Discurso durante a 173ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco. (como Líder)

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Considerações sobre o projeto de transposição das águas do Rio São Francisco. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 02/12/2004 - Página 39835
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • CRITICA, PROJETO, GOVERNO FEDERAL, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, DEFESA, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, DEBATE, SENADO.
  • REGISTRO, CONCESSÃO, LIMINAR, PROIBIÇÃO, REUNIÃO, CONSELHO NACIONAL, RECURSOS HIDRICOS, DISCUSSÃO, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO.
  • DEFESA, URGENCIA, PROVIDENCIA, REVIGORAÇÃO, CURSO D'AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, BENEFICIO, INTEGRAÇÃO, AMBITO NACIONAL.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Pela Liderança do PFL. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, ontem seria um dia importante para o futuro do Nordeste brasileiro. O Governo Federal, mesmo com o parecer contrário do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, tentaria usar de todo o seu “poder de convencimento” para fazer aprovar no Conselho Nacional de Recursos Hídricos a transposição do rio São Francisco.

O interesse do Presidente da República na transposição talvez seja explicado pela afirmativa do Professor João Abner Guimarães, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, de que “o Governo Lula se elegeu sem projeto e, na falta de um, assumiu este”.

A obra, Senador Ramez Tebet, está orçada em US$1,5 bilhão. Portanto, mais de R$4 bilhões.

É um tema que divide os maiores especialistas em Hidrologia no País. Integrantes do Conselho Nacional de Recursos Hídricos afirmam que, em muitos dos Estados beneficiados pela transposição, não existe, de fato, falta de água. O que há é um mau gerenciamento dos recursos hoje disponíveis. Cita-se o caso do Estado do Ceará, que tem uma demanda de 54 m3/s, e a oferta potencial dos mananciais existentes é de 215 m3/s - portanto, quatro vezes mais.

Outro fato destacado pelos especialistas é o de que as projeções de demanda futura são incorretas. O Governo afirma que o uso atual do rio é de 91 m3/s, enquanto a Agência Nacional de Águas (ANA) informa que são 335 m3/s. A diferença de 244 m3/s é muito considerável para um projeto que prevê a retirada de 26 a 127 m3/s. Afinal, quem tem razão?

A transposição pretendida abasteceria apenas seis reservatórios, e seriam necessárias muitas obras complementares para atingir a população realmente carente de água, o que onerará em muito os custos inicialmente previstos.

Para o Presidente do Comitê da Bacia do São Francisco, José Carlos Carvalho, ex-Ministro, “os 400 mil açudes existentes e os mais de 70 mil reservatórios particulares de pequeno porte suprem a necessidade de irrigação da área a ser atingida com a transposição”. Alguns açudes como o Castanhão, no Ceará, “têm condições de irrigar mais de 700 mil hectares de semi-árido, mas irrigam menos de 120 mil”, portanto, menos de 20%.

Além disso, segundo Marcelo Asfora, do Instituto Tecnológico de Pernambuco, “a vazão de 26,4 m3/s, que está sendo autorizada pela ANA, representa 100% da vazão do São Francisco ainda disponível para uso. Todo o resto já foi outorgado”. Ou seja, depois da transposição, o rio estará “seco” para novos empreendimentos de interesse dos Estados rio abaixo.

Ao analisar a proposta governamental, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco rejeitou a transposição das águas como estava proposta, admitindo apenas o uso para consumo humano e animal.

O que precisamos é definir uma política efetiva de combate à seca que dê fim à indústria de exploração das famílias desassistidas. Citando o Prof. Abner Guimarães: “Não adianta nada transferir recursos naturais do Vale do São Francisco, que é uma região estagnada e de baixo índice de desenvolvimento, para regiões metropolitanas como a de Fortaleza, onde a economia é muito mais dinâmica”.

Segundo os especialistas, do jeito como está proposta pelo Governo, a transposição só beneficiaria os grandes produtores agrícolas, em detrimento do consumidor residencial ou do pequeno agricultor.

Mas, Sr. Presidente, um outro grave erro em que se está incorrendo é que uma obra dessa envergadura, que atinge diretamente sete Estados da Federação, não deve ser analisada apenas pelos órgãos técnicos governamentais.

O Comitê de Bacia, o Conselho Nacional e a agência reguladora devem se pronunciar tecnicamente, mas a palavra final tem que passar pelo crivo do Congresso Nacional e, em especial, desta Casa, que tem a função constitucional de defender a Federação.

Aliás, não foi outra senão esta a proposta do Presidente do Comitê da Bacia do São Francisco, que solicitou à Ministra do Meio Ambiente e também Presidente do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, Senadora Marina Silva, que submetesse esse assunto ao Senado Federal. Disse ele: “É a Federação que está em jogo nessa questão”.

São os Senadores e Senadoras de todos os Estados que devem apreciar esse tema de tão alta envergadura para a Nação brasileira. Não podemos ficar à margem dessa decisão que está sendo tomada no âmbito do Executivo. Se esta Casa não assumir as iniciativas para a preservação do pacto federativo, seremos atropelados por outros Poderes.

E já o fomos, pois, no dia de ontem, a Juíza Substituta da 16ª Vara Federal de Brasília, Iolete Maria Fialho de Oliveira, provocada pelo Ministério Público Federal, concedeu liminar contra a realização da reunião do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, que discutiria o projeto de transposição.

A Juíza concordou com a alegação do Ministério Público de que “o Conselho não pode decidir sobre essa questão antes que sejam resolvidos, no Conselho da Bacia Hidrográfica do São Francisco, os conflitos no uso da água do rio”.

Segundo a Promotora de Justiça Federal, Cristina Rasia Montenegro, “a decisão do Conselho Nacional de Recursos Hídricos de chamar para si a solução de um problema que ainda não foi definido no âmbito do Comitê de Bacia quebra a coluna da Lei nº 9.433/97, que regula o uso dos recursos hídricos no Brasil”.

Ao concluir, Sr. Presidente, gostaria de dizer que o “Velho Chico” precisa urgentemente é de ações que garantam a revitalização do seu curso d’água que sempre foi o grande elo da “integração nacional”. O que não pode, agora, é transformá-lo em motivo de discórdia entre os entes federados.

Portanto, Sr. Presidente, gostaria de trazer esse apelo ao Governo, para que, antes de aprovar essa obra, que, a meu ver, nunca será realizada, consulte o Senado Federal, que é o local próprio para esse tipo de ação ser discutida.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/12/2004 - Página 39835