Discurso durante a 168ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o Fundo de Compensação das Exportações. Concessão de incentivos fiscais pelo Governo do Pará à empresa Cerpasa. (como Líder)

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DO PARA (PA), GOVERNO ESTADUAL.:
  • Considerações sobre o Fundo de Compensação das Exportações. Concessão de incentivos fiscais pelo Governo do Pará à empresa Cerpasa. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/2004 - Página 37897
Assunto
Outros > ESTADO DO PARA (PA), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • COMENTARIO, VITORIA, RECEBIMENTO, ESTADOS, RECURSOS, FUNDO ESPECIAL, COMPENSAÇÃO, EXPORTAÇÃO, SUPERIORIDADE, VALOR, DESTINAÇÃO, ESTADO DO PARA (PA).
  • CRITICA, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO PARA (PA), RENUNCIA, NATUREZA FISCAL, REMISSÃO, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), EMPRESA, CERVEJA, SUSPEIÇÃO, FRAUDE, EXPECTATIVA, POLICIA FEDERAL, DENUNCIA, PUBLICAÇÃO, PERIODICO, ISTOE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Pela Liderança. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, primeiramente, vou tentar cumprir o tempo até para que possamos ouvir a todos. Traz-me a esta tribuna uma discussão muito importante para o País, que é o Fundo de Compensação das Exportações que os Estados recebem.

A imprensa tem divulgado a exigência, que será feita por governadores e parlamentares, de que os recursos sejam ampliados. Neste ano, os Estados receberam R$6,5 bilhões pelo Fundo de Compensação das Exportações. Sabemos que esses recursos não são suficientes, mas houve vitórias e avanços. Sinto-me orgulhosa como Sub-Relatora da reforma tributária, representante do PT no ano passado. Essa vitória deu ao Estado do Pará - a medida provisória foi votada há duas semanas - o maior percentual entre todos os Estados brasileiros. Isso jamais havia acontecido para o nosso Estado, que, mesmo contribuindo muito com a balança comercial, nunca tinha tido esse critério reconhecido como referencial.

O que mais me espanta é que o Estado ainda assim reclamou e está abrindo mão de recursos de que necessita. O Estado precisa tanto do dinheiro das exportações, as empresas exportadoras são isentas de pagar ICMS, e o Governo do Estado do Pará está praticando um perdão fiscal.

A revista IstoÉ publicou preocupante reportagem acerca de possíveis fraudes no processo de concessão de incentivos fiscais por parte do Governo do Estado do Pará. A gravidade das denúncias faz com que tenhamos bastante cautela, devendo aguardar-se para que as investigações a serem levadas a cabo pela polícia e pelo Ministério Público Federal cheguem a seu termo para, efetivamente, podermos aquilatar a autoria e a materialidade dos delitos denunciados pela revista - não somente foram denunciados pela revista, mas também fazem parte de um processo feito pelo INSS junto ao Ministério Público Federal.

De um lado, há as supostas doações eleitorais ilícitas da empresa Cervejaria Paraense S/A - Cerpasa - à campanha do Governador Simão Jatene, que é caso para a polícia, para o Ministério Público e para o Judiciário, em que os denunciados devem ter garantido o seu amplo direito de defesa. Por outro, o processo de concessão de incentivos fiscais que vem sendo levado a cabo pelo Governador do Estado do Pará em relação a esta empresa pode, desde já, ser discutido, independente de seus aspectos penais.

No dia de ontem, o Governo do Estado publicou nota oficial buscando esclarecer a remissão de 95% do ICMS -- remissão significa perdão - à Cerpasa, feita por meio do Decreto Estadual nº 4.353, de 6 de novembro de 2000, logo após ter sido homologada a Resolução nº 16/2000, feita pela Comissão de Política de Incentivos às Atividades Produtivas no Estado do Pará, favorável à medida.

A política de incentivos fiscais do Estado do Pará, na época em que a Cerpasa obteve o benefício, era disciplinada pela Lei estadual nº 5.943/96, que, em seu art. 13, estabelecia entre os requisitos para a concessão de incentivos, a comprovação do cumprimento das obrigações fiscais junto à Fazenda Estadual, apenas mediante - vejam bem - Certidão Negativa de Débito.

Ocorre que, em 2000, a Cerpasa sofria um processo de execução fiscal no valor total de R$47.095.809,00 desde junho de 1999, antes, portanto, da concessão do incentivo.

Não conseguindo obter a Certidão Negativa de Débito, pré-requisito único para conseguir o incentivo fiscal, a empresa obteve junto à Delegacia de Grandes Contribuintes da Secretaria Executiva da Fazenda (Sefa), uma Certidão de Regularidade Fiscal, que é muito diferente da Certidão Negativa de Débitos, como todos conhecem.

A diferença entre ambas é conhecida, vez que a negativa de débito certifica o contribuinte já ter quitado seus débitos com a Fazenda, enquanto que a de regularidade fiscal - foi essa que a Cerpasa conseguiu - é concedida nos casos em que, mesmo existindo débitos, estes já estão reconhecidos e sendo pagos parceladamente.

No caso da Cerpasa, mesmo a Certidão de Regularidade Fiscal concedida em 2000 era uma temeridade e foi feita de forma indevida, pois, ao declarar que o contribuinte encontrava-se em situação regular por estar com seus débitos fiscais sob parcelamento, na forma da legislação vigente, a autoridade fiscal responsável pela lavratura da declaração descuidou-se de declarar que o parcelamento em questão se restringia ao valor principal, ou seja, ao valor do imposto, excluindo-se todos os valores acessórios - os acréscimos legais inscritos em dívida ativa, como multas, juros de mora e atualização monetária.

