Discurso durante a 169ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Transposição das águas do São Francisco.

Autor
Antonio Carlos Magalhães (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Antonio Carlos Peixoto de Magalhães
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Transposição das águas do São Francisco.
Aparteantes
Sergio Guerra.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/2004 - Página 38560
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • CRITICA, PROJETO, GOVERNO FEDERAL, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, ACUSAÇÃO, INEXATIDÃO, DADOS, FALTA, VIABILIDADE, OBRA PUBLICA.
  • DEFESA, UTILIZAÇÃO, IRRIGAÇÃO, ALTERNATIVA, PROJETO, CRITICA, COMPARAÇÃO, TRANSPOSIÇÃO, RIO, PAIS ESTRANGEIRO, ESPANHA.
  • ACUSAÇÃO, CIRO GOMES, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, FALTA, ATENÇÃO, OPINIÃO, OPOSIÇÃO, PROJETO, COMENTARIO, POSSIBILIDADE, PREJUIZO, ESTADO DA BAHIA (BA), ESTADO DE ALAGOAS (AL), ESTADO DE SERGIPE (SE).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, serei breve, embora o assunto mereça a atenção desta Casa, já que o Governo não está levando a sério, como deveria, o problema da transposição do rio São Francisco.

A Bahia tem posição definida há muito tempo sobre os inconvenientes dessa transposição, sobretudo porque se trata de um projeto inadequado, que não vai se realizar, embora muito dinheiro público vá ser gasto.

O Governo fala em mudança de concepção. Por isso, passou a chamar a “transposição das águas do rio São Francisco” de “integração de bacias”. Essa sinonímia é falsa e não merece o respeito daqueles que querem levar a sério o assunto.

Em verdade, o projeto continua o mesmo que já foi tantas vezes criticado nesta Casa.

Preocupa-nos o fato de dados que são levados ao Ministro Ciro Gomes não reflitam a verdadeira situação da região e os impactos que o projeto poderia trazer para os Estados, mesmo aqueles que pretenderia beneficiar. Não vão ser beneficiados e o dinheiro vai ser gasto.

Ao contrário do que se afirma, principalmente do que diz o Ministro Ciro Gomes, uma considerável parte dos territórios que poderiam ser beneficiados pela tal transposição apresenta índices de disponibilidade hídrica bem superiores aos que o Ministro divulgou (apenas 500 metros cúbicos por habitante/ano) - não foi o que S. Exª disse -, superiores, inclusive, ao que é efetivamente utilizado. Ou seja, consome-se menos do que se tem disponível. Refiro-me, sobretudo, ao Nordeste setentrional.

            Em sua argumentação, o Ministro destaca a importância dessa integração de bacias - sorrio quando ouço essa colocação - como a única fonte efetiva de água no Nordeste. Entretanto, quando verificamos o que ocorre com os Estados que serão beneficiados, observamos que todos eles apresentam, em termos de vazão regularizada, um balanço positivo em que a disponibilidade é sempre superior à demanda.

Vejamos:

- o Ceará consome 50% da água de que dispõe;

- o Rio Grande do Norte consome 47%;

- a Paraíba demanda 65% de seus recursos hídricos.

Claro que esses números não podem ser analisados assim, sem se considerar, por exemplo, a distribuição geográfica, a sazonalidade, mas são muito diferentes e favoráveis dos que os utilizados pelo Ministro, por desconhecimento.

A vazão à jusante de Sobradinho é de apenas 1.860 metros cúbicos. Muito menos do que afirma o Ministério. Mais uma vez, o Ministro foi enganado nos números.

Mesmo poupando-lhes dos detalhes técnicos, é possível demonstrar por uma questão de mera aritmética, a inviabilidade do projeto. Sinceramente, nenhum banco internacional vai financiar esse projeto com os estudos que ele tem. Vai-se gastar o pobre dinheiro que não se gasta na irrigação, que já devia ter sido feita, e não se vai fazer o projeto da transposição. É mais uma obra inacabada que ficará insepulta.

