Discurso durante a 178ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Importância do orçamento participativo.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ORÇAMENTO.:
  • Importância do orçamento participativo.
Publicação
Publicação no DSF de 10/12/2004 - Página 41916
Assunto
Outros > ORÇAMENTO.
Indexação
  • ANALISE, MODELO, ORÇAMENTO, IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, POPULAÇÃO, DECISÃO, NATUREZA ORÇAMENTARIA, REFORÇO, DEMOCRACIA, EFICIENCIA, FISCALIZAÇÃO, GOVERNO.
  • REGISTRO, UTILIZAÇÃO, MODELO, ORÇAMENTO, CAPITAL DE ESTADO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já é apreciável a experiência acumulada na administração municipal brasileira com o sistema inovador chamado Orçamento Participativo. Sistema que trata, em essência, de estruturar uma parte significativa do orçamento do Município, geralmente entre 5% e 15% do orçamento total e de 10% a 100% do orçamento de investimento, com base em discussões e escolhas de prioridades realizadas em reuniões abertas a toda a população. As obras a executar de melhoramentos urbanos e de implantação de equipamentos sociais são, no Orçamento Participativo, escolhidas inicialmente em reuniões organizadas por bairro e por região administrativa da cidade. São eleitos, nessas reuniões, representantes dos moradores para comitês que irão ajustar, com o Executivo Municipal, as escolhas feitas pelos bairros, incorporando-as ao orçamento formal da cidade. Esses comitês também acompanham, ao longo do tempo, a execução das obras definidas nesse processo participativo.

Trata-se, portanto, de um sistema complexo, que objetiva atingir, simultaneamente, várias importantes metas democráticas. Primeiro, fazer com que as ações e programas do Executivo Municipal se aproximem mais das reais necessidades da população de cada bairro. Segundo, estimular a participação dos cidadãos na gestão dos assuntos públicos. Terceiro, permitir a fiscalização dos procedimentos administrativos envolvidos na execução das obras programadas.

Sr. Presidente, o Orçamento Participativo é uma modalidade de democracia direta, que se incorpora aos caminhos tradicionais e convencionais da democracia indireta, representativa, aquela em que os eleitores, de quatro em quatro anos, escolhem o Legislativo Municipal e o prefeito que irão governar a cidade.

A experiência pioneira de Orçamento Participativo deu-se em Porto Alegre, ainda no final da década de 80, em administração do Partido dos Trabalhadores. Lá ele vem sendo aplicado continuamente desde então, e de lá se espraiou, em anos mais recentes, por mais de 100 Municípios, aí incluídas cidades onde o sistema foi testado por, pelo menos, quatro anos. A lista de cidades onde foi aplicado o Orçamento Participativo, ou alguma variante dele, inclui centros importantes, como Belo Horizonte, Recife, São Paulo, Belém, Brasília, Goiânia, Betim, Campinas, Dourados e muitos outros grandes ou pequenos Municípios.

O formato institucional e certos detalhes de procedimento variam bastante de um caso para outro, mas é evidente que há uma idéia básica comum a todos, a de que a aplicação desses mecanismos participativos traz vantagens em relação às alternativas mais convencionais de fixação de orçamentos de obras municipais e de sua execução. Nessa centena ou mais de cidades em que o sistema foi aplicado, houve grandes variações quanto aos resultados obtidos, satisfatórios ou não. Sobretudo, o Orçamento Participativo é objeto de interesse e polêmica, até mesmo no exterior, onde despertou muita atenção, sendo objeto de vários estudos e pesquisas. Entre críticas e apoios entusiasmados, existe já considerável volume de livros e sobre as propostas e experiências do Orçamento Participativo. A apreciação desses argumentos contra e a favor é útil até mesmo para o aperfeiçoamento do próprio sistema, nas localidades em que já é aplicado, e para a orientação daqueles que pretendam começar a aplicá-lo.

Sr. Presidente, o Orçamento Participativo pode ser compreendido e definido, teoricamente, sob diversas enfoques. Para uns é a criação de um espaço cívico não estatal. Outros o definem como democracia direta, ou democracia participativa. Outros ainda, como um processo de promoção de cidadania efetiva. Pode ser visto também como um mecanismo econômico redistributivo.

Seus defensores destacam o seu potencial para promover uma transformação social positiva, conscientizando e educando amplos segmentos populares no que se refere à existência e ao exercício de seus direitos políticos, civis e sociais. O Orçamento Participativo, nessa visão, amplia a esfera efetiva desses direitos. Ao mesmo tempo, reduz o espaço de práticas que empobrecem a democracia, como o clientelismo, a concessão de favores somente aos que apóiam quem está no poder ou quem pleiteia o poder. É também maneira de contrabalançar a influência dos interesses de indivíduos ou grupos restritos tradicionais que gozam de excesso de poder político, econômico e social, em relação à grande massa da população.

