Discurso durante a 177ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reforma do Judiciário.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA JUDICIARIA.:
  • Reforma do Judiciário.
Publicação
Publicação no DSF de 09/12/2004 - Página 41587
Assunto
Outros > REFORMA JUDICIARIA.
Indexação
  • IMPORTANCIA, PROMULGAÇÃO, REFORMA JUDICIARIA, ANALISE, RESULTADO, BENEFICIO, AGILIZAÇÃO, ACESSO, POPULAÇÃO, JUSTIÇA.
  • REGISTRO, TRAMITAÇÃO, PROJETO DE LEI, ALTERAÇÃO, CODIGO DE PROCESSO CIVIL, REFERENCIA, PROCESSO, EXECUÇÃO JUDICIAL, TITULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL, IMPLEMENTAÇÃO, MEDIAÇÃO, PROCESSO JUDICIAL, IMPORTANCIA, COMPLEMENTAÇÃO, REFORMA JUDICIARIA.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero hoje chamar a atenção para o que certamente já é uma das contribuições mais relevantes do Parlamento, nesta Legislatura, para a consolidação do Estado brasileiro como um Estado democrático e justo. Refiro-me à promulgação da Reforma do Judiciário.

Foi mais de uma década de esforços, que hoje vemos realizados, ao menos em parte. Digo apenas em parte, porque, além do que foi encaminhado de volta à Câmara e que exige emendas constitucionais, há ainda muito trabalho a ser feito, seja por nós, legisladores, no que diz respeito à legislação infraconstitucional que terá que ampliar, desdobrar e regulamentar os novos preceitos constitucionais, seja pelo próprio Poder Judiciário, no que se refere à modernização de sua gestão e à adequação de sua estrutura e de seus procedimentos às novas regras.

Uma avaliação do sucesso dessa reforma, portanto, vai levar ainda algum tempo. O que é certo é que seu sucesso será diretamente proporcional à nossa capacidade de levar adiante o que já foi começado e de aprofundar duas de suas finalidades mais importantes, que são dar celeridade à prestação judicial e garantir o acesso de todos à justiça.

Alguma coisa em direção a essas duas finalidades já foi feita. Quanto à necessidade de aumentar a celeridade da justiça, o avanço mais importante da parte da reforma já aprovada e promulgada é a preservação da função do Supremo Tribunal Federal como corte constitucional. A criação do instituto da súmula vinculante, bem como a possibilidade de o Supremo recusar recurso extraordinário que não comprove a repercussão geral das questões constitucionais concernidas, vão contribuir para mudar a percepção do STF como última instância recursal e para devolver-lhe o caráter de corte constitucional, que deve ter.

Isso deve ser completado e aprofundado com a aprovação - assim esperamos - do instituto da súmula impeditiva de recursos, criada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior do Trabalho, na parte da reforma encaminhada à Câmara. Tudo isso servirá não só para aliviar a pressão sobre os tribunais superiores, mas, sobretudo, para dar mais coerência e consistência ao sistema como um todo, o que terá, certamente, reflexos na sua eficiência e na sua eficácia.

Sr. Presidente, além disso, destaco mais quatro pontos da reforma, relacionados à organização do Poder Judiciário, que, tenho certeza, vão dar sua contribuição para acelerar o andamento dos processos.

O primeiro ponto é que a atividade jurisdicional será ininterrupta, ficando vedada a concessão de férias coletivas aos juízes. O segundo, que o número de juízes será proporcional à efetiva demanda judicial e à população, evitando, assim, a sobrecarga e o acúmulo de processos distribuídos por juiz. O terceiro é a permissão para delegar a servidores dos tribunais a autoridade para realizar atos de administração e atos de mero expediente, sem caráter decisório, permitindo, assim, que os juízes se dediquem exclusivamente às tarefas jurisdicionais. Por fim, o quarto ponto estabelece que a distribuição dos processos será imediata, em todos os graus de jurisdição.

