Discurso durante a 170ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

A questão federativa e a importância dos municípios.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. POLITICA DE TRANSPORTES.:
  • A questão federativa e a importância dos municípios.
Aparteantes
Alvaro Dias, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 27/11/2004 - Página 39064
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. POLITICA DE TRANSPORTES.
Indexação
  • APREENSÃO, DESEQUILIBRIO, FEDERAÇÃO, DIFICULDADE, MUNICIPIOS, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, CIDADÃO, ANALISE, EXODO RURAL, INTERIOR, REGIÃO METROPOLITANA, COMENTARIO, DADOS, CONVENIO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), SUBSTITUIÇÃO, ATUAÇÃO, ESTADO, DEFESA, VALORIZAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL, CRITICA, ERRO, ALEGAÇÕES, OCORRENCIA, CORRUPÇÃO, GOVERNO MUNICIPAL.
  • APOIO, DIVISÃO TERRITORIAL, ESPECIFICAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, NECESSIDADE, AUMENTO, ASSESSORIA TECNICA, UNIÃO FEDERAL, MUNICIPIOS.
  • REGISTRO, INICIO, ASFALTAMENTO, RODOVIA, ESTADO DE RORAIMA (RR).

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há um assunto que me preocupa muito neste País, tendo em vista que a Federação é uma responsabilidade desta Casa, o Senado, no tocante ao equilíbrio federativo, aos cuidados com a Federação, de que fazem parte os Estados e os Municípios.

Os Municípios, no meu entender, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, são justamente as células principais da Federação. Já é um chavão dizer que no Município residem os problemas do cidadão, no bairro onde ele mora, na rua onde está a sua casa, e não num ente subjetivo chamado país ou União ou Federação.

Vemos com muita freqüência nos jornais, na televisão, na grande mídia nacional referência aos Municípios, principalmente os do interior, como o Brasil profundo, como os grotões, considerando-os atrasados, cheios de problemas. O Brasil maravilha seria aquele em que não ocorre nada de errado, em que existe realmente uma consciência cidadã.

É inclusive bom frisar que dados do IBGE mostram que o menor Município em população do País está no maior Estado do País em termos de economia, em termos de prosperidade, que é São Paulo.

São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, sozinhos, têm a maioria dos Municípios brasileiros. No entanto, regiões como a região Norte, que corresponde a mais de 50% da área do País, têm muito menos Municípios que um desses Estados.

É preciso que comecemos a pensar numa geopolítica diferente, não somente com aquele viés preconceituoso de que no Município residem os ninhos de corrupção, de que exatamente nos Municípios existem as deformidades do País. Por exemplo, mostram-se com muita freqüência desvios dessa ou daquela prefeitura do interior com relação à aplicação de verbas federais, mas não se ressaltam, por exemplo, os desvios enormes ocorridos em nível federal, praticados pela tecnoburocracia federal. É preciso, portanto, que se comece a fazer uma inversão nessa análise.

Vamos analisar realmente o Brasil real, aquele a que se refere a grande mídia como o Brasil profundo, o Brasil dos grotões. Não é, portanto, o Brasil das metrópoles.

Tenho realmente analisado essa questão com um pouco de revolta e buscado ver as verdades e os seus desvios, para poder formar uma opinião. Será que o Brasil realmente sai da mesmice que vem enfrentando há décadas da concentração da população nos grandes centros urbanos, da migração permanente das regiões pobres para as regiões ricas, da concentração de renda e de poder nessas regiões ricas? Ou será o contrário?

Não estou falando com o preconceito invertido de quem pertence a uma região pobre, com inveja de quem é das regiões ricas. Não. Tenho muito orgulho, como brasileiro, de saber que temos Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais e uma capital como São Paulo. Minas Gerais, por exemplo, deu uma demonstração para o Brasil de como um Estado pode realmente administrar e equilibrar as suas finanças, mostrando que a Administração Pública não tem aquele estigma de ineficaz, que o Governo, que o Estado não é ineficaz e que não deve ser substituído por ONGs.

