Discurso durante a 175ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Filmagens pela Rede Globo de TV da minissérie Mad Maria sobre a saga da construção estrada de ferro Madeira-Mamoré, em Rondônia.

Autor
Fátima Cleide (PT - Partido dos Trabalhadores/RO)
Nome completo: Fátima Cleide Rodrigues da Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL. TELECOMUNICAÇÃO.:
  • Filmagens pela Rede Globo de TV da minissérie Mad Maria sobre a saga da construção estrada de ferro Madeira-Mamoré, em Rondônia.
Publicação
Publicação no DSF de 07/12/2004 - Página 40443
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL. TELECOMUNICAÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, ESTADO DE RONDONIA (RO), GRAVAÇÃO, PROGRAMA, TELEVISÃO, HISTORIA, CONSTRUÇÃO, FERROVIA, ELOGIO, INICIATIVA, BENEFICIO, DIVULGAÇÃO, COSTUMES, POPULAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DEPOIMENTO, JORNALISTA, ACOMPANHAMENTO, GRAVAÇÃO, PROGRAMA, TELEVISÃO.

A SRª FÁTIMA CLEIDE (Bloco/PT - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, agradeço ao Senador Ney Suassuna pela oportunidade que me dá de fazer o meu pronunciamento neste momento, e desejo dar boa-tarde às pessoas que estão nas galerias do Senado, entre elas visitantes da Ásia.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero noticiar que Rondônia é palco, desde o início de outubro, de filmagens que a Rede Globo de Televisão conclui agora para contar ao povo brasileiro, a partir de janeiro de 2005, a épica construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, obra que possibilitou o surgimento da cidade de Porto Velho, capital de Rondônia.

A empreitada que a Globo abraça é a minissérie Mad Maria, baseada no romance homônimo do escritor amazonense Márcio Souza, que, por meio de dois triângulos amorosos - um na floresta e outro no Rio de Janeiro -, revelará a história de um dos maiores desafios arquitetônicos do século XX.

Esse desafio, Sr. Presidente, foi a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Sua construção é resultado do compromisso do Brasil com a Bolívia, firmado no Tratado de Petrópolis, para facilitar o transporte da borracha, matéria-prima demandada pela Primeira Guerra Mundial.

Além das negociações que envolveram a compra do território acreano, então possessão da Bolívia, o Governo brasileiro sacramentou, no artigo VII do tratado, no ano de 1903, a obra que interessava à Bolívia para fazer chegar ao Atlântico suas mercadorias, em especial a borracha.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, este é um capítulo da nossa história que retrata a surpreendente capacidade do ser humano de vencer desafios incalculáveis, inimagináveis.

E por certo eram inimagináveis para todos os que idealizaram e executaram esse projeto as dificuldades que estavam por vir; eram tantas que o prazo previsto de construção praticamente dobrou. A ferrovia levou penosos seis anos para ser construída, ficando pronta em 1912.

Durante esse tempo, cerca de 22 mil homens de 52 nacionalidades diferentes acreditaram nesse sonho. Ou delírio. Na época, o Brasil era sacudido pelos trilhos de ferro que começavam a cortar as regiões do País, e a fumaça das locomotivas - carinhosamente chamadas de Marias - parecia simbolizar a chegada do progresso.

Essa idéia foi estendida à desconhecida e imprevisível Amazônia, e para os que achavam um delírio investir no projeto, a malograda obra acabou por se revelar isso mesmo - e não somente pelos grandiosos obstáculos de natureza material, humana e geográfica encontrados no decorrer de sua conturbada execução. É que, já no ano de sua conclusão, o ciclo da borracha estava em declínio.

Chineses, norte-americanos, belgas, húngaros, ingleses, russos, árabes, barbadianos, indianos, canadenses, irlandeses, bolivianos e muitos outros povos encontraram-se num projeto de inigualável magnitude, erguido em condições geográficas as mais desfavoráveis. Quantos morreram em razão das inóspitas condições encontradas? Quantos enriqueceram? Quantos ficaram perdidos na Amazônia? São perguntas a respostas inexistentes.

Recomendo ao Brasil a leitura do que considero o retrato mais detalhado da épica construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré. Trata-se do livro A Ferrovia do Diabo, do jornalista e escritor Manoel Ferreira, que reside em São Paulo e tem sido um bravo e anônimo militante em defesa desse patrimônio, junto conosco.