Quanto ao acesso à justiça, quero destacar, rapidamente, a criação da justiça itinerante, a autorização para funcionamento descentralizado dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais do Trabalho e dos Tribunais de Justiça e o fortalecimento da defensoria pública. Todas essas medidas certamente terão como efeito trazer a justiça para mais perto dos cidadãos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é preciso que se diga que todos temos consciência de que essa reforma não é mais do que o ponto de partida de um processo mais longo de aprimoramento de nossas instituições judiciais. De modo algum consideramos que o trabalho esteja encerrado. Por um lado, ainda esperamos que a Câmara aprove os aperfeiçoamentos propostos pelo Senado e complete, assim, a parte constitucional da reforma. Torçamos, aliás, para que essa parte da Reforma do Judiciário que voltou à Câmara tenha um destino melhor do que o da Reforma da Previdência. Por outro lado, para garantir efetivamente a realização das duas finalidades mais importantes, que são a celeridade e o acesso à justiça, ainda é preciso, como disse, estender a reforma à legislação infraconstitucional, especialmente à legislação processual, e modernizar a gestão da justiça. Essa última tarefa cabe primariamente ao próprio Poder Judiciário, mas a primeira é ainda algo que cai sob a nossa responsabilidade como legisladores.

Agora mesmo estão em tramitação, nas duas Casas do Congresso, alguns projetos de lei que são fundamentais para completar a Reforma do Judiciário. O primeiro deles, já aprovado na Câmara, altera profundamente o Código de Processo Civil, no que diz respeito ao processo de execução civil de títulos judiciais. Como sabem todos, o Código de Processo Civil prevê, atualmente, três fases distintas até a extinção do processo: a fase de conhecimento, a de liquidação e a de execução de sentença. Com a mudança proposta no projeto, as fases de liquidação e execução devem passar a fazer parte do processo de conhecimento. Não será mais preciso um novo processo para que alguém que ganhou uma causa de indenização, por exemplo, venha efetivamente a receber aquilo a que tem direito. Isso deve reduzir o tempo de tramitação dos processos em pelo menos um terço.

Complementarmente, também está sendo alterado o processo de execução de títulos extrajudiciais. Da mesma forma, a intenção é dar celeridade ao processo. Já existe um projeto sobre isso em tramitação na Câmara. Entre outras coisas, esse projeto privilegia a adjudicação de bens, em detrimento da hasta pública, e institui mecanismos que desestimulam a protelação.

Essas mudanças no processo de execução completam-se, de certa forma, com a instituição do mecanismo de mediação paraprocessual. A parte da reforma constitucional que voltou à Câmara já prevê que os interessados em resolver seus conflitos de interesse poderão valer-se de juízo arbitral, na forma da lei. Há, sobre isso, um projeto de lei já aprovado pela Câmara e agora tramitando pelo Senado. Esse projeto introduz a possibilidade da mediação prévia, por via judicial ou extrajudicial, e a obrigatoriedade, com algumas exceções, da tentativa de mediação incidental no processo de conhecimento. O instituto da arbitragem, que permite a resolução de conflitos, relativos especialmente a direitos patrimoniais disponíveis, por meios extrajudiciais alternativos, como a negociação, a conciliação e a mediação, já existe no Brasil desde 1996. A institucionalização da mediação paraprocessual voltada ao processo civil vem ampliar o campo de possibilidades dessas soluções alternativas, contribuindo sensivelmente para dar celeridade à prestação jurisdicional.

Outro ponto importante, que vai exigir muito de nossa atenção, diz respeito à reforma do sistema recursal brasileiro. Para além da existência de institutos que são verdadeiros fósseis jurídicos, como o dos chamados embargos infringentes, há ainda a percepção de que o sistema recursal brasileiro serve mais às estratégias protelatórias dos advogados do que para garantir o respeito aos princípios fundamentais dos direitos ao contraditório e à ampla defesa. Sem negar esses princípios - ao contrário, pensando justamente em sua proteção e na garantia de sua efetividade - e sem eliminar as possibilidades de recursos, é preciso dar racionalidade ao sistema, para dar-lhe celeridade e eficiência.