Sobram, então, 360 metros cúbicos. Ocorre que destes, 335 metros cúbicos já estão outorgados. Restam, portanto, 25 metros cúbicos. O projeto de transposição requer 63 metros cúbicos. O que o Governo fará? Nem o Ministro sabe responder. Irá retirar uma parte já destinada a usuários outorgados e transferir para o projeto? Vejam, então, o Ministro erra quando compara a necessidade da vazão de 63 metros cúbicos por segundo com a disponibilidade de 2.850. Vejam e reparem o absurdo das afirmações em que se baseou o Ministro Ciro Gomes! Como disse há pouco, é uma questão aritmética.

Além do mais, a transposição do rio São Francisco não é a única medida a ser adotada.

E mesmo que fosse essa a única alternativa a ser feita, a experiência em outros países mostra que a transposição de águas somente é realizada após esgotarem todas as possibilidades existentes, o que não acontece em relação ao São Francisco.

            Todos os dados, mesmo os do Ministério da Integração, mostram que o Nordeste setentrional nem esgotou as possibilidades locais, nem otimizou o uso dessas águas. Isso sem falar que é um grave erro estratégico, também, que se defenda a transposição das águas como forma de alavancar empreendimentos econômicos que consomem muita água, e não as de que dispõe o próprio rio São Francisco.

Alguns Estados já vêm adotando, com muito sucesso, alternativas mais adequadas, pouco intensivas no uso da água e geradoras de emprego e renda e arrecadação de impostos.

Quantos projetos de irrigação parados em todos os Estados do Nordeste, inclusive na minha querida Bahia!

O Ceará, por exemplo, tem-se destacado pelo setor têxtil, metal-mecânico, entre outros.

Sr. Presidente, a discussão sobre a transposição do rio São Francisco deve permanecer democrática, ouvindo e respeitando todos os Estados envolvidos e afetados por ela. Trazer como argumento a transposição do rio Tajo, na Espanha, não é um bom exemplo. Muitíssimo ao contrário. O Ministro, mais uma vez, errou. A transposição ocorrida na Espanha foi concebida, projetada, construída e posta em operação durante a ditadura Franco. Hoje, segundo técnicos espanhóis, não sairia do papel. A Espanha, inclusive, acaba de retirar de seu plano hidrológico um outro projeto similar atinente à transposição do rio Ebro, na Catalunha.

As razões que levaram o governo espanhol a decidir contra o projeto de transposição são as mesmas que aqui se levantam contra o agora eufemisticamente denominado Projeto de Integração de Bacias.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo Federal tem que ter cautela. Não tem tido em nenhum setor; que pelo menos a tenha nesse!

O Conselho Nacional de Recursos Hídricos, por meio das Câmaras Técnicas, precisa analisar bem o problema e informar seus Conselheiros para que decidam corretamente. O Conselho não pode agir pressionado pelo Ministro, o qual está pressionando com sua linguagem inadequada, fazendo com que alguns tremam com suas palavras e outros sorriam com o seu erro.

Não é prudente decidir porque o Ministro quer, porque ele resume respaldo político ao fato de que o Presidente Lula também deseja. O Ministério da Integração não pode se antecipar e lançar editais para seleção de empresas antes mesmo do posicionamento dos órgão competentes, mas não tem feito isso. Refiro-me ao comitê de bacias do São Francisco, ao licenciamento do Ibama, à outorga da Agência Nacional de Águas e às audiências públicas promovidas pelo Ministério Público.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os dados que respaldam a minha argumentação certamente são do conhecimento dos que defendem a transposição. De toda a maneira, coloco-me à disposição daqueles que quiserem, de fato, conhecer a realidade sobre o tema e estiverem, como eu sempre estive, na defesa da Região Nordeste e do País, para tratar de projetos que possam ter sucesso e não insucesso, claro e indubitável, que é a transposição do rio São Francisco. Da maneira que querem fazer, começam a enganar alguns nordestinos, dizendo que vão transportar também água do rio Tocantins para reforçar o rio São Francisco. Isso é uma balela. Muito terá que se fazer para que isso aconteça - pelo menos várias barragens terão de ser feitas.

Estudo esse problema há mais de vinte anos, quando Presidente da Eletrobrás. Tínhamos, na ocasião, a boa vontade - que hoje o Governo não tem - do Banco Mundial. Estudamos bastante o assunto. Fomos aos Estados Unidos e vimos que a transposição do rio São Francisco era um projeto economicamente inviável.