Na época, as autoridades fiscais paraenses desconsideraram uma certidão expedida no dia 16 de dezembro de 1999 pelo juízo da 21ª Vara Cível de Belém, onde se lê:

1-...em que sendo citada e executada (a Cerpasa) através de seus sócios Victor Villela Monteiro e Konrad Karl Seibel pelos correios, ofereceram EXCEÇÃO DE PREEXECUTIVIDADE, contestando os termos da execução, foi autuada neste cartório sob o número antes referido, que após manifestação do exeqüente foi a mesma por sentença datada de 19/08/99, publicada em data de 20/8/99, ‘rejeitada’ e devidamente transitada em julgado. CERTIFICO que, quanto à tramitação do Processo de Execução Fiscal, tendo decorrido o prazo legal, o executado não depositou o valor cobrado e nem ofereceu bens à penhora, estando em cartório aguardando conclusão ao juízo do feito para seu devido prosseguimento.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - AC) - Tentarei concluir, Sr. Presidente.

Fica assim claro que, além de a Certidão de Regularidade Fiscal não ser o documento exigido na própria lei estadual para habilitar a empresa ao incentivo fiscal, mesmo esta certidão foi emitida em situação, no mínimo, anômala, quando na verdade existiam valores devidos pela empresa ainda não submetidos à composição junto ao fisco estadual.

Em resumo: a Cerpasa não atendia aos requisitos colocados na lei estadual para concessão de benefícios fiscais, que era o cumprimento das obrigações fiscais junto à Fazenda Estadual. Entretanto, a própria Secretaria da Fazenda expediu uma Declaração de Regularidade Fiscal que, além de não substituir a Certidão Negativa de Débito, a legalmente exigida, foi expedida incorretamente. Mesmo assim, foi aceita pelo governo para a concessão do benefício fiscal não aprovado pelo Confaz.

Há outras situações que precisam ser esclarecidas neste processo. Na proposta técnica apresentada à Secretaria de Planejamento do Estado, além de pedir a “isenção parcial” correspondente a 95% (noventa e cinco por cento) do ICMS próprio, pelo período de cinco anos, a Cerpasa declara que, uma vez concedido o benefício solicitado, será possível elevar a sua produção, progressivamente, para cerca de 1.500.000 (hum milhão e quinhentos mil) hectolitros/ano, até o final de 2004, isto em uma empresa que, em 1999, produzia apenas 317.584 hectolitros.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - AC) - Ou seja, a Cerpasa afirmava que teria como meta quase que quintuplicar sua produção em cinco anos.

Mais ainda, a empresa afirmava à época que “...já está investindo intensamente em campanha publicitária, a fim de aumentar suas vendas, e com o benefício fiscal reduzir o preço do produto”. Quanto ao aumento da produção, creio que deve ser informado pela empresa ou pelo Governo do Estado o cumprimento desta meta ou não. Entretanto, sobre o preço do produto, a cerveja, muito embora não seja eu uma consumidora de cerveja - não costumo beber cerveja -, mas reconheço que a Cerpinha é uma das melhores cervejas do Brasil, e francamente não tenho conhecimento de alguma redução ocorrida desde 2000, ou que o produto da empresa seja mais barato que suas similares nacionais, apesar de seus custos serem, em tese, inferiores.

Creio que toda essa situação deve ser esclarecida, vez que a nota do governo do Estado publicada na imprensa paraense nem de longe tangencia os aspectos que aqui levantei.

Quero deixar bem claro que não se trata de maneira nenhuma de demonizar a política de incentivos fiscais - muito pelo contrário -, absolutamente necessária ao desenvolvimento em especial de regiões como o Norte e o Nordeste. Entretanto, é preciso separar o joio do trigo, garantindo que os favores fiscais sejam concedidos observando-se sua efetiva repercussão positiva no processo de desenvolvimento e impedindo que se tornem instrumento de concentração de renda e de dilapidação do Erário. Ou seja, simplesmente impedindo a concessão de tanto incentivo, Senador. Enquanto no mundo inteiro a fabricação de bebida alcoólica é sobretaxada, o povo do Pará paga para produzir cerveja. E paga por essa cerveja o mesmo preço que paga por qualquer cerveja nacional. Está correta a aplicação dos incentivos fiscais, mas eles têm que respeitar o princípio de gerar emprego e desenvolvimento.

A Cerpasa não é uma empresa nova no Estado, está lá há 30 anos. O povo do Pará merece explicações - explicações além daquelas que custarão algumas centenas de milhares de reais para serem publicadas na revista IstoÉ daqui a uma semana provavelmente. Por que não são respondidas as seriíssimas acusações não apenas da revista, mas inclusive as constantes do processo do INSS, que demonstram que queremos, sim, dar mais compensação aos estados exportadores.

Queremos mais recursos para o Estado do Pará - e aqui todos são testemunhas do quanto luto por isso -, mas não para que se concedam benefícios dessa forma - esse benefício fiscal, além de ilegal e de anômalo, sequer é para exportação, é para circulação.

Gostaria de ouvir explicações - todos têm o direito de defesa - pois o povo do Pará merece uma explicação a respeito desse escândalo que, mais uma vez, coloca o Pará em má situação perante o País.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/2004 - Página 37897