Infelizmente, Sr. Presidente, a equipe da Rede Globo de Televisão constata o abandono que nós, filhos de Porto Velho, de Rondônia, estamos cansados de denunciar.

Para que a Globo pudesse levar adiante a minissérie, que será exibida em trinta capítulos e se constitui num dos mais caros investimentos da emissora, foi necessário reconstruir, em parceria com o Governo do Estado, seis quilômetros de trilhos, e recuperar a locomotiva que fazia o trajeto, com parada no distrito de Abunã.

Para moradores e ex-ferroviários, chamados a integrar o mutirão que pôs de pé a velha Maria Fumaça, a empreitada, acalentada há mais de vinte anos pelo novelista Benedito Ruy Barbosa, eleva sua auto-estima, renova a esperança de novamente ouvir o apito de trem sem mais silenciar.

Por isso, não posso deixar de, nesta oportunidade, parabenizar a Rede Globo de Televisão pela decisão de avalizar o projeto do novelista, “um grande desafio e uma grande aventura”, segundo ele próprio, consagrando seus quarenta anos de carreira.

O foco em Rondônia e na obra do amazônida Márcio Souza alcança ainda mais relevância porque a exibição da minissérie será um dos pontos altos da comemoração também dos quarenta anos da Rede Globo.

É possível que a minissérie Mad Maria leve milhões de brasileiros e brasileiras a refletirem sobre um Brasil desconhecido, um Brasil que abriga patrimônio histórico da maior relevância, um Brasil que necessita da atenção e carinho da sociedade. Falo da Amazônia.

A cada instante, tal qual a pilhagem que a ambição perpetra contra a biodiversidade amazônica, o conjunto patrimonial da Madeira-Mamoré, erguido às margens do rio Madeira, é vilipendiado, saqueado.

Disse o escritor Mário de Andrade, um dos tantos filhos ilustres deste País, que dignamente conheceu a Amazônia: “O brasileiro vive o Brasil e não o conhece!”.

O notável e disciplinado elenco de atores e o batalhão que soma 400 pessoas envolvidas na produção de Mad Maria também não conheciam este pedaço de Brasil.

Ana Paulo Arósio, a protagonista principal, empunhou sorridente e encantada com a biodiversidade, durante todo tempo, sua máquina fotográfica, nos cenários de filmagem.

O consagrado Juca de Oliveira mostrou-se indignado com o pouco caso do Poder Público em relação à preservação do patrimônio.

Fábio Assunção irritou a imprensa local por ter dito que jamais moraria num lugar desses, referindo-se ao calor, às pequenas agruras com que se deparou no ambiente totalmente desconhecido para ele.

É preciso conhecer a Amazônia, Srªs e Srs. Senadores, brasileiras e brasileiros. O não querer conhecer, o não saber, o não querer saber é o maior aliado da pilhagem hoje reinante na Amazônia.

De modo que seu povo e o povo de Rondônia, muito especialmente, agradecem ao elenco de atores e produtores de Mad Maria a difusão da imagem boa, carinhosa e hospitaleira de seu povo, do povo de Porto Velho, de sua natureza e de suas múltiplas possibilidades de desenvolvimento econômico e social em equilíbrio com o meio ambiente.

Para encerrar, Srªs e Srs. Senadores, leio partes do texto da jornalista e cronista Cora Ronai, de O Globo, publicado em 25 de novembro último. É uma bela crônica, Sr. Presidente, de quem conheceu uma parte da Amazônia, ao acompanhar a filmagem da Rede Globo em Santo Antônio, lugar de belas paisagens e de povo acolhedor.

O nome do texto é “Diário de Bordo. Dois dias em Rondônia, no set de ‘Mad Maria’”:

Terça-feira, 16 de novembro: Porto Velho, para quem espera selva fechada ou mesmo cidades como Manaus ou Belém, mergulhadas em lendas e no imaginário amazônico, é uma surpresa. É pequena, simpática e tem cantos que, não sei por quê, lembram a Ilha do Governador dos meus tempos de criança. O calor está perfeitamente razoável, mas todos são unânimes em dizer que hoje é um dia excepcional [era um dia fresco].