Dados da grande imprensa - o jornal O Globo foi o primeiro a noticiar; depois outros jornais o fizeram - divulgam algo que se repete há vários anos. Somente no ano passado, foram repassadas para essas ONGs, para essas organizações não governamentais, R$1,3 milhão em convênios feitos apenas pelos Ministérios. Não estou falando de uma Petrobrás, de outras instituições e fundações paraestatais que repassam verdadeiras fortunas para essas organizações não governamentais, que devem fazer como manda a filosofia do terceiro setor, que é norteada pela solidariedade, pelo voluntarismo e pela ação não governamental, podendo fazer parcerias com o Poder Público, e não substituir o Poder Público. No Brasil, em alguns setores, essas ONGs já substituíram o Poder Público. Dessas ONGs não é exigido o mesmo rigor cobrado das prefeituras, principalmente dos pequenos Municípios, chamados de Brasil profundo ou de Brasil dos grotões pelos grandes articulistas da política nacional.

Quero fazer hoje uma defesa dos Municípios, mostrando que não é verdade que as mazelas estão nos Municípios. Estou inclusive encomendando um estudo para demonstrar, de maneira clara, que os maiores escândalos de corrupção deste País foram praticados na área federal e não nas áreas municipal ou estadual.

O pior é que se cobram centenas de dificuldades dos Municípios. Na verdade, existe um manual de dificuldades para liberar uma verba irrisória para um Município, enquanto se libera um R$1,3 bilhão para as ONGs. Esse valor, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, representou, no ano passado, 44% do que o Governo repassou de maneira espontânea para os 5.560 Municípios do Brasil.

Vejam que coisa difícil de entender, no mínimo.

Por isso, quero justamente, Senador Mão Santa, abrir esse debate, para que possamos inverter essa ordem dos fatores. O mais importante é o Município, depois o Estado e, por último, a União; e não o inverso, porque a União é justamente o resultado da união dos Municípios e dos Estados. Nada mais é do que isso.

No entanto, existe esse preconceito que não é só dos técnicos burocratas, mas principalmente está enraizado e arraigado na grande mídia nacional.

Protesto porque sou de um Estado pequeno, com Municípios pequenos. Tirando a capital - que tem mais de 200 mil habitantes -, todos os Municípios do meu Estado têm em torno de 15 mil habitantes. Mas, como eu disse, o Município com a menor população do Brasil está situado no Estado de São Paulo.

Temos realmente que repensar essa geografia. Falamos, por exemplo, na redivisão territorial dos grandes Estados. O Amazonas, sozinho, representa uma área superficial maior do que os setes Estados do Sul e do Sudeste. O Pará equivale a essa área dos setes Estados do Sul e do Sudeste, e Mato Grosso é quase igual. Esses três Estados juntos são mais da metade do País. No entanto, não se consegue sequer convocar um plebiscito para a população decidir se quer ou não a redivisão territorial desses grandes Estados. Imaginem pensar nos Municípios!

Existem Municípios, por exemplo, na região Norte que são maiores do que vários Estados do Nordeste. Não há, por parte do Governo Federal, uma preocupação de estimular, de dar assessoria técnica aos pequenos Municípios, de incentivar a população a permanecer e produzir no interior. Pelo contrário, aumentam-se as dificuldades e as complicações, empobrecendo a população e fazendo-a migrar para os grandes centros.

Será que é essa a sina do Brasil? Será que nós não vamos inverter essa ordem e, portanto, dar condições ao homem para que possa ficar no pequeno Município?

