Pronunciamento de José Sarney em 07/12/2004
Discurso durante a 176ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Transcurso, no último dia 28, do aniversário do pensador Claude Lévy-Strauss.
- Autor
- José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
- Nome completo: José Sarney
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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HOMENAGEM.:
- Transcurso, no último dia 28, do aniversário do pensador Claude Lévy-Strauss.
- Publicação
- Publicação no DSF de 08/12/2004 - Página 41338
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
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- HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, INTELECTUAL, ESCRITOR, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, RELEVANCIA, TRABALHO, RENOVAÇÃO, SOCIOLOGIA, CIENCIAS HUMANAS.
O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP. Para uma comunicação inadiável.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em meio ao debate político que sempre se processa nesta Casa, eu quero fazer um interlúdio inesperado. Vou falar para fazer um registro sobre a figura que, talvez, seja hoje o maior pensador vivo do mundo ocidental: Claude Lévi-Strauss.Em todos os tempos são raras as pessoas que se projetam além de sua época, com uma dimensão que rompe as fronteiras da História. No dia 28 de novembro passado, Claude Lévi-Strauss completou 96 anos. E foi homenageado, lembrado, glorificado por toda a Europa e no mundo inteiro, pelo que ele representa. Sem sombra de dúvida, ele teve nas ciências humanas o impacto de Marx, Freud, Darwin. Para ele o Collège de France criou a cátedra de Social Antropologia. Em qualquer lugar do mundo ele é reverenciado.
Falo aqui porque todos sabem que a minha causa parlamentar ao longo desses anos sempre foi a cultura. Muitos projetos apresentei. Alguns deles de muita importância, para a Literatura brasileira, para as Artes, como a Lei de Incentivos fiscais e, recentemente, o Estatuto Nacional do Livro, coroado com a votação da isenção de PIS/Cofins para o livro.
No discurso em que ele foi recebido, há trinta anos, na Academia Francesa, Roger Caillois, também grande pensador, sociólogo e ensaísta, dizia que “sua obra” - referia-se a Claude Lévi-Strauss - “é tão rica, tão diversa, tão complexa, por natureza tão labiríntica”, que não ousava analisá-la. Eu também, com mais razão, num breve registro, nesta Casa, não vou analisar a sua obra, nem as etapas do pensamento humano a que ele renovou. Não me aventuro, portanto, nesse caminho.
Para saudar esse evento, temos, no Brasil, muito mais motivos. Desde 1935 o Brasil se tornou palco de sua descoberta fundamental, a de que o homem constrói sua cultura, como sua linguagem, suas estruturas básicas que independem de nossa visão ocidental de progresso.
Tudo começou quando, em 1934, o Diretor da École Normale Supérieure o convidou para ser professor de Sociologia na Universidade de São Paulo. Ele, então, veio jovem para São Paulo, onde ainda se procurava organizar a universidade. É dessa época a sua obra fundamental Tristes Trópicos, livro extraordinário, básico para qualquer um de nós que deseje conhecer os fundamentos sociológicos de nosso País.
Abrindo esse livro, que é de uma beleza que cativa todos os leitores, Lévi-Strauss disse que detestava as narrativas de viagens. Mas sentiu a necessidade de contar como aconteceu o processo que o levaria a compreender o ser humano, abolindo, de uma vez por todas, a idéia de que os valores humanos são melhores em algumas sociedades, abolindo toda e qualquer base para o racismo.
Não foi o Brasil, sem dúvida, que lhe abriu as portas para sua descoberta, mas foi, sem dúvida, no Brasil que ela se deu. Aqui ele começou sua carreira e criou a referência mundial do grande pensador que é Tristes Trópicos, todo ele cheio de observações sobre o Brasil e que tornou-se, portanto, como eu disse, um livro necessário para entendermos o Brasil.
Pessoalmente, também tenho que agradecer a Claude Lévi-Strauss ter me distinguido com uma amizade que é, sem dúvida, um dos grandes orgulhos de minha vida. Nunca passei pela Europa sem que o fosse visitar e desfrutar da sua sabedoria, daqueles instantes que me eram proporcionados pelo destino.
Em recente entrevista que deu aos jornais franceses, sobre as recordações do Brasil, me distinguiu dizendo que na sua memória tinham ficado Mário de Andrade, Paulo Duarte, Sérgio Milliet e incluiu - que para mim é motivo de extremo orgulho - José Sarney. É também, entre as suas qualidades, grande a generosidade do seu espírito.
Em um dos seus livros mais recentes, em que fala sobre a arte - Regarder, Écouter, Lire -, Claude Lévi-Strauss diz: “suprimir ao acaso dez ou vinte séculos de história não afetariam sensivelmente nosso conhecimento da natureza humana. A única perda insubstituível seria a das obras de arte que estes séculos tivessem visto nascer. Porque os homens só se diferenciam, e mesmo só existem, por suas obras. Só elas dão a evidência de que, ao longo do tempo, entre os homens, alguma coisa realmente aconteceu.”
Portanto, faço hoje aqui no Senado este registro, associando o Brasil a essas homenagens que todo o mundo ocidental presta ao maior pensador vivo da humanidade, ao grande renovador da sociologia, que dignificou a espécie humana e por cuja obra e criação passa a história do pensamento humano.
Muito obrigado.