Discurso durante a 169ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apoio à reivindicação das universidades federais brasileiras por um regime de autonomia administrativa e financeira.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • Apoio à reivindicação das universidades federais brasileiras por um regime de autonomia administrativa e financeira.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/2004 - Página 38575
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • ANALISE, PRECARIEDADE, SISTEMA FEDERAL DE ENSINO SUPERIOR, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO, AUMENTO, QUANTIDADE, UNIVERSIDADE PARTICULAR, AMERICA LATINA.
  • DEFESA, AUTONOMIA FINANCEIRA, UNIVERSIDADE FEDERAL, REFORMULAÇÃO, SISTEMA, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, ENSINO SUPERIOR.
  • COMENTARIO, PROPOSTA, GOVERNO FEDERAL, CRIAÇÃO, FUNDO FEDERAL, INVESTIMENTO, MANUTENÇÃO, INSTITUIÇÃO FEDERAL, ENSINO SUPERIOR, DESENVOLVIMENTO, PESQUISA.
  • REGISTRO, PREMIO, RECEBIMENTO, UNIVERSIDADE FEDERAL, ESTADO DE RORAIMA (RR).

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as universidades públicas brasileiras são objeto de intermináveis discussões, de cuja essência se pode muito bem extrair algo bem resumido: a autonomia administrativa e financeira. Embora já datado de alguns anos, o assunto não caduca, pois se compartilha um entendimento de que a sobrevivência do ensino superior público no Brasil depende de sua indispensável oxigenação econômica. Mesmo com a racionalização progressiva da máquina estatal, as deficiências do Estado em gerir as instituições universitárias são indiscutivelmente patentes e dramáticas.

Nos últimos anos, as universidades federais tiveram que aprender a conviver com as oscilações de seus orçamentos e a prover recursos para necessidades imprevistas. Sem obter êxito na recuperação dos salários entre professores e funcionários, sem conseguir concluir a informatização da área administrativa, sem descentralizar as responsabilidades de gestão, os reitores se vêem imersos em um emaranhado de gargalos, para a saída dos quais apontam a autonomia financeira como paradigma.

No Brasil, assim como em toda a América Latina, os drásticos cortes em recursos nas universidades públicas têm provocado, na contrapartida, o crescimento da rede privada de ensino superior. Isso, evidentemente, reflete na redução de vagas e oportunidades de ascensão social para a população mais carente. Não seria para menos, pois a adoção de uma política draconiana de ajuste fiscal pelo Governo Federal precondiciona, no fundo, um programa de enxugamento de investimento público, de cunho notoriamente anti-social.

Não por acaso, na última década, o número de instituições de ensino superior na América Latina saltou de 70 para 800, 60% das quais sob controle da rede privada. Além do Brasil, tal inchamento se acentuou em demasia também na Colômbia, no Chile e na República Dominicana. Isso pode ser explicado pela busca irrefreada de certificação escolar, tão característica de países com altos índices de desemprego e de pobreza.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, disso resulta um processo indisfarçável de sucateamento das idéias e dos ativos universitários, comprometendo por longos anos a produção de pesquisas e de conhecimento no âmbito do interesse público. A veloz depreciação física das universidades pode ser comprovada pelos incontáveis edifícios deteriorados, laboratórios mal equipados e pelas dívidas sucessivas com as empresas de serviços. Não nos espanta, portanto, tomar conhecimento de que o Ministério da Educação (MEC) reduziu, de 1995 a 2003, em quase 60% o volume de reais reservados a investimento educacional.

Sem verbas suficientemente destinadas ao fomento de investigações de complexidade mais internacionalmente competitiva, a ciência produzida no Brasil corre o risco de perder relativamente sua robustez para outros países. Desse modo, embora o respeito pela produção nacional seja ainda incipiente, o pouco que nos é granjeado deve ser, no mínimo, preservado. 

Na verdade, a fórmula da autonomia sonhada não tem contornos bem definidos. O modelo adotado pelas universidades públicas paulistas, por exemplo, ainda se afigura como parâmetro mais visível, traduzido no repasse de um determinado percentual do que o Estado recolhe por meio do ICMS. Ocorre que as oscilações mensais de receita derivadas destes repasses se chocam frontalmente com a rigidez das folhas de pagamento. É provável que a plausibilidade do modelo adquira maior ânimo à medida que a fixação de orçamentos plurianuais for considerada requisito indispensável.

Há quem sustente que a autoridade do reitor e a coesão institucional seriam prejudicadas com a autonomia financeira. No entanto, é a lógica exatamente contrária que justifica a mudança. A autonomia permitirá, sim, uma melhor integração institucional, além da plena realização do potencial das universidades, para o alcance do que será, naturalmente, exigido um esforço de adaptação e a criação de novas instâncias deliberativas. Comissões de orçamento deverão ser, desse modo, ampliadas, de maneira a atender a exigência de uma presença mais ativa e permanente na vida das federais.

Por outro lado, deve ser sublinhado que a autonomia não significará um estado de soberania plena. Implicará, seguramente, o estabelecimento de um mecanismo de avaliação externa, ao qual competirá não somente a nomeação de reitores, mas também a apreciação das contas das universidades. É com simpatia que se avalia o aprofundamento do processo de democratização das escolhas para a ocupação das reitorias. Mas isso, obviamente, não poderá significar uma politização extremada de posições, a ponto de se perder o foco do ensino, da pesquisa e da extensão.