Concedo o aparte a V. Exª, Senador Mão Santa, com muito prazer.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Mozarildo, nossos cumprimentos. Hoje, 26 de novembro, depois de quase dois anos no Senado, observei que havia aqui um conceito de, vamos dizer, grande clero, baixo clero. Eu, na minha observação, quero fazer o meu diagnóstico e enquadrá-lo: V. Exª é hoje um papa aqui.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Muito obrigado.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Eu os conheço, estou convivendo nesta Casa, respeito, mas nenhum desses Senadores... Eles podem ter convencimento, podem ter passado, mas eu ficaria com Ortega y Gasset, Senador Paim, que diz: “O passado é soldado; o porvir é que é capitão”. V. Exª é um capitão da política brasileira. Eu vinha ouvindo no rádio o discurso de V. Exª. Cheguei no meio dele. V. Exª se iguala ao estadista Presidente Sarney, de quem ouvi que o chão do Brasil começava lá em Pinheiro, a cidade maranhense onde ele nasceu. Esse é o conceito político. Senador Paim, Deus me proporcionou a oportunidade de criar 78 municípios no Estado do Piauí, transformar povoados em cidades. Não aquilo que se vê apenas, Mozarildo - as ruas, as avenidas, a praça para namorar, o mercado para comercializar, a escola para educar, o hospital para dar assistência, a cadeia para manter a ordem -, mas o chamamento do ser humano para participar, o aparecimento de novas lideranças - “o essencial é invisível aos olhos”. Tenho um exemplo no Piauí agora. Na cidadezinha de Jatobá, um prefeito, um “prefeitinho”, como eu chamo - fui “prefeitinho”, digo isso com orgulho e carinho -, João Félix, ganhou da cidade-mãe, Campo Maior, uma das maiores, onde se deu a Batalha do Jenipapo, em que colocamos os portugueses para fora. Então, “o essencial é invisível aos olhos”. Foi esse o chamamento que ocorreu e que V. Exª defende. Faço apenas uma reflexão: Senador Paim, para mim, o prefeito é a maior autoridade. Sou orgulhoso de ter sido “prefeitinho” da minha cidade. Quero lhe dizer que ele é o único administrador que administra a sua avó, a sua mãe, a sua mulher, o seu filho. É na sua cidade que vivem os problemas. Ele é o que tem o compromisso do dia-a-dia, olho no olho, cumprimento a cumprimento, do nascer ao enterrar. Então, ele tem que ser respeitado, e isso é tudo o que V. Exª diz. Esta ilha da fantasia é também a ilha da corrupção. É aqui, não é nos municípios, que são vítimas. Agora, um lado desagradável. V. Exª merece o meu respeito, o desta Casa, o do Brasil, de Roraima, que deu esse filho ilustre, de Boa Vista. Mas, Senador Paim, passei a noite de ontem estudando a situação das estradas e vou fazer um pronunciamento, porque ouvi o Maguito falando sobre elas, sem dados. Passei a noite estudando. Olha, encaro com tristeza o desrespeito do Governo brasileiro com o Estado grandioso de Roraima, de Boa Vista, onde recebi uma comenda - e a carrego com orgulho -, e com os companheiros aqui. Romero, onde estás? Tu te entregas tão facilmente, Senador Romero. Venha aqui, ligeiro! Está aqui na revista CNT, da Confederação Nacional dos Transportes, que as piores estradas do Brasil estão no Estado de Roraima. É um desrespeito àquele grandioso Estado, a Boa Vista, a V. Exª, um dos melhores Senadores, não desta legislatura, mas da história, pela sua formação, pelo seu ideal da Medicina, ideal esse que tornou a ciência médica a mais humana das ciências. V. Exª é, portanto, um benfeitor. Mas os dados estão aqui, Senador Paim: São Paulo, 75,7% de ótimo e bom. É o Estado com a melhor malha rodoviária. Romero, onde estás? Venha! Roraima, com 98,9% de péssimo e ruim. Então, a minha solidariedade a V. Exª e o meu apelo à Presidência da República, para que se sensibilize com esse desrespeito ao grandioso Estado de Roraima.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Agradeço muito o aparte de V. Exª, Senador Mão Santa, principalmente pelas palavras elogiosas à minha pessoa, que vêm da amizade que constituímos aqui em tão pouco tempo.

Com relação às estradas em Roraima, esses dados são realmente procedentes. Todavia, quero também dar a V. Exª uma notícia: agora, o Ministério dos Transportes liberou recursos para recapear a BR-174, a espinha dorsal do nosso Estado, que une a capital de Roraima a Manaus, capital do Amazonas, e à Venezuela. Portanto, Senador Mão Santa, pelo menos começou a haver mudança nesse quadro.

Nós, da Bancada de Roraima, temos feito uma pressão muito grande. O Ministro Alfredo Nascimento já empenhou recursos para o início do asfaltamento da BR-432, uma rodovia estadual que foi federalizada por iniciativa de um projeto meu, autorizativo. Assim, essa realidade começa a mudar.

