Discurso durante a 176ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Utilização do biodiesel como instrumento de desenvolvimento agrícola e econômico.

Autor
Leomar Quintanilha (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/TO)
Nome completo: Leomar de Melo Quintanilha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA. POLITICA ENERGETICA.:
  • Utilização do biodiesel como instrumento de desenvolvimento agrícola e econômico.
Aparteantes
Antonio Carlos Valadares, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 08/12/2004 - Página 41329
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA. POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • COMENTARIO, DIFICULDADE, FALTA, ASSISTENCIA, AGRICULTURA, BRASIL.
  • IMPORTANCIA, RESULTADO, AGRICULTURA, EFICACIA, BALANÇA COMERCIAL.
  • IMPORTANCIA, ESCLARECIMENTOS, CRITERIOS, PROGRAMA, GOVERNO FEDERAL, INCENTIVO, PRODUÇÃO, COMBUSTIVEL ALTERNATIVO, Biodiesel, OBJETIVO, SUBSTITUIÇÃO, COMBUSTIVEL FOSSIL, REDUÇÃO, POLUIÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, POLITICA ENERGETICA, CRIAÇÃO, EMPREGO, ZONA RURAL, REFORÇO, AGRICULTURA, PAIS.

O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PMDB - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, servi o Banco do Brasil durante muitos anos da minha vida, e o fiz, basicamente, em comunidades de infra-estrutura rural, cidades pequenas de regiões inóspitas ou semi-inóspitas, para onde as instituições financeiras privadas não ousavam ir porque o custo-benefício não daria a resposta que desejavam ao capital ali empregado. Mas lá estava o Banco do Brasil, como um braço forte do Governo, como um instrumento de fomento às atividades produtivas daquelas regiões atrasadas, abandonadas deste País. E ali, nas atividades de apoio ao comércio, ao pequeno comércio, à prestação de serviços, à incipiente indústria e notadamente à agricultura e à pecuária, vivi, por muito anos, uma experiência saudável da história de parte deste Brasil que, aos poucos, vem se inserindo no cenário nacional como uma parcela produtiva, como uma parcela contributiva do desenvolvimento econômico e social deste País. E foi nessas regiões distantes e remotas que aprendi, Sr. Presidente, Srs. Senadores, a identificar o significado e a importância da atividade agrícola para o contexto socioeconômico dessas regiões.

A atividade agrícola é uma atividade de alto risco, e àquela época o risco era muito maior em razão, também, da exigüidade das atividades de pesquisa, principalmente nessas regiões, onde os conceitos tecnológicos modernos inexistiam ou eram incipientes ou não alcançavam essas regiões. Nesse tempo, o cerrado ainda era uma biodiversidade pouco aproveitada, seus atributos maiores não eram conhecidos, insondáveis eram os seus segredos. O cerrado não se prestava à produção de quase nada. Hoje, graças aos avanços tecnológicos, ao trabalho extraordinário da Embrapa, essa empresa que nos enche o peito de orgulho, experimentamos uma verdadeira revolução no campo brasileiro, tanto na agricultura quanto na pecuária. O cerrado hoje produz de tudo, até o café de melhor qualidade, que era um cultivar restrito às áreas de cultura e mais frescas deste País.

A agricultura se revelou uma atividade praticada por muitos daqueles que não tinham outra alternativa para construir a sua própria vida, para criar as condições de subsistência própria e das suas famílias, embora atividade de alto risco. Lavouras de toco vi muitas. O Banco do Brasil financiou-as a largo, com um risco enorme, porque o pequeno produtor do meu Estado, Tocantins, do Estado do Senador Mão Santa, Piauí, àquela época - e não tínhamos conceitos tecnológicos a auxiliá-los -, usava grão ao invés de sementes, sem saber identificar as vantagens e as diferenças existentes entre grão e semente. Cultivava o solo de forma empírica, conforme aprendera com seu pai ou com seu avô. Ele plantava e ficava olhando para o céu, pedindo a São Pedro que mandasse a água necessária para regar a plantinha que nascia e crescia, com as suas dificuldades, e acabava produzindo alguma coisa.