De fato, em nome da autonomia universitária, deve-se entender a promoção da diferenciação, o encerramento dos regimes únicos nacionais e a busca da identidade, em termos de organização, estruturas acadêmicas e administrativas. Além disso, caberá aos órgãos públicos encarregados do sistema universitário um papel diretor nesse processo, cuja direção se norteará pela exploração plena da diversidade de modelos, a complementaridade e a solidariedade entre as instituições.

Em resumo, as responsabilidades impostas pela autonomia e a concorrência entre as universidades pela liderança nacional constituem alavancas suficientemente atraentes para deslanchar um círculo vicioso de monitoramento e realinhamentos mútuos, traduzido em ganhos de eficiência e de capacidade gerencial. Tanto o ritmo quanto a profundidade das mudanças na cultura institucional serão outros e mais intensos se houver contratos de resultados e, igualmente, interesse externo sobre suas competências e capacidades.

Sr. Presidente, a transparência nas contas também se enquadra dentro de um ambiente de pragmatismo, rumo à construção de um novo tipo de comprometimento com a universidade pública. Nesse quadro, a participação dos três segmentos universitários deixa de significar “controlar o reitor, denunciar e cobrar” e passa a denotar “compartilhar responsabilidades e mesmo competir em resultados acadêmicos e gerenciais”.

Nessa ordem, o processo de discussão da reforma universitária, na gestão Lula, vem apontando, tropegamente, algumas sugestões na direção de uma política de financiamento menos ortodoxa. Em outras palavras, há indícios de que o encaminhamento atual privilegiará um modelo autárquico que garanta a diversidade, a democracia da escolha administrativa e, acima de tudo, o delineamento de um plano de desenvolvimento institucional de cada instituição junto ao MEC.

Tal política de financiamento asseguraria recursos, a partir de uma vinculação associada a um fundo, alimentado por uma cesta de alíquotas sobre impostos. Ao MEC, por sua vez, competirá administrar tal fundo, não “contingenciável”, para financiamento das federais, entendendo que, com um orçamento global, cada instituição assumiria a responsabilidade pela gestão, conduzindo a um rico processo de definição de metas e avaliação, a partir de critérios públicos e transparentes.

Segundo autoridades do MEC, o fundo federal seria desdobrado em duas funções categóricas. A primeira, destinada à manutenção das Instituições Federais de Educação Superior, seria integrada por um percentual definido da arrecadação tributária, vinculado constitucionalmente à educação para cobrir as despesas correntes. A segunda, destinada ao desenvolvimento de pesquisas e conhecimento, seria composta por um percentual definido de arrecadação instituído especificamente para financiar a expansão, a inovação e a gestão eficaz das universidades. 

Até onde se sabe, o MEC pretende operar o desenho de sua reforma universitária sobre o tripé: financiamento, autonomia e avaliação, norteando os debates da proposta de Lei Orgânica, que o Ministro Tarso Genro espera encaminhar ao Congresso Nacional ainda esse ano. Ao lado disso, o Governo acaba de autorizar concurso público para o preenchimento de 2.500 vagas para o magistério do ensino superior em todo o País.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na realidade, o MEC já deu sinais de que, se o projeto de soerguimento das federais se mantiver como prioridade política do Governo Lula, o grau de desembolso em investimento tem que, inescapavelmente, chegar a um volume não inferior a R$1 bilhão em 2007. Para 2004, a previsão orçamentária se aproximou da casa dos R$760 milhões, atestando a intenção das autoridades em, de fato, promover uma retomada da valorização das universidades públicas.

É bem provável que tais decisões tenham sofrido influência de dados relevantes colhidos no resto do continente. Para a felicidade de todos, a América Latina triplicou a produção científica em dez anos. Quem afirma é nada menos que a National Science Foundation (NSF), a principal agência de fomento a pesquisa dos Estados Unidos. Mais que isso, destaca o Brasil como o país que registrou o maior aumento, quadruplicando o número de artigos publicados no período de 1988 e 2001. Para se ter uma ligeira idéia do que isso representa, convém lembrar que o México, no mesmo período, apenas triplicou sua produção. Por área de conhecimento, a maior produção foi em engenharia e tecnologia, seguida por biologia e saúde em geral.

Por fim, na perspectiva da produção interna, a Universidade Federal de Roraima representa o lastro acadêmico para o cumprimento das promessas de desenvolvimento do Estado. Não fortuitamente, o Departamento de Fitotecnia do Centro de Ciências Agrárias recebeu premiação nacional da Embrapa, pela participação em projeto de interesse para o agronegócio brasileiro. Igualmente, a Faculdade de Administração de nossa universidade conquistou, bem recentemente, o título de campeã regional do Desafio Sebrae 2004, se habilitando a disputar a final nacional em Brasília. Como se não bastasse, não é de hoje que nossa universidade vem promovendo no campus encontros internacionais de línguas estrangeiras e indígenas.

Diante do exposto e já me adiantando à conclusão, gostaria de expressar meu apoio à reivindicação legítima das universidades federais brasileiras por um regime autárquico de gestão e financiamento. Em que pesem as sinalizações do Governo Lula em concordar com o pleito, medidas mais enérgicas e incisivas devem ser urgentemente tomadas, com o propósito de concretizar um projeto de dinamização do ensino superior público. Em suma, a autarquia é uma solução sem retorno.

Era o que tinha a dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/2004 - Página 38575