Discurso durante a 166ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

A mesa associa-se às homenagens de pesar pela morte do economista Celso Furtado.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • A mesa associa-se às homenagens de pesar pela morte do economista Celso Furtado.
Publicação
Publicação no DSF de 23/11/2004 - Página 37448
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, CELSO FURTADO, EX MINISTRO DE ESTADO, ECONOMISTA, PROFESSOR, ESCRITOR, ESTADO DA PARAIBA (PB), RELEVANCIA, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, PAIS, IMPORTANCIA, OBRA LITERARIA.

 

O SR. PRESIDENTE (José Sarney PMDB - AP) - Em votação os requerimentos.

As Srªs e os Srs. Senadores que os aprovam queiram permanecer sentados. (Pausa.)

Aprovados.

Srªs e Srs. Senadores, quero associar-me às expressões de pesar manifestadas pelos Senadores que ocuparam a tribuna sobre o falecimento de Celso Furtado.

Perde o Brasil uma das maiores inteligências do País de todos os tempos, um homem que ocupou um lugar de referência em nossa história nos últimos cinqüenta anos.

Celso Furtado não era somente o economista, conhecido e respeitado no mundo inteiro, com passagens brilhantes na Sorbonne, em Cambridge*, em Harvard*, na Columbia; era também o professor, mestre de tantas gerações brasileiras. Humanista de formação universal, era também um pensador.

Foi um ponto de referência no estudo do Brasil e de sua economia. Seu livro Formação Econômica do Brasil* é, sem dúvida alguma, fundamental e indispensável. Podemos dizer que se situa dentre aqueles livros que permanentemente temos que ler: Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Hollanda*, Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre* e História Econômica do Brasil, de Caio Prado Júnior*. São livros que mudaram a concepção brasileira a respeito de como devíamos enfrentar o problema da pobreza e o problema social. Não só o lado econômico, mas a visão social que esses livros davam era um pouco aquilo que existiu na literatura quando Oswald de Andrade* disse que aqui no Sul estavam fazendo mudanças na literatura, e chegaram os búfalos do Nordeste, colocando a questão social acima de todas elas.

Com essa visão, Celso Furtado pôde conceber a sua política em relação ao Nordeste. Como homem de pensamento universal, abordou ao mesmo tempo tanto as questões universais quanto as questões tópicas.

Os anos nos fazem recordar referências ao longo da vida. Em 1959, estava no Rio de Janeiro, como Deputado Federal. A seca de 1958 tinha sido devastadora no Nordeste e um grupo de Deputados, na Câmara dos Deputados, colocávamos o problema da nossa Região diariamente, pedindo ao Presidente Juscelino Kubitschek*, ao Governo Federal, que tomasse uma posição em relação ao Nordeste.

            Naquele termpo nós, no Rio de Janeiro, um grupo de Deputados, dentre os quais quero citar Virgílio Távora e Edilson Távora, tínhamos à frente, permanentemente, o Dr. Celso Furtado. Ele pedia nosso apoio para uma nova política para o Nordeste. Devo lembrar também aqui, porque era muito ativo nessa ação, o Senador Remy Archer.

Até então, todas as metas propostas pelo Governo Juscelino destinavam-se à Região Centro-Sul. Criavam-se fábricas e grandes investimentos, mas o Nordeste era abandonado.

O Presidente Juscelino, sensibilizado com a campanha que fazíamos, mandou o General Ramagem* ao Nordeste, que fez um relatório. Este concluía, de uma maneira dramática, pela necessidade de, imediatamente, encararmos o Nordeste não em nível local, mas como algo que precisasse de uma solução nacional.

Recordo-me que foi nessa época que o Presidente Juscelino Kubitschek mandou o relatório para o Conselho de Desenvolvimento Econômico. Ali, Celso Furtado e Inácio Rangel* conceberam uma política de integração para o Nordeste que recomendava a criação de um órgão que era, nada mais nada menos, a Sudene. Deram ao Nordeste a visão de uma Região necessitada que, por meio de uma integração física, poderia enfrentar os seus problemas, daí a Lei de Incentivos Fiscais para o desenvolvimento da indústria, a extensão da fronteira agrícola até os vales úmidos do Maranhão e, também, a construção das estradas básicas que dariam ao Nordeste condições de escoar sua produção e, ao mesmo tempo, importar e criar novas fábricas.

