Discurso durante a 174ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o projeto de parcerias público-privadas, fundamental para o alavancamento da infra-estrutura do país.

Autor
Delcídio do Amaral (PT - Partido dos Trabalhadores/MS)
Nome completo: Delcídio do Amaral Gomez
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Considerações sobre o projeto de parcerias público-privadas, fundamental para o alavancamento da infra-estrutura do país.
Aparteantes
Ramez Tebet, Rodolpho Tourinho.
Publicação
Publicação no DSF de 03/12/2004 - Página 40203
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • IMPORTANCIA, PROJETO, PARCERIA, SETOR PUBLICO, SETOR PRIVADO, CONTRIBUIÇÃO, SOLUÇÃO, PROBLEMA, INFRAESTRUTURA, PAIS, NECESSIDADE, ESTABELECIMENTO, NORMAS, GARANTIA, INVESTIMENTO, CONFIANÇA, PARTICIPANTE.
  • COMENTARIO, EFICACIA, EXPERIENCIA, REINO UNIDO, PROJETO, PARCERIA, SETOR PUBLICO, SETOR PRIVADO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. DELCÍDO AMARAL (Bloco/PT - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Mensagem Presidencial nº 355, de 2003, que encaminhou o Projeto das Parcerias Público-Privadas ao Congresso, estabelece que as PPPs constituem “modalidade de contratação em que os entes públicos e as organizações privadas, mediante compartilhamento de riscos e com financiamento obtido pelo setor privado, assumem a realização de serviços ou empreendimentos públicos”.

Fica claro da leitura da mensagem que o Governo não está extinguindo ou limitando o alcance de outros instrumentos que sirvam a essas finalidades, como os previstos, por exemplo, nas Leis de Concessão de Serviços Públicos, datadas de 1995, ou da Lei de Licitações, de 1993.

Na realidade, as Parcerias Público-Privadas constituem mais uma entre as várias possibilidades de relacionamento do Poder Público com a iniciativa privada, com objetivos de realizar uma obra ou prestar serviço de utilidade pública. Essa constatação parece óbvia, mas é necessária no momento em que a proposta das PPPs ganha as manchetes e espaço na mídia televisiva, e é apresentada, muitas vezes, como uma panacéia, o remédio definitivo para os problemas do País.

O entendimento mais correto das PPPs, um projeto que se encontra no Senado desde maio de 2004, é o de que elas representam um complemento, uma alternativa à qual o Poder Público poderá lançar mãos em caso de necessidade. Fica também bastante claro, desde a mensagem encaminhada pelo Executivo, que os riscos dos investimentos seriam compartilhados e o financiamento seria obtido pelo setor privado.

Ao longo da tramitação pelas Comissões de Infra-Estrutura e Assuntos Econômicos, até a aprovação, há duas semanas, do relatório do Senador Valdir Raupp, os aperfeiçoamentos introduzidos ao longo dos debates nos dão a garantia de que o projeto será aprovado. As principais pendências levantadas pela Oposição foram quase todas acordadas. Um único ponto parece preocupar alguns setores da Oposição: supostos superpoderes concedidos ao Tesouro Nacional na composição do órgão gestor das PPPs.

Pelo projeto, o conselho gestor das PPPs será formado pelo Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, que deverá deliberar sobre o mérito de cada parceria, mas essa deliberação está sujeita a parecer prévio do Ministério da Fazenda. A Fazenda deverá manifestar-se sobre a viabilidade da concessão da garantia e quanto à sua forma, bem como sobre os riscos para o Tesouro Nacional.

Com certeza, esses temores de alguns oposicionistas deixarão de existir nos debates definitivos, já na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Caminhamos, assim, para a aprovação de um projeto, um bom projeto, e importante, porque está voltado para o futuro do nosso País, para o nosso futuro. E quando digo nosso futuro, estou-me referindo, de maneira muito especial, ao futuro do cidadão brasileiro.

O homem comum, a mulher comum, o brasileiro, por mais humilde que seja, merece viver numa nação mais fraterna, mais justa, onde seus direitos sejam respeitados, onde o Estado tenha condições de cuidar cada vez melhor da Educação, da Saúde, e possa fornecer segurança e bem estar a toda a população.