Essas modificações, Sr. Presidente, visam a tornar o Código de Processo Civil mais adequado à presteza que esperamos da justiça. Quanto ao processo penal, a questão é menos premente, mas também exigirá um pouco da nossa atenção.

Há, na Câmara dos Deputados, três projetos, todos prontos para ir a Plenário, que alteram o Código de Processo Penal com a intenção de modernizá-lo e, assim, de garantir sua presteza e justiça, sem, naturalmente, retirar-lhe as garantias necessárias.

Há um projeto alterando os dispositivos referentes ao Tribunal do Júri, criando a instrução preliminar e simplificando a instrução em plenário, entre outras coisas. Há outro modificando alguns aspectos da atividade probatória, da sistemática de perícia e da oitiva de testemunhas, procurando modernizar significativamente o processo. Há, por fim, um projeto relativo à prisão, medidas cautelares, liberdade provisória e fiança. O projeto cria um novo sistema de regras sobre esses tópicos, proporcionando ao juiz alternativas de aplicação de medidas cautelares, sempre de acordo com o caso concreto que demanda solução.

Por fim, Sr. Presidente, quando se fala de celeridade e garantia de acesso à justiça, não podemos nos esquecer da instituição dos juizados especiais, implantados no Brasil em 1995. Atualmente, são objeto de uma ampla pesquisa, realizada pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais, com apoio do Ministério da Justiça. Parte da pesquisa, sobre o universo dos juizados especiais no Estado de São Paulo, já foi realizada e traz algumas informações relevantes. Por um lado, comprova o sucesso dos juizados especiais em aumentar o acesso à justiça. Por outro, mostra algumas fragilidades, que deveríamos cuidar para que não ponham a perder essa experiência tão frutífera.

Há, antes de mais nada, um problema causado pelo próprio sucesso desses juizados. Com o aumento da procura, sem a atualização proporcional de sua estrutura, esses juizados já começam a se ver também sobrecarregados.

Além disso, a pesquisa mostra que os tribunais especiais, embora já se vão quase dez anos de sua criação, ainda estão pouco institucionalizados. Para além da fragilidade da infra-estrutura posta à disposição desses juizados, que ainda dependem muito da boa vontade e da disposição dos seus operadores, falta também um investimento direcionado à formação de mão-de-obra especializada, especialmente de conciliadores. A pesquisa mostrou que, em São Paulo, três quartos dos conciliadores não passaram por nenhum tipo de treinamento específico.

De todo modo, a existência desses juizados e sua utilização crescente pela sociedade trouxeram uma mudança de mentalidade muito significativa. Hoje, a “cultura da sentença” vem sendo pouco a pouco substituída por uma valorização da conciliação e da figura do conciliador, da mediação e da composição de conflitos. Cada vez mais, essas soluções, mais livres dos formalismos da justiça tradicional, mas capazes de garantir a solução justa dos conflitos, ganham a confiança dos cidadãos. Cabe a nós estimulá-las e garantir seu funcionamento eficiente.

Atualmente, há várias matérias relativas aos juizados especiais tramitando no Congresso, algumas delas ampliando suas competências. Isso é bem-vindo, mas não podemos esquecer que essa ampliação só terá efeitos concretamente benéficos se, ao mesmo tempo, vier com a preocupação de garantir sua infra-estrutura, a capacitação dos seus operadores e, sobretudo, sua correta institucionalização.

Sr. Presidente, concluo, voltando ao que disse no início. Creio que podemos nos orgulhar da contribuição que demos ao esforço, que remonta à Constituinte de 1988, de criar instituições justas e democráticas no Brasil. A Reforma do Judiciário, em especial, tem um papel particularmente importante para consolidar esse esforço, dado o lugar estratégico que ocupa o Poder Judiciário, não só na estrutura estatal, mas, sobretudo, na regulação das relações sociais.

Agora, é vital que não relaxemos nossa atenção, a fim de completar o que ainda falta. Só assim veremos efetivamente coroados os nossos esforços e recompensadas as esperanças da sociedade brasileira.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/12/2004 - Página 41587