Agora, vem o Sr. Ministro Ciro Gomes... - estou à vontade, pois votei em S. Exª para Presidente da República no primeiro turno das eleições; votei - certamente errado - no Presidente Lula no segundo turno. Eu gostaria que o Ministro Ciro Gomes, em que votei, no primeiro turno, pela sua capacidade e inteligência, não fosse tão voluntariosos, ouvisse os órgãos competentes, tomasse decisões adequadas e não precipitadas e visse que os Governadores podem e devem falar de acordo com os interesses locais, mas a razão está sempre acima de qualquer interesse. Para a Bahia é extremamente prejudicial, assim como para Alagoas, para Sergipe, também. Acredito, inclusive - e estou vendo presente o Senador Sérgio Guerra - que o próprio Pernambuco não será beneficiado - e há formas de beneficiar Pernambuco e os outros Estados do Nordeste.

Venho, portanto, nesta hora, fazer um apelo ao Sr. Ministro, já que ele deseja resolver isso terça-feira, dia 30. S. Exª quer resolver sozinho no dia 30, ou então com os órgãos a ele subordinados; não com os órgãos que citei e que são os responsáveis realmente pela situação verdadeira do rio São Francisco.

Lembrem-se de dezenas de projetos de irrigação - aí sim - que são economicamente viáveis e que estão parados. Lembrem-se do Projeto Salitre, do Projeto Tuiuiú, do projeto do Município de Barra - esses só na Bahia. Tenho certeza de que em Pernambuco também teríamos como aproveitar melhor os cursos de água que lá existem. Basta que se faça uma política hídrica para o Nordeste - e uma política hídrica para o Nordeste não se faz em um ano. É um projeto para mais de dez anos, para que dê certo ao final. Mas vamos trabalhar para as gerações futuras.

V. Exª, Sr. Presidente, Senador Alberto Silva, conhece bem esses assuntos e deveria ser uma das pessoas mais ouvidas, pois que realmente conhece na prática essa matéria. Daí por que também apelo a V. Exª.

Concedo o aparte ao Senador Sérgio Guerra.