Há mais de um ano, vim a esta tribuna para alertar sobre o grande desafio que este Governo tinha pela frente e enfatizei a questão da infra-estrutura. Falei em rodovia, ferrovia, hidrovia, energia, escoamento da produção, e disse que, se o País não se tornasse uma nação empreendedora, corríamos o risco de entrar num círculo vicioso, discutindo câmbio, inflação, juros, e não sairíamos disso.

Acredito que o Governo avançou muito. Temos, hoje, um modelo elétrico definido, uma legislação previdenciária mais condizente com a realidade, uma reforma tributária que deverá ser aperfeiçoada mas que já registrou progressos, e estamos a caminho de definir as PPPs. Falta, porém, o estabelecimento de regras claras, de natureza permanente, que assegurem aos parceiros das PPPs um mínimo de garantia para seus investimentos.

Enquanto isso não acontecer, enquanto os marcos regulatórios não estiverem acertados - e de forma definitiva - ainda viveremos entre o medo e a incerteza.

E o essencial, agora, é crescer.

O Brasil tem que ser um país empreendedor, eu dizia na época e repito agora, pela simples razão de que, crescendo, iremos, paulatinamente, reduzindo o nível de desemprego, que continua alto.

É crescendo, Sr. Presidente, que iremos melhorar a renda dos nossos trabalhadores. É crescendo que iremos ter necessidade de mão-de-obra mais qualificada, que teremos necessidade de uma pesquisa científica comprometida com a inovação.

Em resumo, numa frase: é crescendo que mataremos a fome do povo brasileiro. Só por intermédio do crescimento econômico é que atingiremos as sonhadas metas da justiça social e de uma distribuição de renda mais justa.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Delcídio Amaral, permita-me V. Exª um aparte?

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Ouço V. Exª, meu caro Senador Ramez Tebet, conterrâneo, ilustre presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, onde fizemos grandes debates sobre as Parcerias Público-Privadas.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Interfiro no pronunciamento de V. Exª para fazer-lhe justiça. O Projeto das PPPs permaneceu em nossa Comissão por seis meses. Portanto, foram seis meses de discussão, seis meses de audiências públicas e debates, em que V. Exª teve uma participação muito importante. Faço o registro para que se faça justiça à excelente contribuição dada por V. Exª à Comissão de Assuntos Econômicos, como a que está dando agora, da tribuna, esclarecendo o que é o Projeto das PPPs e afirmando, por sinal muito bem, que esse projeto seria ou será completo, com toda a certeza, no instante em que tivermos segurança institucional, isto é, regras fixas para que os investidores e os empreendedores tenham mais confiança nos destinos do nosso País. Veja que a reforma tributária, como V. Exª salientou, ainda não está pronta enquanto a carga tributária do Brasil é uma das maiores do mundo. Saliento que, tanto a reforma tributária como outros projetos, que ainda estão na Câmara dos Deputados, são essenciais para se ter a devida segurança a que V. Exª se refere. Quero patentear aqui o trabalho que V. Exª vem desenvolvendo e, a par disso, cumprimentá-lo.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Muito obrigado, Senador Ramez Tebet.

Gostaria de registrar que, graças à competência, à paciência de V. Exª, bem como à forma democrática com que discutimos as PPPs na Comissão de Assuntos Econômicos, presidida por V. Exª, é que esse tema foi tratado à exaustão, proporcionando um texto de muito boa qualidade, que, efetivamente, foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos - repito -, por competência de V. Exª e pela maneira como conduziu os trabalhos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os indicadores econômicos melhoraram, sem dúvida; a balança comercial bate recordes sobre recordes.

Pois é chegada a hora de, finalmente, arrancarmos para uma nova etapa: a do crescimento da economia.

Um crescimento não mais tímido, mas ousado, que possa trazer às pessoas maior confiança para consumir mais, porque sentirão que seu poder aquisitivo também estará crescendo.

Para isso, precisamos aprofundar um projeto de novas reformas que garantam ao mesmo tempo estabilidade e crescimento.

Será possível compatibilizar crescimento com estabilidade?

Acreditamos que sim, se transferirmos o foco das empresas para os investimentos produtivos. E para essa transferência o investimento em infra-estrutura é fundamental.

Para a maioria dos analistas, o crescimento registrado pela economia nos últimos meses ainda é insuficiente para atingirmos as metas desejadas de 4% a 5%. Apesar de insuficiente, no entanto, já estamos batendo no teto da nossa capacidade produtiva na maioria dos setores da indústria.