O Orçamento Participativo pode funcionar, institucionalmente, como um exercício que amplia a esfera democrática, ao promover um verdadeiro adestramento de massa nas lides da discussão de matérias de interesse público. Os representantes eleitos para os comitês de bairro e os delegados eleitos para o comitê da cidade são voluntários que trazem das assembléias de bairro os pleitos priorizados e a elas retornam com informações sobre sua tramitação administrativa, num fluxo democrático e pedagógico de ida e volta.

O sistema permite maior visibilidade e transparência no que toca aos processos decisórios que se dão nas instituições tradicionais de poder da democracia representativa, ou indireta, isto é, o Executivo e o Legislativo municipais. Cria-se um vetor de influência novo que pode levar a políticas públicas mais bem formuladas e à redução da possibilidade de desvios e desperdícios devidos a práticas corruptas.

A experiência tem demonstrado que nem todos esses aspectos, objetivos e vantagens de ordem geral são alcançados por igual e sempre em grau satisfatório. Conforme o caso, avança-se em alguns tópicos e tropeça-se em outros. São necessários vários anos, criatividade política e administrativa e gestão firme para que os bons frutos do Orçamento Participativo se produzam regular e constantemente. Afinal, os procedimentos do sistema se dão em meio à pressão de disputas políticas e sob as inevitáveis condições de complexidades legais e administrativas.

O sistema do Orçamento Participativo pode sofrer frustrações em relação ao entusiasmo inicial que acompanha geralmente a sua adoção. A participação popular, com o tempo, pode ir arrefecendo. Algumas obras não conseguem ser concluídas dentro do ciclo anual do sistema, causando decepção. O processo, a todo momento, sofre o risco de descambar para aquilo que, inicialmente, tentou superar: a manipulação política, o atendimento a grupos restritos, a contaminação eleitoreira dos programas e o próprio clientelismo. O julgamento final sobre a eficácia do Orçamento Participativo sempre será dado pelas próximas eleições, principalmente se o processo foi adotado com grande destaque pela Administração. Em certos casos, indo mal ou bem, o Orçamento Participativo não afeta, por exemplo, a reeleição de um prefeito, se este o adotou com pouca ênfase e deu maior importância a outras linhas de sua atuação como líder eleito do Município.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as grandes promessas, nem sempre cumpridas, e a grande complexidade do Orçamento Participativo o tornam, inevitavelmente, objeto de muita crítica. A primeira delas é que a participação popular no Orçamento Participativo, comparada com o contingente total da população, é, a rigor, muito pequena. Segundo essa crítica, mais vale concentrar energias em aperfeiçoar as instituições democráticas tradicionais, a legislação partidária e eleitoral, as práticas políticas. A essa crítica pode-se replicar que é possível combinar as duas coisas: investir em processos participativos inovadores e também na melhora dos mecanismos convencionais de governo. A soma dos dois esforços trará benéficos efeitos de sinergia.

Além disso, no que se refere ao pequeno contingente da população que efetivamente participa, deve-se perguntar: pequeno em relação a quê? O objetivo não é uma utópica participação de todos, mas a oportunidade de participação. A experiência mostra o benefício de dar essa oportunidade a lideranças e militantes já existentes em associações locais. Quanto mais diversificadas essas lideranças e esses militantes, tanto mais verdadeiro, legítimo e efetivo será o processo, e tanto maiores serão os efeitos de superação do clientelismo e de visibilidade da ação do Poder Público. É evidente que, nos casos bem sucedidos, amplia-se o efeito democrático de envolvimento de novos contingentes da população nas questões de interesse coletivo. Quanto à imperfeição de representatividade das assembléias e dos comitês, nada impede que sejam tentados outros mecanismos de consulta à população, tais como a distribuição de formulários junto com a apresentação da cobrança de IPTU ou de serviços de utilidade, como energia elétrica.

Outra crítica é que a manifestação dos interesses muito localizados dos bairros deixa de contemplar investimentos e esforços estratégicos para a cidade que transcendem aquilo que é meramente local. Exemplos de investimento estratégico são uma avenida de contorno, a aquisição de terreno para expansão de estação municipal de tratamento de esgoto ou, até mesmo, um objetivo mais geral como o saneamento das finanças do Município. É dever do prefeito eleito liderar essas ações estratégicas no âmbito do sistema institucional tradicional.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no cômputo final, devemos dar um voto de confiança ao Orçamento Participativo como complemento e ferramenta útil ao aperfeiçoamento da democracia, da sociedade e da efetividade dos governos municipais. Trata-se de uma idéia inovadora já testada com sucesso por muitas administrações. O Orçamento Participativo, se bem aplicado e conduzido, tem o benéfico potencial de promover uma evolução positiva na cidadania de amplas camadas populares, bem como na qualidade da administração pública e das práticas políticas.

É o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/12/2004 - Página 41916