O Sr. Sérgio Guerra (PSDB - PE) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Senador Antonio Carlos Magalhães, sem dúvida não haveria outra voz mais qualificada entre todos nós para levantar questão dessa relevância, no Senado Federal, do que a de V. Exª. Experiente, os seus maiores adversários reconhecem a sua competência administrativa, a sua lucidez. Embora tenha uma personalidade política polêmica, não se tem muita notícia de opiniões do Senador Antonio Carlos sobre questões relevantes para o Nordeste, por exemplo, que não sejam confirmadas pelos fatos. Tenho certeza de que a sua opinião a respeito deste assunto, com a isenção que tem diante dele - e o comportamento do Senador Antonio Carlos sempre foi regional, pois quando afirmou a Bahia, e o fez há muito tempo, ajudou o Nordeste a se afirmar -, será ouvida pelo Ministro Ciro Gomes. O Ministro deve recuperar um pouco fatos recentes. S. Exª não decidiu sozinho; decidiu com mais de dez ou vinte Ministros - são tantos os ministros desse Governo! -, com o Presidente da República, com os Governadores do Nordeste e com 76 Parlamentares uma nova Sudene. Contudo, a decisão caiu no vazio, pois não há nova Sudene alguma. E não terá conseqüência essa decisão isolada. A matéria é muito mais polêmica que qualquer recomposição da Sudene. Eu a acompanho há algum tempo, e um dos pontos que me preocupam é que há opinião de muitas pessoas responsáveis, com domínio e conhecimento de causa, e a base de consenso é mínima. Algumas pessoas afirmam com absoluta convicção que não há água suficiente para tudo o que se projeta; outras afirmam, com o maior bom senso - e não digo especialistas, mas pessoas que procuram pensar com tranqüilidade -, que exportar água para irrigação a mil e tantos quilômetros não faz o menor sentido se ali estão populações, regiões inteiras, socialmente tão pobres quanto as que precisam ter suas áreas irrigadas a um custo muito menor. E há problemas de engenharia já reconhecidos. Ouvia isso há poucos minutos do Senador Alberto Silva, que sabemos que não diz coisas que não fazem sentido, em especial em campo que possui total domínio. Nós, em Pernambuco, estamos tranqüilos em relação ao assunto. Entretanto, vivemos espantados, porque as obras hídricas em Pernambuco estão paralisadas. O Governo não tem responsabilidade com a construção de muitas daquelas iniciativas, que foram iniciadas, mas não continuadas. Recursos públicos federais não chegam nem para pequenas, nem para médias, nem para grandes obras. O desperdício é integral. Permitir, a essa altura, a abertura de um programa desse tamanho, sem reflexão, sem democracia, é algo que assusta. E não acredito que o voluntarismo do Ministro, ou a aparente falta de conhecimento do Presidente... Não duvido das suas intenções, especialmente neste caso. É um projeto que tem uma aparência salvadora, um apelo muito forte, mas o próprio Nordeste não acredita nisso. No meu Estado, somos acostumados a ouvir promessas que não se cumprem, e esses sonhos, que não têm consistência, não têm começo, meio e fim, a nós simplesmente apenas preocupa. Agora há um Orçamento em tramitação, e os muitos grupos do Nordeste, que são majoritários, que se opõem a essa aventura, estão na obrigação de emendar para que os recursos que vieram para essa finalidade sejam aplicados em centenas de projetos de recursos hídricos que estão descontinuados. Isso é democracia! Não permitir que uma decisão dessa se tome de forma autoritária, sem debate, sem discussão, até porque o debate, a discussão que houve até agora nunca foi conclusiva, nunca se chegou rigorosamente a uma solução que pudesse ser aceita por todos. Então, o Senador deveria liderar no Senado - e tem condições para isso - uma ampla mobilização em torno dessa questão. Não podemos nos omitir, como, de alguma maneira, nos omitimos na questão da Sudene. Estão aí com uma Sudene que não serve para nada. Essa que eles querem fazer é papel. Vamos nos reunir em torno da sua liderança e de tantos outros para colocar essa discussão no lugar devido, com responsabilidade. Não estou dizendo que o Ministro é irresponsável, até tenho respeito e admiração por S. Exª, mas que está equivocado, seguramente está - e muito.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL - BA) - Agradeço a V. Exª, porque, se outro mérito não tivesse o meu discurso, teve o da participação de V. Exª, um homem que conhece os problemas do Nordeste e, em particular, do seu Estado, trazendo argumentos irrespondíveis em relação à transposição do São Francisco.

Até acredito que, após o aparte de V. Exª, o Governo venha a sentir que não pode fazer tudo o que deseja. João XXIII dizia: “Ninguém pode tudo”. O Ministro Ciro Gomes, por mais que eu goste de S. Exª, não pode tudo.

V. Exª colocou com uma habilidade muito grande algo que é verdadeiro. O Ministro Ciro Gomes, com essa série de outros Ministros que acompanham esse seu raciocínio - se é que há muitos -, estão iludindo o Presidente Lula. Este não conhece realmente a complexidade desse projeto; assim sendo, vendem a idéia como sendo uma grande obra que se poderia fazer no Nordeste do Brasil e devem dizer: “Presidente, isso vai imortalizar V. Exª”. Ao contrário, pode ser um túmulo do Governo no Nordeste, uma falsa transposição que não se realizará.

            Daí por que faço um apelo a todos os Colegas desta Casa, que sigamos o conselho do Senador Sérgio Guerra, observemos, no Orçamento, essas verbas, e as coloquemos em vários projetos do Nordeste que precisam realmente de recursos, sobretudo os ligados à irrigação.

Senador Alberto Silva, é uma pena que V. Exª esteja presidindo a sessão e não possa opinar a respeito de um assunto que tanto conhece. Tenho certeza de que minha fala servirá, ao menos, como uma advertência. Se for seguida pelo Ministro, será ótimo; se não for, que S. Exª, no dia 30, não resolva por conta própria a respeito de uma obra que envolverá tantos bilhões de reais. Se S. Exª nem sabe calcular o custo sponte propria, que ouça quem sabe.

E quem sabe já demonstrou que é impossível fazer, com êxito, a transposição das águas do rio São Francisco, mesmo que seja sob a denominação de integração de bacias.

Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/2004 - Página 38560