O gargalo das rodovias, em precárias condições, e os portos mal-equipados ou mal-administrados, além dos excessos da burocracia e os problemas de financiamento ameaçam estrangular nossas exportações.

O investimento em infra-estrutura é fundamental e deve, a partir de agora, ser colocado com prioridade. Mas ainda faltam projetos, prazos e valores, bem como falta definir onde e como investir. Fazem falta, e muita, as regras claras em relação às atribuições das agências reguladoras.

Sr. Presidente, falta ao Brasil uma estratégia. Temos de nos perguntar para onde queremos ir, e, uma vez definido o rumo, arregaçar as mangas e ir à luta.

Vamos nos fixar em objetivos possíveis de serem atingidos e persistir.

O desenvolvimento econômico não acontece da noite para o dia. Ele tem que ser construído com procedimentos e ações focadas num objetivo. Temos de construir uma cultura do desenvolvimento.

E, no momento em que se discutem as PPS e suas possibilidades, é fundamental lembrar que muitas empresas do setor privado estão florescendo sem a necessidade de estímulo especial por parte do Governo. São empresas movidas pelo retorno produzido pelo próprio investimento.

A incapacidade do Estado em sustentar investimentos na infra-estrutura inclusive abriu espaços para os negócios privados.

Algumas dessas empresas, graças ao regime de concessões, estão crescendo - e, quando digo crescer, digo que estão lucrando ou têm pelo menos a expectativa de lucros - exatamente naqueles setores mais ameaçados pelo sucateamento, que são as concessionárias de rodovias, os administradores de terminais portuários e - pasmem - as empresas ferroviárias.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, entre 1999 e 2003, as concessionárias de rodovias acumularam ganhos líquidos de R$92 milhões, descontando-se dois anos em que tiveram prejuízos.

As empresas que investiram na operação de ferrovias sofreram perdas de perto R$2,5 bilhões, mas também elas estão virando o jogo. Apesar das perdas, o setor ferroviário está em expansão. Em 2000, ele representava 20% da movimentação de carga no País. No ano passado, esse índice chegou a 24%. Ou seja, está se processando de forma lenta, mas constante, uma saudável migração na matriz do transporte. Cito o exemplo da Vale do Rio Doce, que nasceu mineradora. Hoje, 12% de suas receitas vêm da prestação de serviços de logística.

Poderíamos nos alongar em exemplos e justificar cada um deles. O que queremos demonstrar é que existe espaço e viabilidade, com retorno assegurado, para investimentos em infra-estrutura. E que esses investimentos, dentro do princípio de Parcerias Público-Privadas devidamente reguladas e fiscalizadas, podem ser bastante atraentes para investidores internos e externos.

No cenário internacional existem dezenas de exemplos, já devidamente testados, nos quais poderíamos nos inspirar. Em artigo publicado na Folha de S.Paulo e transcrito no Jornal do PT, o nosso ex-Embaixador em Londres, José Maurício Bustani, faz considerações importantes sobre o modelo inglês de Parcerias Público-Privadas. Lá, como aqui, o conceito de parcerias surge depois de uma fase de privatizações feitas às pressas e muitas vezes de maneira equivocada. O sucesso inglês pode ser medido em números expressivos. De 1990, quando começaram a ser implantadas, até hoje foram assinados contratos no valor de 25 bilhões de libras , especialmente nos setores de transportes, saúde e defesa.

Com relação ao número de contratos, foram implementadas mais de 600 parcerias, grande parte delas a partir de 1997, quando as parcerias multiplicaram-se nos níveis regional e local.

A experiência britânica, segundo o ex-Embaixador Bustani, foi um sucesso na construção de hospitais e grande número de escolas. O exemplo do Reino Unido revela inclusive que o alcance das PPPs pode ir além da construção de grandes obras de infra-estrutura.

É claro que, para chegar a um resultado tão expressivo, o Governo britânico sustenta um rígido monitoramento dos impactos orçamentários dos projetos, o que contribui para que os compromissos sejam honrados e revela a limitação dos argumentos que associam as parcerias à irresponsabilidade fiscal. Parcerias para obras de infra-estrutura, seja na logística, seja na produção e distribuição de energia, com garantias justas e asseguradas para as partes envolvidas, mudariam a paisagem brasileira nas cidades e no campo.

Meu caro Senador Rodolpho Tourinho, Relator do projeto das Parcerias Público-Privadas na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, concedo um aparte a V. Exª.

