde Celso Furtado, que muitos são responsáveis - não pela sua morte - por não terem dado conseqüência a muitas de suas idéias, que foram e são a idéia de grande parte dos brasileiros.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/11/2004 - Página 37416