Essa desassistência ao homem do campo acabou acentuando um fenômeno social muito forte no Brasil: a transformação da sociedade rural em urbana. Há pouco mais de trinta anos, mais de 70% da população brasileira vivia no campo, das suas lides rurícolas, das suas atividades agropecuárias. Essa realidade mudou de forma acentuada e houve uma efetiva inversão dessa situação. Atualmente, somos uma população nitidamente urbana e apenas 18% dela ocupa o meio rural, o campo. Agora a situação é um pouco menos dramática ou difícil. Embora ainda verifiquemos a inexistência de infra-estrutura para a atividade agropastoril em algumas regiões, vemos o Brasil sendo entrecortado por rodovias, algumas pavimentadas, que dão acesso ao campo, ao interior, permitindo que o homem do campo possa desenvolver a sua atividade econômica com um pouco menos de dificuldade.

Aliado a essa infra-estrutura de transporte, vemos um trabalho acentuado para a energização do meio rural em todo o Brasil.

A área de comunicação tem facilitado um pouco a atividade daqueles que trabalham em regiões mais remotas. Quando quebra um parafuso de um trator, aquele que o opera, pelas dificuldades de estrada e de comunicação, tem que se deslocar 20, 30, 40, 100 quilômetros até um ponto de apoio, dificultando sobremodo sua atividade.

A despeito de tudo isso, o brasileiro vem-se revelando de uma aptidão extraordinária para as lides rurais, sendo considerado o melhor e o mais competente agricultor do mundo. Além das dificuldades a que me refiro, há as dificuldades de natureza fiscal, como encargos sociais altíssimos. A nossa legislação trabalhista é de difícil interpretação, onera e dificulta o trabalho do homem do campo. O crédito ainda é de difícil acesso e de custo elevado.

Mesmo assim, a agricultura brasileira tem trazido alegria a este País, contribuindo para o equilíbrio e o sucesso de sua balança comercial, competindo com uma agricultura altamente técnica e subsidiada de outros países, notadamente do mundo europeu. O Brasil tem mostrado que seu setor primário pode efetivamente dar a grande contribuição de que o País precisa para encontrar a rota mais curta para o seu processo de desenvolvimento.

Há algum tempo não muito remoto, o Brasil teve uma idéia extraordinária: por meio da biomassa, encontrar uma forma alternativa de combustível, de energia. Criaram, então, o Proálcool, programa extraordinário que, ainda na sua concepção, foi copiado por outros países e que, a despeito das dificuldades e dos tropeços que enfrentou ao longo da sua existência, ainda traz inúmeras vantagens para a economia brasileira, entre elas a que agora tem o apelo mais forte: ser uma matriz de energia ambientalmente correta, limpa, o que deixa o Brasil numa posição de destaque.

Sras e Srs. Senadores, ontem o Governo resolveu lançar o programa do biodiesel, que tem sido objeto de experimento isolado em diversas regiões e com algum sucesso, com alguma vantagem. Propõe-se que o biodiesel, por decisão do Governo, substitua o diesel, um dos combustíveis mais demandados da nossa matriz energética e de alta poluição, porque derrama uma carga imensa de monóxido de carbono na atmosfera.

Vejo com muito otimismo esse programa, porque mecanismos deverão com certeza, no curso da sua implantação, ser aprimorados, para que possamos seguramente permitir que os pequenos produtores possam desenvolver um cultivar que lhes permita uma remuneração saudável e que dê uma condição de subsistência condigna para si e para sua família. Se o biodiesel revelar-se um nicho de negócio valioso, os agricultores de porte certamente por ele se interessarão e procurarão produzi-lo.

O programa que o Governo lançou ontem já apresenta alguns mecanismos: um, de natureza fiscal; outro, de proteção ao crédito, com a redução do custo do crédito. Trata-se de uma proteção para permitir que o micro e o pequeno produtor possam, efetivamente, ter uma pequena vantagem na incursão nesse que reputo seja um dos mais importantes programas que o Governo lança nas últimas décadas.

