Discurso durante a 173ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Solicitação de apoio à Proposta de Emenda à Constituição 59, de 2003, de autoria de S.Exa., que tramita em fase final na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, estabelecendo que as famílias beneficiadas pela reforma agrária receberão o título da terra de concessão de uso.

Autor
Sibá Machado (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Machado Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • Solicitação de apoio à Proposta de Emenda à Constituição 59, de 2003, de autoria de S.Exa., que tramita em fase final na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, estabelecendo que as famílias beneficiadas pela reforma agrária receberão o título da terra de concessão de uso.
Publicação
Publicação no DSF de 02/12/2004 - Página 39888
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, APERFEIÇOAMENTO, POSSE, TERRAS, REFORMA AGRARIA, DEFESA, UTILIZAÇÃO, TITULO, CONCESSÃO DE USO.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com relação aos números apresentados pelo Ministro Presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, já foram muito bem explicitados tanto na imprensa quanto por outros Srs. Senadores, como a Líder Ideli Salvatti. Eu gostaria, na tarde de hoje, de me referir a um tema também constante da Ordem do Dia, muito importante para todos nós, que é o tema da reforma agrária. E apresentei uma PEC tratando do assunto, ao qual me reporto aqui.

O povo brasileiro sabe que a reforma agrária é desejável e necessária. Meu partido, o PT, sempre insistiu em que ela é indispensável e que dela não se pode abrir mão. Hoje, como nunca, é necessário, para viabilizá-la plenamente, que a reforma agrária se oriente pelos mais eficazes balizamentos legais e pelo melhor uso possível dos recursos públicos. Ninguém tem dúvida de que a morosidade, fruto de uma legislação ainda ineficaz, é um dos empecilhos para a reforma agrária no Brasil.

Eis por que encaminho a esta Casa Proposta de Emenda à Constituição que visa aperfeiçoar o regime de posse da terra para os assentados da reforma agrária.

A reforma agrária está sendo muito bem encaminhada pelo Governo Lula, apesar das dificuldades que todos conhecem. Mas, para diminuir as dificuldades, é preciso estar sempre atento à necessidade de aprimorar o processo. O Brasil anseia por aperfeiçoar seus índices sociais e suas conquistas na economia, o que deve se dar por meio de esforços em múltiplas frentes, uma não excluindo as outras. Há que manter os progressos na agropecuária de cunho empresarial e comercial, o chamado agronegócio.

É preciso reforçar, e muito, a agricultura familiar, o que o Governo já vem fazendo. Não esqueçamos que a agricultura familiar é sólida e próspera em inúmeros países que estão entre os mais ricos do mundo. E é preciso assegurar que o assentado da reforma agrária de hoje se transforme, amanhã, no agricultor familiar de sucesso, integrado a uma sociedade vitoriosa, tanto em termos de superação da exclusão como em termos econômicos.

Na reforma agrária, é preciso assentar, consolidar a produção, o cooperativismo, o crédito, a sustentabilidade econômica e ambiental das comunidades, o comércio justo e tantas outras coisas necessárias.

Nessa cadeia de esforço e progresso, é decisivo o primeiro passo, isto é, o Regime Jurídico de Posse da Terra que o assentado recebe. É disso que trata a PEC nº 59, de 2003, que encaminho a esta Casa. Essencialmente, a PEC modifica os termos do atual art. 189 da nossa Constituição. Atualmente, este artigo diz que os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, isto é, a dupla opção, a disposição do Poder Público.

No entanto, a opção escolhida, ao longo dos anos, foi, na quase totalidade dos casos, a de título de domínio, justamente a que a experiência vem indicando o menos recomendável e a menos eficaz. O título definitivo foi utilizado, durante muitos anos, como garantia para empréstimos bancários, o que, na verdade, configurou-se como uma maneira de se reconcentrar a terra nas mãos de alguns latifundiários.

Pela nossa PEC, a redação do art. 189 passa a ser: os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de concessão de uso. Há várias razões pelas quais essa alteração é desejável. A distribuição de títulos de domínio tem tornado a reforma agrária vulnerável a vários vícios e disfunções. Inúmeros são os beneficiários que, logo após receberem os seus títulos, os alienam. Para voltar a pleitear lote com outro assentamento, gerando o que é conhecido, na região amazônica principalmente, como “a indústria da posse” ou “a indústria do assentamento”.

