Discurso durante a 171ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Avaliação da política de energia elétrica do atual governo, destacando o leilão para a venda de energia no próximo dia 7 de dezembro.

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENERGIA ELETRICA.:
  • Avaliação da política de energia elétrica do atual governo, destacando o leilão para a venda de energia no próximo dia 7 de dezembro.
Publicação
Publicação no DSF de 30/11/2004 - Página 39257
Assunto
Outros > ENERGIA ELETRICA.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, HELOISA HELENA, SENADOR, OPOSIÇÃO, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, DEFESA, ALTERNATIVA, CONSTRUÇÃO, ADUTORA.
  • SOLICITAÇÃO, CONSELHO NACIONAL, RECURSOS HIDRICOS, ARQUIVAMENTO, PROJETO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, GARANTIA, RECURSOS, CONSTRUÇÃO, ADUTORA, MELHORIA, SANEAMENTO BASICO.
  • AVALIAÇÃO, POLITICA ENERGETICA, GOVERNO FEDERAL, ALTERAÇÃO, MODELO, MATRIZ ENERGETICA, REALIZAÇÃO, LEILÃO, VENDA, ENERGIA ELETRICA, COMENTARIO, RISCOS, AUSENCIA, VIABILIDADE, INVESTIMENTO, AUMENTO, PREÇO, COMPROMETIMENTO, RENDA, CONSUMIDOR.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, o Senador Mão Santa foi receber o Presidente do Paquistão, que visita a Casa neste momento.

Em primeiro lugar, eu gostaria de me solidarizar com a Senadora Heloísa Helena. Realmente, como ela, considero a transposição do rio São Francisco um projeto faraônico e absurdo, do ponto de vista técnico. Dezenas de adutoras poderiam ser construídas. Por exemplo, em Pernambuco existem apenas duas adutoras do rio São Francisco, Senadora, que abastecem as cidades localizadas na bacia do rio. A última demorou anos para ser construída e seu custo é muito menor do que a transposição.

Trata-se de um projeto que será iniciado, mas não concluído. O tipo de enganação que nós nordestinos, com a experiência que adquirimos, não podemos admitir. Penso que também devemos fazer um apelo a fim de que amanhã o Conselho Nacional de Recursos Hídricos possa, de uma vez por todas, arquivar o projeto e investir o pouco dinheiro de que dispõe na construção de adutoras e em saneamento básico, atendendo, assim, os Municípios localizados na bacia. Enfim, recuperar o rio São Francisco antes de retirar sua água para outras bacias.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, após muito vacilar, finalmente o Governo Federal realizará leilão para a venda de energia elétrica no início do próximo mês, dia 7 de dezembro. O Governo já está completando dois anos. Quando assumiu, chegávamos ao fim de uma dura transição no modelo do setor elétrico, e, ao invés de dar continuidade e de fazer as devidas correções a fim de que o modelo continuasse a ser implantado e que concluíssemos a transição, não. Anunciou que implantaria um novo modelo. Na realidade, criou uma nova transição. Os anos de 2003 e 2004 foram perdidos. Consumimos o excesso de energia que existia, cerca de 10 mil Megawatts. Não houve novos investimentos.

O megaleilão ocorrerá no próximo dia 7, quando serão leiloados 55 mil Megawatts da chamada energia velha, ou seja, aquela que provém de usinas hidrelétricas já em operação, em sua maioria já amortizadas.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Governo inventou uma maneira nova de vender essa energia, por meio de megaleilões. Todas as distribuidoras que vendem energia, ou as comercializadoras, e todas as geradoras entram num único leilão. Então, na realidade é uma operação única. Pela primeira vez no mundo será feita essa operação, que pode ser considerada de alto risco. Portanto, todos devemos torcer para que dê certo.

Esse será, sem dúvida, o primeiro grande teste a que o novo modelo proposto pelo Governo Federal se submeterá. Será a oportunidade de recontratação da energia liberada nos contratos iniciais, que são reduzidos à razão de 25% ao ano. Isso terá como conseqüência a sinalização de preço para novos investimentos na ampliação da geração de energia elétrica.

Isto é, ficou combinado, por uma lei aprovada no Congresso, que, conforme fossem terminando os contratos que as distribuidoras tinham com as geradoras, seriam liberados 25% ao ano, para que pudéssemos ter um mercado livre, com o preço sendo definido pela oferta e pela procura. Quando isso começou, em 2003, foram liberados 25%; em 2004, 25%; e em 2005 e 2006, em cada ano, serão liberados 25%.

Segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, em notícia divulgada hoje, 50 empresas estão pré-qualificadas para o leilão. São 34 empresas compradoras, ou seja, aquelas distribuidoras ou comercializadoras, e 16 vendedoras, que são as geradoras com excesso de energia em virtude das sobras dos contratos iniciais - os tais 25% -, que a partir do primeiro dia do próximo ano, reduzem em um quarto do que foi contratado quando das novas concessões. É esse percentual que explica o grande volume da energia que está sendo licitada. O que está sendo licitado é a energia que existe; é apenas uma distribuição entre as geradoras que produzem energia e as distribuidoras. Não há um megawatt novo, é a mesma energia que está sendo leiloada.

É interessante observar que algumas empresas, como a Cemig, a CEEE, a Escelsa, entre outras, estão habilitadas tanto como compradoras quanto como vendedoras. Isto decorre do fato de que essas empresas são verticalizadas, ou seja, têm ativos de geração e exercem atividades de distribuição da energia elétrica. Contudo, elas correm o risco de, em longo prazo, vender energia a um custo menor do que poderão ser forçadas a adquirir no mercado em épocas de desequilíbrio entre a oferta e a procura. O interessante nesse modelo é que as empresas não poderão ser produtoras. Elas terão que entrar em um leilão para vender a energia que produzem e entrar em um leilão para comprar a energia de que necessitam. Pode acontecer o fato pitoresco de uma empresa vender a sua energia a R$60,00 o megawatt e comprar por R$70,00 o mesmo megawatt. Se for uma empresa pública, quero ver como o administrador vai explicar isso ao Tribunal de Contas.

Toda a energia atualmente disponível deverá ser vendida antes que sejam leiloadas energias “novas”, ou seja, aquelas que estão sendo construídas ou que já têm licença ambiental já concedida para a construção. Portanto, essa energia “antiga” está sendo leiloada agora e depois haverá um outro leilão - Deus sabe quando! - em que serão leiloadas as energias “novas”, essas tais que ou são hidrelétricas ou termelétricas que estão descontratadas ou aquelas que estão em obras, mas com licença ambiental concedida.

Nesse sentido, o leilão sinalizará para os agentes do setor elétrico sobre a oportunidade ou não de fazer novos investimentos, já que o preço resultante do leilão será o “balizador” do mercado. Vai dar um preço e esse preço é que vai balizar se vale ou não a pena fazer os investimentos.

Esse é um dos maiores riscos do novo modelo proposto, que poderá implicar a viabilidade ou inviabilidade de novos investimentos. Se os preços forem muito depressionados, em especial porque 80% da energia gerada está nas mãos do Estado - através das empresas estatais, como Furnas, Eletronorte, Chesf etc -, novos investidores não se sentirão atraídos para fazer novas inversões de capital.

Como o Governo é detentor de grande quantidade de energia, ele tem toda a possibilidade de manipular os preços de mercado. Se o Estado resolver baixar muito o preço da energia, com o intuito de garantir menores preços para o consumidor final, corremos o risco de gerar artificialmente um mercado de energia não atrativo e, com isso, criar condições para um racionamento ou um “apagão” no futuro.

Algumas decisões prévias do Governo têm preocupado os investidores. A primeira delas foi a de mudar o indexador do IGPM para o IPCA. O IGPM é mais influenciado pelo dólar do que o IPCA. Ainda que a longo prazo a mudança não faça muita diferença, a experiência mostra que todos os índices de preço, a longo prazo, chegam próximos uns dos outros. Este ano, por exemplo, o IGPM seria um indicador melhor para o consumidor e pior para o investidor do que o IPCA. Por quê? Porque, como o dólar está caindo, o IGPM será menor do que o IPCA. A mudança não foi feita para beneficiar ou prejudicar o investidor, mas ela agora está beneficiando, porque, com a queda do dólar, o IGPM tende a ser menor do que o IPCA. As empresas deverão fazer operações de hedge, como a compra de dólares, por exemplo, o que onera financeiramente os agentes de mercado, e, por conseguinte, repassam esse custo ao consumidor final.

Uma questão interessante sobre o modelo do setor elétrico brasileiro, que muitas vezes esquecemos, é que o setor em toda uma estrutura de preço que define a tarifa. É um sistema com preço controlado, a tarifa é controlada. Isso significa que todo aumento de custo corresponde a um aumento do preço da energia. Então, não adianta criar novos encargos para as empresas porque isso, na verdade, é repassado diretamente para o consumidor, porque os preços, o lucro, tudo é controlado - não há concorrência; é uma empresa para cada Estado -, principalmente para o consumidor residencial; para o consumidor industrial, a situação é um pouco diferenciada.

Outra dificuldade é que o Governo optou por não definir preços mínimos, o que era uma reivindicação dos investidores.

A avaliação dos especialistas em mercado de energéticos é que a era de energia barata está findando. A tendência, daqui para frente, é que a fatura de eletricidade continue subindo, na medida em que forem escasseando as fontes de hidroeletricidade já amortizadas.

É possível que o megaleilão evite uma explosão inicial no preço da energia elétrica, mas não será suficiente para garantir a modicidade tarifária por muito tempo. E sem um sinal favorável a novos investimentos, poderemos vislumbrar novos racionamentos ou novos “apagões” no futuro.

Segundo levantamentos do mercado, o Brasil precisa investir cerca de R$13 bilhões anuais, nos próximos dez anos, em geração de energia elétrica. Como o Estado não tem capital, grande parte deste valor deverá vir de recursos privados.

Para agravar este quadro, temos ainda a forte carga tributária nas faturas de eletricidade. Recentemente, o Governo Federal - todos sabemos - aumentou as alíquotas do PIS de 0,65% para 1,65% e da Cofins de 3% para 7,6%.

Segundo a Associação das Distribuidoras de Energia Elétrica - Abradee, só a mudança desses dois impostos deve representar uma alta de 3% nas tarifas, sem falar que a carga tributária poderá atingir 43,83% das receitas das distribuidoras nos próximos anos, por meio da esperada unificação das alíquotas do ICMS em torno de 25%.

Segundo Cláudio Salles, da Câmara Brasileira de Investidores de Energia Elétrica - CBIEE, “a elevada tributação do setor elétrico é um dos principais componentes da ‘matriz de risco’. O setor tem uma receita bruta de R$80 bilhões anuais, dos quais R$32 bilhões são impostos e encargos”.

Além disso, incidem sobre a fatura de eletricidade os custos pelo uso da transmissão e da distribuição, bem como encargos setoriais, como a CCC - Conta de Consumo de Combustíveis, a CDE - Conta de Desenvolvimento Energético, o Proinfa - Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica, e a RGR - Reserva Global de Reversão, dentre outros.

Outras dificuldades à atração do capital privado são: restrições de natureza legal, fraqueza do mercado de capitais, instabilidade econômica, o risco político e regulatório e as questões ambientais.

Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, recentemente fomos surpreendidos com a informação de que a Eletrobrás e a Petrobras prorrogaram o contrato de fornecimento de energia para a cidade de Manaus. Com o acordo, a empresa americana El Paso vai continuar fornecendo energia por mais cinco anos.

Com esse acordo, derrubou-se o leilão que estava sendo preparado, no valor estimado de US$10 bilhões, para abastecimento da região Norte, no caso Manaus, pelo período de 20 anos.

Segundo notas da imprensa, a licitação já contava com o interesse de 17 empresas. O prazo de entrega das propostas estava marcado para o dia 31 de maio último. A Eletrobrás alegou que não teria tempo útil para fazer uma licitação, que tem metade do vencimento previsto para janeiro próximo e o restante para depois de 12 meses.

É difícil dizer que essa licitação não ocorreu por falta de tempo, porque estava previsto há anos o encerramento desse contrato para agora. É como uma mulher grávida dizer que não teve tempo de comprar o berço para a criança, pois já sabia quando a criança ia nascer desde que ficou grávida. Aqui é a mesma coisa, não é, Presidente? E V. Exª entende disso melhor do que eu. Não há desculpa nenhuma para que não se fizesse a licitação.

De fato, a licitação sofreu alguns percalços em função de liminares concedidas pela Justiça do Amazonas. Contudo, desde a semana passada, essas liminares foram derrubadas.

Ainda segundo os interessados na licitação, não havia necessidade dessa prorrogação por cinco anos. Se não foram tomadas as medidas em tempo para garantir a licitação, bastaria prorrogá-la até o prazo que garantisse o processo legal.

O que provocou surpresa no mercado foi o fato de a Ministra, que até muito pouco tempo era uma crítica ferrenha ao contrato da El Paso, ter declarado que “o leilão garantiria mais transparência e preços mais baixos”. Portanto, na realidade, o leilão foi realizado aparentemente contra a vontade da Ministra, porque S. Exª durante todo o tempo dizia que o leilão daria preços mais baixos, o que talvez fosse o desejado. No entanto, o leilão foi adiado, a El Paso teve um contrato de mais cinco anos sem licitação, e ninguém sabe por que preço ou como foi acertado.

O que mudou de lá para cá? É isso o que esta Casa deve investigar. Vou, portanto, apresentar um requerimento pedindo explicações à Srª Ministra de Minas e Energia para a solução de continuidade do processo licitatório.

            Em primeiro lugar, vamos indagar por que a licitação não foi realizada. Por que há a necessidade de um contrato tão extenso, de cinco anos, de fornecimento de energia elétrica para a cidade de Manaus, no valor de R$10 bilhões? Por que esse contrato foi renovado, quando o próprio Ministério há meses vem dizendo que faria uma licitação?

            Isso é grave, Sr Presidente. Apresentamos o requerimento para ter as informações básicas. A partir daí, iniciaremos todo um processo de investigação.

Srªs e Srs. Senadores, procurei, em rápidas palavras, traçar um perfil da situação atual do setor elétrico brasileiro.

Espero, sinceramente, que o futuro não confirme a afirmativa de O Estado de S. Paulo, em matéria intitulada “Novo modelo não reduz tarifa”, publicada no dia 16 último, que divulga que “a era da energia barata definitivamente ficou para trás. Apesar dos esforços do Ministério de Minas e Energia com o novo modelo do setor elétrico, a conta da luz continuará subindo e comprometendo a renda do consumidor, ao mesmo tempo em que trará preocupação quanto à inflação”.

Portanto, Sr. Presidente, para encerrar, gostaria de falar exatamente desta preocupação. Foi feito todo um esforço, inclusive do Congresso, para se aprovar esse novo modelo. Depois de dois anos, o modelo realiza a sua primeira licitação, com energia velha, e ninguém sabe que sinalização dará para os novos investimentos, porque, na realidade, a forma de contratar a energia velha nunca será uma forma que vai trazer energia nova para o País. Precisa-se de incentivos para investimentos e de preço justo que equilibre os investimentos realizados e ofereça uma tarifa módica ao consumidor. É isso que o Ministério prometeu com as alterações do modelo, mas, infelizmente, apesar de o Governo completar dois anos no final do mês dezembro, nenhum desses dois objetivos foi atingido.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/11/2004 - Página 39257