Nosso País, de dimensão continental, possui regiões pobres, com restrições acentuadas às atividades econômicas, como são principalmente as Regiões Nordeste e Norte. Mas o Norte é rico em recursos hídricos; e o Nordeste, notadamente, tem áreas férteis e com condições climáticas adequadas que permitem, em grande parte da região, o desenvolvimento de cultivares que possam ser transformados em biodiesel.

Esse projeto que o Governo lança poderá ser a melhor alternativa para a produção de energia, para a geração de empregos e para a subsistência de quem quiser, com o seu suor, com o seu trabalho, construir um futuro próprio, com dignidade.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, sempre tive um olhar respeitoso para a atividade agrícola, apesar dos altos riscos que a atividade traz. Inclusive, já vi muitas pessoas se infelicitarem com os resultados agrícolas, com frustrações de safra, com veranicos, com oscilação de preços que lhes era desfavorável, pois os preços aviltados de seus produtos não remuneravam os custos de produção. Como o Brasil tem um imenso mercado interno, com grande quantidade de veículos e de indústrias que utilizam o diesel, que gradativamente poderá ser substituído pelo biodisel, vejo, efetivamente, a grande oportunidade de o Brasil ter as regiões mais pobres inseridas num projeto nacional de desenvolvimento.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) -Senador Leomar Quintanilha, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PMDB - TO) - Concedo o aparte ao Senador Mão Santa, representante do nosso Piauí.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Atentamente estamos ouvindo V. Exª, que, além da sensibilidade de líder político extraordinário, tem a experiência de bancário de uma instituição que é orgulho do Brasil, o Banco do Brasil. O Banco do Brasil é uma universidade na formação de gente como V. Exª e traduz bem a experiência de investimentos que dão resultado. Por isso, o Brasil deve estar ouvindo-o atentamente, e o Governo do PT deveria também ouvi-lo. V. Exª fala justamente do que está salvando o Brasil, especialmente naquelas regiões mais difíceis, mais pobres: a agricultura. O homem brasileiro, o neto do europeu que deu certo na colonização do Sul do País, por não haver mais terra naquela região, foi buscar no Nordeste e no Centro-Oeste outras terras para cultivar. Assim, surgiu a grandeza da plantação de soja do Mato Grosso, do Mato Grosso do Sul, de Goiás, da Bahia, do Tocantins, do Maranhão e de nosso Piauí. O Piauí é a última fronteira agrícola: tem onze milhões de hectares de cerrado, três milhões à beira do rio Parnaíba, terceiro maior rio do Nordeste. Quando comecei a governar aquele Estado, Senador Leomar Quintanilha, colhiam-se 10 mil toneladas de soja; quando deixei o Governo, a safra foi de quase 500 mil toneladas, porque o neto do europeu que produziu a riqueza do Sul passou a buscar outras terras e enriqueceu o Piauí. Isso foi possível porque, no Governo passado, a sensibilidade do Presidente Fernando Henrique Cardoso nos possibilitou a energia do cerrado. Foi em uma reunião da Sudene, órgão que desenvolvia o Nordeste, que consegui a liberação de um projeto de energia do cerrado - São João, Canto do Buriti e Eliseu Martins - que possibilitou essa riqueza. E hoje uma multinacional instalou-se no cerrado, na cidade de Uruçuí, transformando aquela região do Piauí, igualando-a já, já às regiões produtoras de soja do Mato Grosso, do Maranhão e da Bahia. Agora, V. Exª nos adverte da outra grande perna do desenvolvimento, o biodiesel, e, com orgulho, quero dar o testemunho de que há mais de três décadas vi o Governador do Piauí, no período da revolução, Alberto Silva, já sonhar com isso e fazer pesquisas na Universidade Federal do Ceará, na Universidade da Bahia e, por último, com esse subsídio, instalou a primeira fábrica de biodiesel extraído da mamona, que pode ser plantada na região de São Raimundo Nonato, região de semi-árido, mas de tanta valia, tanto que V. Exª trouxe de lá a maior riqueza, a sua esposa, mulher do Piauí.