Muitas pessoas, àquela época, diziam que, com relação ao Centro-Sul, tínhamos ações efetivas; no Nordeste, tínhamos uma oficina compensatória de sonhos. Aqui, tínhamos uma fábrica de estradas; lá, uma fábrica de sonhos.

Foi justamente nesse tempo que a figura de Celso Furtado, com a herança que possuía - nascido em Pombal, na Paraíba, e filho de uma família que, pelo lado do pai era ligada à magistratura e, pelo lado da mãe, era ligada a fazendeiros, aos problemas da terra -, criou a concepção segunda a qual o Nordeste passou a ser considerado não somente o polígono das secas, mas um lugar que precisava de uma profunda ação do Governo, porque o problema não era da falta de chuva, o problema era da falta de um governo que enfrentasse a questão social. No Saara não chove e não há problema, porque lá não existem agrupamentos humanos.

Portanto, é com uma imensa sensação de tristeza que aqui estou relatando esses fatos, recordando-me de Celso Furtado.

Conheci, então, o homem que estava acima dos problemas políticos. O professor que sabia construir. O teórico que sabia moldar a realidade. Depois, por esses caminhos da vida, tive oportunidade de convidar o professor Celso Furtado para ser Ministro da Cultura* do meu governo.

Antes disso, e aqui está o Senador Marco Maciel -- em sua casa -- quando procurávamos redigir o manifesto da Aliança Democrática, em determinado momento houve alguns impasses criados e algumas objeções feitas pelo Deputado Freitas Nobre a respeito daquele documento. Tancredo Neves, com aquele seu gosto conciliador, chamou Ulysses Guimarães e pediu: Ulysses, só temos um homem para solucionar isto, pela sua autoridade, sua respeitabilidade e pela confiança que inspira em todos nós. Vamos chamar Celso Furtado para redigir a parte econômica do Manifesto que está sendo elaborado pela Aliança Liberal.

Era essa regência moral e cultural que Celso Furtado exercia, não sendo político, em relação a todos os políticos.

            Como Ministro da Cultura, teve oportunidade de montar no Brasil inteiro a política de incentivos fiscais para a cultura. Esse era um projeto de lei que eu apresentava desde 1972 e que não tinha jamais tido oportunidade de se concretizar. Celso Furtado tomou a frente dessas idéias e implantou o sistema de incentivos fiscais à cultura. Esse mesmo que, com outros nomes e faces, está sendo desenvolvido. Mas é preciso que se diga que nasceu em nosso Governo, com Celso Furtado como executor do programa.

Assim, é com profunda comoção que falo de Celso Furtado, de quem tornei-me amigo; e da presença de sua mulher, Rosa Freire d’Aguiar*, testemunho de dedicada companheira e, ao mesmo tempo, exemplo de mulher a viver ao lado de um homem daquela capacidade.

Quero, ainda, recordar que propus - e tivemos a oportunidade, todos nós - que ele fosse indicado pelo Senado como Conselheiro da República, cargo em que se encontrava até o dia em que faleceu.

            Também, com alguns outros acadêmicos, sugeri o seu nome para a Academia Brasileira de Letras. No princípio, ele não gostava da idéia. Era um homem muito recatado e não queria de nenhuma maneira entrar para a Academia, achando que era um ambiente que não condizia com seu temperamento. Depois, ele aceitou. Todos os acadêmicos o procuraram e, na Academia, foi - está aí o testemunho do Senador Marco Maciel - um homem que prestigiou a Casa, pois cumpria com os seus deveres de acadêmico mais do que todos nós, comparecendo a todas as sessões e conferências, dando uma contribuição efetiva aos trabalhos da Casa, além do prestígio que trouxe à Academia, que ficou maior com a presença do economista Celso Furtado.

Portanto, com essas palavras, associando-me ao sentimento da Casa, quero dizer que o Brasil perdeu um grande homem; a inteligência brasileira, um dos mais importantes espaços na sua história; e eu, um amigo por quem tinha grande admiração e a quem devotava profundo respeito.

Peço a todos os Senadores, porque já aprovamos o requerimento, um minuto de silêncio em homenagem à memória de Celso Furtado. (Pausa)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/11/2004 - Página 37448