Não raro, a destinação de terras pela reforma agrária tem os seus objetivos frustrados, retornando as parcelas ao antigo proprietário desapropriado que, após receber indenizações, muitas delas milionárias, recompra a terra dos assentados por um preço vil.

Esses vícios frustram o objetivo constitucional de promoção da justiça social mediante a distribuição da terra e ainda submete toda a sociedade a um ônus excessivo. É bem sabido, e a imprensa tem repercutido sobre isso, que a reforma agrária implica imensos custos para os cofres públicos e que 70% desses custos devem-se à aquisição de terras. Uma matéria jornalística exemplar a esse respeito é a do jornal O Globo do dia 1º de agosto do ano passado.

Ora, o título de concessão de uso, que é a modalidade que proponho, presta-se perfeitamente a distribuir terras para os beneficiários da reforma agrária. Não é necessária a transferência da propriedade rural ao beneficiário, podendo a terra continuar sob o domínio da União. O objetivo da distribuição de terras pela reforma agrária é a inclusão social e o efeito de tornar produtiva a terra improdutiva. Para produzir na terra não é necessário título de domínio, basta a outorga do título de concessão de uso.

O financiamento rural pelo Pronaf, pelo Banco da Terra ou qualquer outro programa afim, não exige a hipoteca do imóvel, não sendo, portanto, indispensável a titularidade dominial por parte do tomador do empréstimo. Está corretíssimo. Temos que garantir que o empréstimo exija como garantia apenas a relação fiduciária do bem adquirido.

Por outro lado, revelou-se positiva a experiência que se teve com o regime de concessão de direito real de uso, utilizada por muitos anos em cumprimento ao Estatuto da Terra. A concessão de uso, embora mais limitada que a de direito real, atende melhor os objetivos buscados.

A rescisão do contrato de concessão de uso, e conseqüente retomada do título outorgado e do lote adjudicado, é muito mais rápida e fácil do que em casos de outorga de título dominial, ou mesmo de título de concessão de direito real de uso. Quanto o Incra tenta resgatar lotes da reforma agrária para assentar outros beneficiários encontra muitas dificuldades, tendo em vista o poder privado ligado à propriedade.

Sr. Presidente, compactuar com os vícios que vêm corroendo a eficácia da reforma agrária é ultrajar o povo brasileiro e onerar injustamente o Estado, prejudicando sua capacidade de promover políticas sociais.

Queremos uma melhor política agrícola. Devemos fixar o homem no campo, fazer a terra produzir. É indispensável a reforma agrária. Mas não se pode distribuir sem fiscalizar, sem cobrar obrigações, sob pena de se estimular a especulação imobiliária. Os títulos de concessão de uso têm uma grande vantagem, adicional às que já expus: eles não são tão fáceis de negociar no mercado imobiliário, como são os de domínio. Além disso, pode ser rescindidos administrativamente, conferindo rapidez e operacionalidade à justa retomada do lote, quando se faz necessário.

Por todas essas razões, para o bem mesmo de uma reforma agrária socialmente justa e que possa atingir seus objetivos maiores, estamos apresentando a PEC que suprime a concessão de títulos de domínio na distribuição de lotes rurais pela reforma agrária.

A terra, Sr. Presidente, deve ser distribuída com o máximo de benefício para a sociedade brasileira, atendendo a suas aspirações de uma real justiça social, de uma inclusão com ética, regida por uma solidariedade que seja séria e efetiva.

Encerrando minha fala, quero dizer da minha alegria ao visitar a experiência da Cooperativa Pindorama, no Município de Cururipe, no Estado de Alagoas. Para nossa felicidade, é uma experiência que já dura 50 anos; a propriedade da terra é de posse da coletividade, da própria cooperativa. Assim, a família beneficiária não pode se desfazer da terra, caso desista de ser uma assentada, não pode vender a terra e sim negociar com a cooperativa o trabalho feito, a sua posse, o seu bem, fruto desse trabalho executado.

Portanto, Sr. Presidente, já no entendimento com o Presidente do Incra, Rolf Hackbart, faremos uma visita a essa experiência, ainda este mês, fazendo uma troca de informações e, assim, espero contribuir para a divulgação de uma experiência tão bem-sucedida na reforma agrária de nosso País. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/12/2004 - Página 39888