O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PMDB - TO) - Muito obrigado, Senador Mão Santa. Veja V. Exª, quando os produtores ou os moradores de São Raimundo Nonato, de Uruçuí ou de Recursolândia, no Tocantins, poderiam alimentar a esperança de ver a economia pujante ser sacudida por uma atividade que vai transformar e promover uma verdadeira revolução social e econômica naquela região? Não teríamos outras alternativas, pelo menos viáveis, a médio e longo prazos, senão por meio da agricultura.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) - V. Exª me concede um aparte, Senador Leomar?

O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PMDB - TO) - Logo em seguida, Senador.

Que bom podermos contar com uma atividade econômica extraordinária como a agricultura. Diferentemente das demais, a agricultura é uma atividade distributiva de renda. Em sua propriedade, o agricultor, antes mesmo de preparar o solo, já começa a irrigar os demais segmentos da economia com o seu dinheiro: a casa de peça, a casa do trator, o posto de combustível, a mercearia, o caminhão que aluga, a mão-de-obra que contrata. A agricultura é uma atividade que movimenta a economia local onde se instala. Além da riqueza resultante do trabalho, a agricultura gera empregos, algo por que o Brasil tanto clama.

Ouço, com muito prazer, V. Exª, nobre Senador Antonio Carlos Valadares.

O Sr. Antonio Carlos Valadares (Bloco/PSB - SE) - Senador Leomar Quintanilha, felicito V. Exª pela grandiosidade e pelo brilhantismo do seu pronunciamento e pela repercussão de suas sugestões. Sabemos que o Proálcool foi um programa de grande magnitude no Brasil. Esse programa teve as suas vantagens e também as suas desvantagens. Uma delas foi a produção de álcool em larga escala, em um Brasil que estava crescendo, desenvolvendo e movimentando sua indústria de veículos. Como desvantagem, houve a necessidade de grandes faixas de terras para que esse programa fosse edificado, executado, beneficiando principalmente grandes empresários, produtores de cana-de-açúcar. Com o programa do biodiesel anunciado por V. Exª, lançado na tarde de ontem pelo Governo Federal, teremos oportunidade de empregar o pequeno produtor, pois haverá possibilidade de utilizar pequenas faixas de terras e, conseqüentemente, ocupar milhares e milhares de famílias de brasileiros sedentos de trabalho. Assim, a produção de mamona, por exemplo, está sendo iniciada em nosso Estado, Sergipe, e está sendo objeto até de apoio do próprio Governo do Estado, porque esse programa está voltado principalmente para os pequenos agricultores. Quero parabenizar V. Exª, ao final deste pronunciamento, que, sem dúvida alguma, vem dar uma grande contribuição para o fortalecimento da agricultura brasileira.

O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PMDB - TO) - Senador Antonio Carlos Valadares, V. Exª tem razão; o biodiesel é um programa muito mais democrático do que o Proálcool, porque, como a cultura da cana é mais sofisticada, mais complicada, de custo mais elevado, os que a ela se dedicam têm um volume maior de recursos; enquanto para o biodiesel, a produção se dá por meio de biomassas diversas - a mamona, o dendê, a própria soja, a palma, o girassol - e permite ao produtor de qualquer porte dedicar-se a essa produção, desde que, principalmente para ter melhor resultado, se agrupe em associações ou cooperativas para otimizar o seu trabalho, para facilitar a comercialização, tanto na compra de insumos como na venda do seu produto.

Portanto, creio que estamos começando uma nova era. Essa medida provisória que agora edita o Presidente Lula seguramente terá uma ambientação alegre, simpática nesta Casa e na Câmara, onde certamente haverá uma receptividade extraordinária nas discussões que se travarão com vistas a aprimorá-la e a dar a este País uma alternativa econômica democrática que permita a participação inclusive do pequeno produtor.

Agradeço a benevolência de V. Exª, Sr. Presidente.

Era o que eu tinha a registrar nesta tarde.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/12/2004 - Página 41329