O Sr. Rodolpho Tourinho (PFL - BA) - Senador Delcídio Amaral, considero muito oportuno o discurso de V. Exª. Aliás, é o segundo pronunciamento oportuno nesta sessão do Senado; embora não estivesse no plenário, ouvi o primeiro, do Senador César Borges, sobre a Lei Kandir e sobre o ressarcimento das exportações aos Estados, cujo valor até hoje não foi definido. O que se relaciona um pouco com a questão das PPPs. Apresentarei o relatório na quarta-feira da semana que vem, e aprovaremos o projeto. V. Exª mencionou o marco regulatório, e eu acrescentaria o ambiente regulatório. O marco regulatório propõe tirar a lei que está na Câmara, mas sem o contrato de gestão, sem o ouvidor independente. Até apóio o Governo para que a concessão seja dele, para que, efetivamente, ele possa fazer política em cada Ministério. E o ambiente regulatório é aquilo que podemos definir como não falar mal das agências, como cumprir os acordos feitos no Senado Federal - que depois são descumpridos -, como aprovar uma lei e fazer com que seja cumprida. Aprová-la para que seja descumprida é muito ruim. Com tudo isso, creio que há um espaço imenso. Na hora em que se resolverem o ambiente regulatório e o marco regulatório, haverá espaço imenso para o aumento da participação da iniciativa privada. E não se pode encarar essa questão como ideológica. No setor elétrico, que V. Exª tão bem conhece, são necessários cerca de R$20 bilhões por ano de investimentos, e o Governo, por mais que queira e por menos constrangimento que sofra do Fundo Monetário Internacional, não investe R$9 bilhões, ou seja, não tem condição de investir nem a metade, portanto vai precisar da iniciativa privada. Penso que não é tanto pela Parceria Público-Privada, é mais pela concessão, e, ainda mais, pelo marco regulatório e pelo ambiente regulatório. Quer dizer, é muito próprio o pronunciamento de V. Exª neste momento em que chegamos ao final da análise desse projeto, todo blindado. Tenho certeza de que será mais uma alternativa para atender a todas as preocupações que V. Exª tão bem apresenta.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Muito obrigado, Senador Rodolpho Tourinho. Destaco o trabalho de V. Exª no desenvolvimento desse projeto que hoje o Senado Federal analisa, bem como o conhecimento e a experiência de V. Exª.

Ao mesmo tempo, aproveito, Senador César Borges, para lembrar que Mato Grosso do Sul é um Estado exportador que comunga das mesmas preocupações. Mais do que nunca, registro a importância do discurso de V. Exª no que se refere à compensação aos Estados, especialmente os exportadores, em função da Lei Kandir, muito bem citada pelo Senador Ramez Tebet.

Antes de encerrar, Sr. Presidente - já estou chegando ao final -, gostaria de dizer que esses investimentos seriam multiplicadores que gerariam novos negócios e investimentos e que, acima de tudo, resultariam em empregos bem remunerados e salários dignos.

Por outro lado, não podemos esquecer que o Plano Plurianual do Governo para o período de 2004 a 2007 estima a necessidade de investimentos da ordem de 21,7% do PIB. Essa é a condição para a retomada e sustentação do desenvolvimento econômico. É um volume de recursos de que, infelizmente, o País não pode dispor.

A construção do Rodoanel e do Ferroanel metropolitano de São Paulo, a reforma do porto de Santos, a duplicação de rodovias e a construção de ferrovias estão na lista de projetos que podem ser iniciados após a aprovação e a regulamentação das PPPs.

            Os projetos incluem, ainda, obras em todas as regiões do País, desde o trecho de 1.174 quilômetros, de Nova Santa Helena, em Mato Grosso, a Santarém, no Pará, até a duplicação da BR-381, que liga São Paulo a Belo Horizonte.

Quanto às ferrovias, há a construção do contorno de Curitiba, do trecho Estreito-Balsas, de 240 quilômetros, e o trem turístico do Pantanal, no Estado de Mato Grosso do Sul.

Sr. Presidente, diariamente, angustia-me a indagação: por que teremos que ser eternamente pobres e dependentes?

Não encontro resposta. Apenas costuma vir-me à lembrança a frase cruel, mas verdadeira, do então Senador Roberto Campos, no seu discurso de despedida desta Casa, em 1999: “Continuamos longe demais da riqueza e perto demais da pobreza corrigível”.