Amanhã saímos às sete, gravações em Santo Antônio. A produção é meticulosa e tem um quadro de avisos enorme no hall. Diz o seguinte:

Figuração:

60 barbadianos

02 espanhóis mortos

05 espanhóis

25 chineses

15 diversas raças

Gostei desses 02 espanhóis mortos. Se houver papel para uma centro-européia morta, vou me oferecer; é a única coisa que me sinto capaz de fazer em termos de interpretação. Notem que não é “morrendo”, é mortos mesmo.

(...)

Quarta-feira, 17 de novembro: Tive que acordar às seis, tendo ido dormir às duas; fui para um lugar tão quente que, misteriosamente, ficar ao sol era melhor do que ir para baixo das árvores; descobri que repelente para insetos não funciona com formiga. E querem saber? Adorei cada minuto!

A produção de “Mad Maria” é uma aventura em si mesma. Se cuidar das minúcias de um filme de época já é complicado em estúdio, imaginem o que é em plena selva amazônica! Estou impressionada com a paciência de todos, do diretor aos figurantes; e cheguei à conclusão de que eu não serviria sequer para fazer um dos espanhóis mortos. (...) Quando, afinal, os gestos ficam perfeitos, as falas entram nos lugares certos, nenhuma nuvem atrapalha e tudo se encaixa direitinho, um problema técnico qualquer estraga tudo. Eu teria um ataque, mas o diretor, que tem fama de ser terrível, diz apenas: “Raiva. Raiva. Ódio. Ódio. Grrrrrrrrrrrr”, com voz de desenho animado.

Encontrar a velha locomotiva de 1909 em pleno funcionamento é arrepiante. O trabalho de restauração foi feito por quatro velhinhos que a produção encontrou em Guajará-Mirim e que ainda se lembram do que faziam há décadas, quando cuidavam da sua manutenção. Sem querer, a Globo descobriu uma espécie de Buena Vista Social Club dos ferroviários.

Ana Paula Arósio, que é, indiscutivelmente, um dos bípedes mais lindos de se ver, fotografa tudo, o tempo todo. Sei o que é isso. Para nossa decepção, porém, com exceção de insetos, há pouquíssimos bichos na área do set, vizinha a uma pedreira. Na hora do almoço, alguém lhe traz uma linda lagarta azul de presente e ela fica no auge da felicidade. Pronto. Como não gostar de alguém que sabe apreciar devidamente uma lagarta azul?!

Enquanto isso, Amora Mautner, minha amiga querida e uma das diretoras da minissérie, enfrenta um problema exótico. Tem que filmar uma cena de sucuri que já aconteceu - sem a sucuri - num lago escuro. A sucuri, no entanto, é empréstimo do zoológico e não pode sair da cidade. Como fazer com que a água de uma piscina adquira a mesma estranha tonalidade da água daquele lago?

(...)

Juca de Oliveira está chocado com o desmatamento que tem visto ao longo dos últimos meses. Está igualmente revoltado com o que aconteceu com a Madeira-Mamoré e acha que alguém tinha que ser responsabilizado por isso: como se assassina de forma tão perversa uma estrada de ferro e, de quebra, a auto-estima de toda uma região?

Concordo inteiramente. O sucateamento dessa ferrovia teve requintes de crueldade que nós, do Rio de Janeiro, conhecemos bem. Aqui também o Palácio Monroe foi derrubado sem qualquer razão objetiva, exceto o capricho malsão de um general no poder. Juca pensa ainda no que se poderia fazer para chamar a atenção do País para o que acontece aqui. Há tantas queimadas que não se vê mais um céu claro em Rondônia; a floresta desaparece diante de nossos olhos, literalmente, vítima da cobiça de gente que não a entende e nem respeita.

Rezo para que um bom espírito o ilumine, mostrando como chegar ao coração de quem não tem alma.

Sr. Presidente, deixo aqui o artigo da cronista Cora Rónai, para que seja publicado na íntegra.

Era o que eu tinha a dizer, agradecendo mais uma vez ao Senador Ney Suassuna.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE A SRª SENADORA FÁTIMA CLEIDE EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“Diário de Bordo” (O Globo, de 25/11/2004)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/12/2004 - Página 40443