Voltando à questão dos municípios, saiba V. Exª, Senador Mão Santa - que sempre diz se orgulhar de ter sido “prefeitinho” de uma cidade, como dizem os intelectuais do Brasil Maravilha, lá dos grotões do Nordeste, do Norte, enfim, e até do interior, do Centro-Oeste -, que tenho certeza, por minhas leituras, que há municípios muito pobres também na Região Sul e na Região Sudeste. Quando estudei a distribuição dos médicos no Brasil, vi municípios da Região Sul e Região Sudeste que não têm médicos. Nós dois, que somos médicos, sabemos que é um absurdo o número de médicos no Brasil ser maior do que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde, considerando-se a proporção médico/população, mas esses médicos estarem concentrados nos grandes centros. Os médicos são urbanos, não querem ir para o interior, lá para os grotões, para o Brasil profundo. Isso obriga o meu Estado de Roraima e outros Estados do Norte e do Nordeste a se valer de médicos de outros países, como Cuba principalmente, mas também da Colômbia e do Peru.

Há um projeto de minha autoria, Senador Paulo Paim, obrigando os profissionais da área de saúde, depois de formados, a passar um ano de estágio remunerado obrigatório nos municípios onde a correlação médico-paciente seja inferior à recomendada pela Organização Mundial de Saúde, que é de um para mil.

Imaginem, Senadores Mão Santa, Paulo Paim e até mesmo o Senador Alvaro Dias, que é de um Estado desenvolvido como o Paraná. Tenho certeza de que S. Exª sabe que há municípios do interior que às vezes não têm médico algum, quanto mais essa correlação de um médico para mil habitantes.

Espero ainda fazer outro pronunciamento sobre os municípios, porque não é justo assistirmos quase todos os dias, na televisão e nos jornais, a um verdadeiro ataque aos municípios, como se eles fossem a praga da Nação. No entanto, como eu disse, só no ano passado, o Governo Federal, por intermédio dos Ministérios, repassou a organizações não governamentais, as ONGs, 44,5% do equivalente ao repassado aos municípios, ou seja, R$1,3 bilhão!

Ouço o Senador Alvaro Dias, com muito prazer.

O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - Senador Mozarildo Cavalcanti, V. Exª faz muito bem ao defender o município, como grande municipalista que é. As dificuldades são conhecidas por todos os que militam na atividade pública. Os Governos, tanto o Federal quanto estaduais, não cumprem rigorosamente os compromissos com os municípios. Ainda agora, os municípios brasileiros sofreram um corte de cerca de 40% no Fundo de Participação de Municípios, inexplicavelmente. V. Exª abordou a questão da saúde, que é fundamental. Qualquer pesquisa de opinião pública revela que, além da questão do emprego e da segurança pública, a saúde pública é a grande deficiência da Administração Pública brasileira. No meu Estado, o Paraná, isso é mais grave. Hospitais e Santas Casas se fecham, porque lá há muita bravata e pouca ação. O Paraná foi apontado, em recente matéria publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, como o pior Estado brasileiro no cumprimento do preceito constitucional que determina 12% da receita para o setor de saúde. O Paraná não cumpre o preceito constitucional e é o Estado, segundo O Estado de S. Paulo, que menos investiu em saúde pública entre todos os Estados brasileiros, mas o governo ousa anunciar na televisão que é um exemplo para o País em matéria de saúde. E somos obrigados a ver isso. Aliás, é melhor ver do que ser cego, não é, Senador Mozarildo Cavalcanti? De qualquer forma, desperta nossa indignação contra a desfaçatez daqueles que não respeitam a população, que não honram os compromissos assumidos durante a campanha eleitoral e depois, lamentavelmente, gastam horrores em publicidade enganosa para tentar manter sua popularidade.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Senador Alvaro Dias, temos de abrir, de maneira muito forte, o debate sobre os Municípios, que é federativo, portanto, obrigação nossa, do Senado. Há uma divergência entre os números do IBGE e os do TSE. Espero voltar a esta tribuna para me aprofundar ainda mais no debate, uma discussão macro, analisando todo o País e suas diversas regiões. O caminho para a eliminação das desigualdades regionais está em um melhor investimento do Governo Federal nos Municípios, e não em ONGs, que, repito, no ano passado, receberam 44% do que receberam os 5.560 Municípios do Brasil. Não tenho nada contra ONGs, mas quero que tenham para com elas o mesmo rigor que se dispensa aos Municípios - como chama a elite pensante deste País - do Brasil profundo, do Brasil dos grotões.

Sr. Presidente, encerro dizendo que voltarei a esta tribuna, possivelmente na segunda-feira, para continuar a discutir sobre o municipalismo, sobre a importância do Município para o País.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/11/2004 - Página 39064