Infelizmente, a frase continua valendo.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Peço que meu discurso seja registrado nos Anais do Senado.

Muito obrigado.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR DELCÍDIO AMARAL

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O SR. DELCÍDIO AMRAL (Bloco/PT - MS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Mensagem Presidencial número 355 de 2003, que encaminhou o projeto das Parcerias Público Privadas ao Congresso estabelece que as PPPs constituem “modalidade de contratação em que os entes públicos e as organizações privadas, mediante compartilhamento de riscos e com financiamento obtido pelo setor privado assumem a realização de serviços ou empreendimentos públicos.”

Fica claro da leitura da mensagem que o governo não está extinguindo ou limitando o alcance de outros instrumentos que sirvam a essas finalidades, como os previstos, por exemplo, nas Leis de Concessão de Serviços públicos, datadas de 1995. Ou da Lei de Licitações, de 1993. 

Na realidade, as Parcerias Público-Privadas constituem mais uma entre as varias possibilidades de relacionamento do poder publico com a iniciativa privada, com objetivos de realizar uma obra ou prestar serviço de utilidade pública.

Essa constatação parece óbvia, mas é necessária no momento em que a proposta das PPPs ganham as manchetes e espaço na mídia televisiva e são apresentadas, muitas vezes, como uma panacéia, o remédio definitivo para os problemas do país.

O entendimento mais correto das PPPs, um projeto que se encontra no Senado desde maio de 2004, é o de que elas representam apenas um complemento, uma alternativa a qual o poder público poderá lançar mão em caso de necessidade. 

Fica também bastante claro desde a mensagem encaminhada pelo Executivo que os riscos dos investimentos seriam compartilhados, e o financiamento seria obtido pelo próprio setor privado.

Ao longo da tramitação pelas comissões de Infra-estrutura e Assuntos Econômicos, até a aprovação, há duas semanas, do relatório do Senador Valdir Raupp, os aperfeiçoamentos introduzidos ao longo dos debates nos dão a garantia de que o projeto será aprovado.

As principais pendências levantadas pela oposição foram quase todas acordadas.

Um único ponto parece preocupar alguns setores da oposição: supostos superpoderes concedidos ao Tesouro Nacional na composição do órgão gestor das PPPs.

Pelo projeto, o conselho gestor das PPPs será formado pelo Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão que deverá deliberar sobre o mérito de cada parceria.

Mas essa deliberação está sujeita a parecer prévio do Ministério da Fazenda.

A Fazenda deverá manifestar-se sobre a viabilidade da concessão da garantia e quanto à sua forma, bem como sobre os riscos para o Tesouro Nacional.

Com certeza esses temores de alguns oposicionistas deixarão de existir nos debates definitivos já na Comissão de Constituição e Justiça.

Caminhamos assim para a aprovação de um projeto, um bom projeto, e importante, porque está voltado para o futuro do nosso país.

Para o nosso futuro.

E quando digo nosso futuro estou me referindo de maneira muito especial ao futuro do cidadão brasileiro.

O homem comum, a mulher comum, o brasileiro, por mais humilde que seja, merece viver numa nação mais fraterna, mais justa, onde seus direitos sejam respeitados, onde o Estado tenha condições de cuidar cada vez melhor da educação, da saúde, e possa fornecer segurança e bem estar a toda população.

Há mais de um ano, vim a esta tribuna para alertar sobre o grande desafio que este governo tinha pela frente e enfatizei a questão da infra-estrutura.

Falei em rodovia, ferrovia, hidrovia, energia, escoamento da produção.

E disse que, se o país não se tornasse uma nação empreendedora, corríamos o risco de entrar num círculo vicioso, discutindo câmbio, inflação, juros e não sairíamos disso.

Acredito que o governo avançou muito.

Temos hoje um modelo elétrico definido, temos uma legislação previdenciária mais condizente com a realidade, temos uma reforma tributária que deverá ser aperfeiçoada, mas já registrou progressos, e estamos a caminho de definir as PPPs.

Falta, porém, o estabelecimento de regras claras, de natureza permanente, que assegurem aos parceiros das PPPs um mínimo de garantia para seus investimentos.

Enquanto isso não acontecer, enquanto os marcos regulatórios não estiverem acertados - e de forma definitiva - ainda viveremos entre o medo e a incerteza.

As PPS, ao invés de uma suposta panacéia, poderão transformar-se em mais um imenso fracasso.

A cada reunião do Copom, viveremos a dúvida - a Tensão Pré Copom, a que se referiu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva num momento de descontração.

A verdade é que ainda não nos livramos do antigo hábito de sermos atentos e eficazes guardiões da moeda, em prejuízo do essencial.

E o essencial, agora, é crescer.

O Brasil tem que ser um país empreendedor, eu dizia na época e repito agora.

Pela simples razão de que, crescendo, iremos paulatinamente reduzindo o nível de desemprego, que continua alto.

É crescendo, Sr. Presidente, que iremos melhorar a renda dos nossos trabalhadores.

E crescendo que iremos ter necessidade de mão de obra mais qualificada, que teremos necessidade de uma pesquisa científica comprometida com a inovação.

Em resumo, numa frase: 

É crescendo que mataremos a fome do povo brasileiro. 

Só através do crescimento econômico é que atingiremos as sonhadas metas da justiça social e de uma distribuição de renda mais justa.

Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, os indicadores econômicos melhoraram, sem dúvida.

A balança comercial bate recordes sobre recordes.

Pois é chegada a hora de, finalmente, arrancarmos para uma nova etapa, a do crescimento da economia.

Um crescimento não mais tímido, mas ousado,

que possa trazer às pessoas maior confiança para consumir mais, porque sentirão que seu poder aquisitivo também estará crescendo.

Para isso precisamos aprofundar um projeto de novas reformas que garantam ao mesmo tempo estabilidade e crescimento.

Será possível compatibilizar crescimento com estabilidade?

Acreditamos que sim, se transferirmos o foco das empresas para os investimentos produtivos. 

E para essa transferência o investimento em infra-estrutura é fundamental.

Para a maioria dos analistas, o crescimento registrado pela economia nos últimos meses ainda é insuficiente para atingirmos as metas desejadas de 4 a 5 por cento.

Apesar de insuficiente, no entanto, já estamos batendo no teto da nossa capacidade produtiva na maioria dos setores da indústria.

O gargalo das rodovias em precárias condições e os portos mal equipados ou mal administrados, além dos excessos da burocracia e os problemas de financiamento ameaçam estrangular nossas exportações.

O investimento em infra-estrutura é fundamental e deve, a partir de agora, ser colocado como prioridade.

Mas ainda faltam projetos, faltam prazos, valores, falta definir onde e como investir.

Fazem falta, e muita, as regras claras das agências reguladoras.

A própria iniciativa privada parece carente de projetos de porte e desprovida de planos de investimento.

Os bancos, os fundos de pensão, alguns estufados de recursos e o próprio capital estrangeiro passam uma impressão de inércia, de apatia.

Sr. Presidente, parece que o nosso sistema acovardou as autoridades.

Falta ao Brasil uma estratégia. Nós temos que nos perguntar para onde queremos ir e, uma vez definido o rumo, arregaçar as mangas e ir à luta.

Vamos nos fixar em objetivos possíveis de serem atingidos.

E persistir. 

O desenvolvimento econômico não acontece da noite para o dia. Tem de ser construído com procedimentos e ações focadas num objetivo.

Temos de construir uma “cultura” do desenvolvimento.

E no momento em que se discute as PPPs e suas possibilidades é fundamental lembrar que muitas empresas do setor privado estão florescendo sem a necessidade de estímulo especial por parte do governo.

São empresas movidas pelo retorno produzido pelo próprio investimento.

Algumas, inclusive surgiram e cresceram à sombra do “apagão” na área de infra-estrutura que ameaça entalar definitivamente o país.

Algumas empresas faturaram. Isso para não falarmos em iniciativas exclusivas do setor privado, com empresas bem estruturadas, com project finance, e atuando com competência.

A incapacidade do Estado em sustentar investimentos na infra-estrutura inclusive abriu espaços para os negócios privados.

Algumas dessas empresas, graças ao regime de concessões, estão crescendo - e quando digo crescer, digo que estão lucrando ou têm pelo menos a expectativa de lucros - exatamente naqueles setores mais ameaçados pelo sucateamento, que são as concessionárias de rodovias, os administradores de terminais portuários e - pasmem - as empresas ferroviárias.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, entre 1999 e 2003, as concessionárias de rodovias acumularam ganhos líquidos de R$92 milhões, descontando-se dois anos em que tiveram prejuízos.

As empresas que investiram na operação de ferrovias sofreram perdas de perto R$2,5 bilhões, mas também elas estão virando o jogo.

Apesar das perdas, o setor ferroviário está em expansão.

Em 2000, ele representava 20% da movimentação de carga no país.

No ano passado esse índice chegou a 24%.

Ou seja, está se processando de forma lenta, mas constante, uma saudável migração na matriz do transporte.

Apenas para dar um exemplo. A Vale do Rio Doce nasceu mineradora e hoje 12% das suas receitas vem da prestação de serviços de logística.

Poderíamos nos alongar em exemplos e justificar cada um deles.

O que queremos demonstrar, é que existe espaço e viabilidade, com retorno assegurado, para investimentos em infra-estrutura. 

E que esses investimentos, dentro do princípio de Parcerias Público Privadas devidamente reguladas e fiscalizadas, podem ser bastante atraentes para investidores internos e externos.

Estão aí os chineses do grupo Citic, uma espécie de BNES da China, dispostos a investir US$5 bilhões de dólares no setor de infra-estrutura no Brasil.

Aguardam apenas a definição de questões como a taxa de retorno e o risco.

No cenário internacional existem dezenas de exemplos já devidamente testados nos quais poderíamos nos inspirar. 

Em artigo publicado na Folha de S.Paulo e transcrito no jornal do PT, o nosso ex-embaixador em Londres, José Mauricio Bustani, faz considerações importantes sobre o modelo inglês de Parcerias Público Privadas.

Lá, como aqui, o conceito de parcerias surge depois de uma fase de privatizações feitas às pressas, e muitas vezes de maneira equivocada.

E o sucesso inglês pode ser medido em números expressivos.

De 1990, quando começaram a ser implantadas, até hoje foram assinados contratos no valor de 25 bilhões de libras, especialmente nos setores de transportes, saúde e defesa.

Com relação ao número de contratos, foram implementadas mais de 600 parcerias, grande parte delas, a partir de 1997, quando as parcerias multiplicaram-se nos níveis regional e local.

A experiência britânica, segundo o embaixador Bustani, foi um sucesso na construção de hospitais e grande número de escolas.

O exemplo do Reino Unido revela inclusive que o alcance das PPPs pode ir além da construção de grandes obras de infra-estrutura.

Claro que, para se chegar a um resultado tão expressivo, o governo britânico sustenta um rígido monitoramento dos impactos orçamentários dos projetos, o que contribui para que os compromissos sejam honrados e revela a limitação dos argumentos que associam as parcerias à irresponsabilidade fiscal.

Parcerias para obras de infra-estrutura, seja na logística, seja na produção e distribuição de energia, com garantias justas e asseguradas para as partes envolvidas, mudariam a paisagem brasileira nas cidades e no campo.

Seriam investimentos multiplicadores, que gerariam novos negócios e novos investimentos, e acima de tudo, resultariam em empregos bem remunerados e salários dignos.

Por outro lado, não podemos esquecer que o Plano Plurianual do Governo para o período 2004 a 2007 estima a necessidade de investimentos na ordem de 21,7 % do PIB até 2007.

Essa é a condição para a retomada e sustentação do desenvolvimento econômico. È um volume de recursos que, infelizmente, o país não pode dispor.

A construção do Rodoanel metropolitano de São Paulo, a reforma do porto de Santos, a duplicação de rodovias, a construção de ferrovias estão na lista de projetos que podem ser iniciados após a aprovação e regulamentação das PPPs.

Os projetos incluem, ainda, obras em todas as regiões do Brasil, desde um trecho de 1.174 km em Santa Helena, no Mato Grosso e Santarém, no Pará), até a duplicação da BR-381 que liga São Paulo e Belo Horizonte.

Nas ferrovias, temos a construção do contorno de Curitiba, do trecho Estreito-Balsas, de 240 quilômetros e o próprio trem turístico do Pantanal, no meu estado.

Sr. Presidente, diariamente, me angustia a indagação? Por que teremos que ser eternamente pobres e dependentes?

Não encontro resposta. Apenas costuma me vir à lembrança a frase cruel, mas verdadeira, do então senador Roberto Campos no seu discurso de despedida desta Casa, em 1999.

“Continuamos longe demais da riqueza e perto demais da pobreza corrigível”, disse o Senador Campos.

A frase continua valendo.

Era o que eu tinha a dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/12/2004 - Página 40203