Pronunciamento de Renan Calheiros em 23/11/2004
Discurso durante a 167ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Homenagem ao economista Celso Furtado, recém-falecido.
- Autor
- Renan Calheiros (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AL)
- Nome completo: José Renan Vasconcelos Calheiros
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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HOMENAGEM.:
- Homenagem ao economista Celso Furtado, recém-falecido.
- Publicação
- Publicação no DSF de 24/11/2004 - Página 37559
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
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- HOMENAGEM POSTUMA, CELSO FURTADO, EX MINISTRO DE ESTADO, ECONOMISTA, PROFESSOR, ESTADO DA PARAIBA (PB), ELOGIO, VIDA PUBLICA, IMPORTANCIA, ANALISE, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, BRASIL.
O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB - AL. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr Presidente, Srªs e Srs. Senadores, economista brasileiro de maior prestígio internacional, com obras traduzidas em meia centena de idiomas, o paraibano de Pombal Celso Monteiro Furtado, de 84 anos, morreu na manhã do sábado, 20 de novembro, em sua residência, no Rio de Janeiro, de um ataque cardíaco.
Participante ativo da eterna peleja teórica que contrapõe os que, como ele, vêem os fatos econômicos como fenômenos sociais e históricos aos que os encaram como manifestações coletivas de comportamentos individuais, Furtado, com saúde frágil há alguns anos, vinha restringindo suas manifestações públicas. Em todas, porém, manteve uma férrea coerência, a mesma que orientou uma trajetória inigualável de acadêmico e homem público.
Celso Furtado integrou uma geração de economistas latino-americanos de frondosa produção intelectual. Juntamente com o argentino Raúl Prebisch, esteve no centro do laboratório de idéias desenvolvimentistas do qual resultou, no imediato pós-Guerra, a criação da Cepal, o escritório econômico das Nações Unidas para a América Latina.
Fez parte também, na primeira metade dos anos 50, do grupo que desenhou o sistema brasileiro de financiamento ao fomento econômico, cujo ponto de origem foi o então Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), que depois agregou um "S" de social à sigla. Nesta empreitada -- destaque-se -- esteve ao lado de Roberto Campos, outro economista brasileiro ilustre, ainda que de posições políticas e ideológicas opostas às de Furtado.
Celso Furtado foi o idealizador e primeiro dirigente da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste. Para mim, a melhor homenagem que o Congresso pode fazer ao economista é justamente aprovar com celeridade a recriação da Sudene. O projeto já foi votado na Câmara dos Deputados e tramita nas comissões do Senado. Este órgão precisa ser recriado, mas com estruturas modernas e inovadoras, dotadas de mecanismos eficientes de fiscalização e gerência. Por outro lado, é preciso manter uma de suas melhores características: a formação de técnicos competentes.
Ministro do Planejamento de João Goulart, Furtado foi obrigado a exilar-se, em 1964. Fora do país, lecionou na Sorbonne, em Washington e em Cambridge, entre 1964 e 1974, quando voltou ao Brasil. Nessa época, aprofundou suas idéias sobre o caráter estrutural do subdesenvolvimento. Mais tarde, foi ministro da Cultura no governo Sarney, entre 1986 e 1988. Em 1997, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, tendo ocupado a cadeira 11, vaga meses antes com a morte de seu amigo Darci Ribeiro, por um conjunto sólido de escritos sobre desenvolvimento econômico, no qual sobressai o clássico Formação Econômica do Brasil.
Em 2003, num movimento que contou com a adesão de mais de 600 economistas de várias partes do mundo e o patrocínio de quatro vencedores do Nobel, além de entidades e instituições internacionais, foi lançada a candidatura de Furtado ao Prêmio Nobel de Economia. O brasileiro, o primeiro a disputar a indicação, infelizmente, não foi escolhido.
O resultado da hegemonia de um pensamento econômico tecnocrático e sem compaixão humana - da qual Celso Furtado encontrava-se a anos-luz de distância - é que, apesar do progresso tecnológico e material, tem aumentado e já supera a marca de 2 bilhões o exército de seres humanos na face da Terra condenados a sobreviver com menos de US$2 por dia. Na América Latina, especificamente, abaixo dessa linha de pobreza encontram-se hoje mais de 130 milhões de pessoas - cerca de um terço do total e 10 milhões a mais do que em 1990.
Com a morte de Celso Furtado, o Brasil perde seu mais destacado e influente economista, intelectual de envergadura e homem público que dedicou a vida ao progresso do país. Teoria e prática foram dimensões indissociáveis em sua trajetória, que se entrelaçou com momentos fundamentais da história brasileira no século 20.
Seus esforços se concentraram na tentativa de compreender as razões do atraso social e econômico do país e de formular diretrizes para superá-lo. Na concepção de Furtado, o desenvolvimento não é um processo natural e espontâneo que decorre da dinâmica dos mercados, mas um projeto social a ser planejado e impulsionado por meio de ações racionais do Estado.
O desenvolvimento não se confunde com o mero crescimento da economia e encerra, segundo suas palavras, uma "dimensão política incontornável". As idéias do economista, que exerceram forte influência interna e lhe conferiram prestígio internacional, começaram a ser afastadas da cena política oficial a partir de 1964.
A crise do Estado, o descontrole inflacionário e a ascensão de propostas liberais num cenário internacional marcado por profundas mudanças acabaram relegando Furtado e suas proposições a um passado que, embora meritório, na visão de seus críticos não mais conteria respostas para os problemas do país.
É uma avaliação, no entanto, que o tempo não parece de todo sancionar. Se o modelo econômico daquele Brasil está vencido, não há dúvida de que as preocupações que animaram Furtado permanecem presentes, pois os seus adversários teóricos não foram capazes de oferecer soluções para o baixo crescimento econômico e as dramáticas assimetrias sociais.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigado!