Discurso durante a 171ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Homenagem ao jurista paranaense, Professor René Dotti, que assume a vice-Presidência da Associação Internacional de Direito Penal.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
  • Homenagem ao jurista paranaense, Professor René Dotti, que assume a vice-Presidência da Associação Internacional de Direito Penal.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 30/11/2004 - Página 39274
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO. PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
Indexação
  • HOMENAGEM, JURISTA, ESTADO DO PARANA (PR), NOMEAÇÃO, VICE-PRESIDENTE, ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL, DIREITO PENAL.
  • DEBATE, IMPORTANCIA, LEI DE ANISTIA, ABERTURA, ARQUIVO, DITADURA, REGIME MILITAR, BENEFICIO, ESTUDO, HISTORIA, BRASIL.
  • CRITICA, EXCESSO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), OBSTACULO, TRABALHO, LEGISLATIVO, ACUSAÇÃO, SUJEIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), AUTORITARISMO, DESRESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, esta tarde de homenagens, principalmente a Ulysses Guimarães, gostaríamos de prestar a nossa, exatamente na esteira da afirmação de “a quem honra a honra”. Gostaríamos de prestar uma homenagem ao ilustre Professor, do Paraná, René Dotti*, um dos mais brilhantes juristas deste País.

Depois de uma trajetória de brilhantismo no Paraná e com uma presença nacional afirmativa no mundo jurídico, extrapola ao assumir a vice-Presidência da Associação Internacional de Direito Penal, uma das mais antigas e prestigiadas associações jurídicas de todo o mundo. O Professor René Dotti foi eleito em votação, na Assembléia Geral que se reuniu recentemente em Pequim, na China, por ocasião do 17º Congresso Internacional da Entidade. As nossas homenagens ao Professor, o brilhante jurista que honra o meu Estado, o Estado do Paraná.

Aproveito a lembrança de Ulysses Guimarães, na tarde de hoje, que foi tão ligado a lutas, como a da Assembléia Nacional Constituinte, a das eleições diretas e a da anistia, para, na esteira dessa lembrança, reproduzir artigo do Professor René Dotti, sob o título: Quem tem medo da História?

Faço isso como forma de pedir ao Senado Federal uma reflexão sobre o tema da anistia. Revivido nos últimos dias pela mídia nacional, esse tema merece reflexão da parte dos Srs. Senadores.

Escreve o Professor René Dotti que:

A Lei nº 6.683, de 79, concedeu anistia a todos quanto, entre dois de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes eleitorais, políticos ou conexos a esses. Também foram restaurados direitos políticos e revistas punições de servidores públicos, militares e representantes sindicais aplicadas com base em atos de arbítrio, mas não determinou o silêncio da história sobre fatos políticos. Mas não determinou o silêncio da História sobre fatos políticos, econômicos e sociais relevantes do mesmo período.

A anistia foi necessária no projeto da transição lenta e gradual efetivada pelo presidente Geisel. Ela permitiu a volta ao país dos exilados e atenuou conflitos entre grupos e pessoas. Não foi um pacto de esquecimento mas um instrumento de conciliação para não se agravarem as tensões políticas e sociais. Daí o sentido de extinção da punibilidade para certos crimes e de restituição de direitos políticos e civis. O Congresso Nacional aprovou uma lei de pacificação evitando as trágicas perdas humanas, como ocorreu na Argentina com o imenso numero de vítimas: os mortos identificados e os desaparecidos pela ação dos regimes autoritários dos anos 70. Ainda agora a justiça Argentina e o Tribunal Penal Internacional de Roma estão processando militares e civis responsáveis pelo terrorismo oficial.

A questão da abertura dos arquivos do regime militar (1964-1985), estimula o debate entre setores do Governo Federal e a sociedade civil. Em carta de renúncia ao cargo de presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos, o advogado João Luiz Duboc Pinaud dirigiu apelo ao Presidente Lula para que o Governo não fique “refém da força bruta” e tome a decisão de abrir os arquivos do regime militar” (O Estado de S. Paulo, 20-11, p. A11).

O Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, a Ordem dos Advogados do Brasil e associações de Direitos Humanos são favoráveis à divulgação.

O direito de acesso a documentos, carimbados de sigilosos por uma legislação que pretende mantê-los na clandestinidade secular, não deve ser utilizado para renovar confrontos ou estimular retaliações. Ou para processar autores de crimes ou de perseguições ideológicas porque a barreira legal é intransponível, tanto pela Lei de Anistia como pelos Códigos Penal e Civil que regulam a prescrição. Por que, então, a necessidade do conhecimento de fatos, atitudes e processos que tramitam pelos tribunais militares? A resposta não é outra. O interesse é da História.

As causas e as circunstâncias da ditadura e das violências do Estado Novo (1937-1945) não foram suficientemente analisadas nos anos pósteros. A bibliografia é escassa. Salvo a contribuição de poucos escritores, como Hélio Silva (1937 - Todos os Golpes se Parecem, Civilização Brasileira, RJ, 1970), as pesquisas de disciplinas sociais foram impedidas pela falta de acesso a documentos.

No domingo retrasado foi sepultado, com merecidas homenagens, o imortal brasileiro que se destacou mundialmente em Economia: Celso Furtado. Expedicionário na II Guerra Mundial; doutor pela Sorbonne (Paris) e em Cambridge (Inglaterra); autor de trabalho básico para o Plano de Metas do Governo Juscelino e do livro que é hoje um dos clássicos na especialidade, Formação Econômica do Brasil, de 1959. Ministro do Planejamento do Governo João Goulart, esse extraordinário pensador foi cassado em 1964. A violência do regime obrigou-o a sair do País. Exilado, ensinou nos Estados Unidos, na Inglaterra e na França e foi nomeado professor da Sorbonne por decreto do Presidente Charles de Gaulle, justamente um dos grandes líderes contra o nazi-fascismo.

As gerações do presente e do futuro têm o direito de saber por que Celso Furtado e tantas outras personalidades notáveis foram banidas por atos de profundo e lamentável arbítrio. E também investigar as causas e as circunstâncias do movimento revolucionário, assim como fizeram alguns “brasilianistas”, a exemplo de Thomas Skidmore (Brasil: de Castelo a Tancredo).

Isso não é revanchismo. É história, cultura e civilização.*

O Professor René Ariel Dotti é advogado, professor universitário, membro da Academia Paranaense de Letras.

Creio que não há nada a acrescentar ao brilhante texto produzido pelo eminente Professor René Dotti.

Aproveito, portanto, este momento de homenagem para incursionar sobre outro tema que ganhou espaço nos últimos dias no Senado Federal e na imprensa do País: as medidas provisórias, tão combatidas desta tribuna por Parlamentares, por articulistas da nossa imprensa, lamentável e persistentemente, substituem os projetos de lei na expectativa de o Governo impor a sua vontade sobre o Poder Legislativo.

Estamos aqui debatendo formas de solucionarmos esse impasse, porque todos reconhecemos que as medidas provisórias estão impedindo uma produção mais eficiente do Legislativo. A produção legislativa está significativamente comprometida pelo excesso de medidas provisórias editadas pelo Presidente da República.

O Presidente da República mudou, sem dúvida, de postura em relação a esse artifício utilizado desde os tempos do decreto no governo autoritário. Evidentemente, é bom que se faça justiça, esse expediente foi utilizado por todos os Governos, menos por alguns, mais por outros, mas, de qualquer maneira, é um expediente usual, utilizado até sob inspiração do presidencialismo que tem presença forte e que se impõe diante do Poder Legislativo.

Vamos recordar o que dizia o Presidente Lula na Oposição, em relação às medidas provisórias. Em fevereiro de 2001, na qualidade de Presidente do Instituto da Cidadania, escreveu:

O Presidente Fernando Henrique Cardoso quer manter as medidas provisórias porque deseja completar o seu modelo econômico, subordinado ao FMI, sem submeter as decisões ao Congresso Nacional.

É o que pretende, por exemplo, com as anunciadas alterações no Banco Central e com a regulamentação do sistema financeiro, uma espécie de blindagem da economia para dificultar as mudanças de rumo do País em um futuro governo das atuais oposições.

Senador Mão Santa, veja a ironia do destino. Se fôssemos ler esse texto, mudando apenas o nome do Presidente da República, ele seria atualíssimo. Em relação às mudanças do Banco Central, poderíamos sobretudo destacar essa lamentável, por meio também de medida provisória, que dá status de Ministro ao seu Presidente, exatamente como blindagem diante de denúncias repercutidas pela imprensa nacional que colocavam o Presidente do Banco Central sob suspeita em relação a atos ilícitos eventualmente por ele praticados.

Portanto, o Presidente da República atual não pode se esquecer do que escreveu, sobretudo neste momento, quando o próprio Líder do Governo nesta Casa, Aloizio Mercadante, reconhece que o Presidente da República extrapola na edição desnecessária de medidas provisórias. Apenas erra na estatística, quando afirma que um terço dessas medidas provisórias são desnecessárias e inconstitucionais. Creio que mais de dois terços destas são desnecessárias e inconstitucionais, afrontam a Constituição do País porque não guardam relação alguma com os pressupostos básicos da relevância e da urgência. São medidas provisórias nem relevantes, nem urgentes, submetidas ao Congresso Nacional sob o crivo do Presidente da República, na revelação do viés autoritário, inusitado e surpreendente, sobretudo em razão de seu passado e especialmente das afirmativas como essa que acabamos de ler, da lavra do Presidente Lula.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Alvaro Dias, V. Exª me concede um aparte?

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Concedo aparte ao Senador Mão Santa, que está sempre presente em todos os debates nesta Casa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Alvaro Dias, aborda V. Exª dois assuntos importantes. Por um lado, estamos rememorando um dos melhores momentos da ditadura, que foi a Lei da Anistia. Eu gostaria de fazer uma homenagem ao então Ministro da Justiça, Petrônio Portella, por sua habilidade, clarividência e espírito democrático, que moveram o Presidente João Figueiredo a aceitar a anistia. Ele era tão influente, que conseguiu o acerto. Tinha uma personalidade muito forte e era Presidente desta Casa. Talvez nenhum o excedesse em coragem. Senador João Capiberibe, quando uma reforma do Judiciário foi aprovada pelo Congresso e o Presidente Geisel mandou fechá-lo, resumiu em uma frase a situação: “Este é o dia mais triste de minha vida”. Só essa frase fez com que os militares reconsiderassem e o reabrissem. Petrônio Portella foi o ícone da anistia. Sem dúvida nenhuma, se não fosse o destino - que está nas mãos de Deus - S. Exª chegaria a Presidente da República. S. Exª chegou a confidenciar-me que seria o candidato do Presidente João Baptista Figueiredo. O candidato à Vice-Presidência seria do PP: Tancredo Neves. No entanto, o destino determinou que tivesse um enfarte e fosse afastado. A medida provisória que V. Exª traz mais uma vez à Casa tem que ser repensada. Nossa Constituição foi beijada por Ulysses Guimarães. S. Exª nos disse que quem não respeitasse a Constituição estaria rasgando nossa bandeira. Nossa Constituição tem 252 artigos. Quando terminarmos o Governo Lula teremos uma constituição paralela de medidas provisórias. Vamos atingir o mesmo número.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Muito obrigado, Senador Mão Santa. V. Exª é, entre os Senadores, aquele que, talvez, mais lança mão da história para sustentar a sua atuação parlamentar, especialmente quando assume a tribuna do Senado Federal. V. Exª é um estudioso da história.

Estamos, na esteira do brilhante artigo do Professor René Dotti, defendendo a história, a informação. Estamos defendendo o interesse da história, que é registrar os fatos para que eles possam ser do conhecimento não só do presente, mas do futuro do País, inspirando sobretudo a ação das novas gerações com a lição permanente que só a história pode nos oferecer.

Observo que o próprio Líder Mercadante assume agora uma postura de crítica ao excesso de medidas provisórias e que o Presidente do Senado Federal designa o Senador Eduardo Siqueira Campos para apresentar estudo a respeito da utilização excessiva de medidas provisórias, buscando a apresentação de sugestões para a superação desse impasse.

Em que pese todo esse esforço de cada parlamentar que se manifesta a respeito e até apresenta proposições por meio de projetos de lei que tramitam na Casa, vejo apenas uma solução. Ela vem do Executivo, da adoção de uma postura de respeito ao Poder Legislativo por parte do Presidente da República. Que o Presidente da República abandone essa tentação de usurpar prerrogativas fundamentais do Congresso Nacional, porque está nos amesquinhando, reduzindo a potencialidade de produção legislativa das duas Casas do Congresso. Com essa postura autoritária, o Presidente da República não apenas compromete a nossa imagem, mas trabalha contra o processo democrático e o interesse nacional. Não há como recuperar credibilidade, já que o Poder Legislativo se desgastou ao longo do tempo de forma extrema, não há como recuperar essa credibilidade perdida sem adotarmos uma postura de maior independência, ousadia e altivez diante as pressões do Poder Executivo contra o Congresso Nacional por meio da utilização das medidas provisórias que afrontam a Constituição do País.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/11/2004 - Página 39274