Discurso durante a 180ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Indignação com a violência crescente no país, que vitima principalmente os jovens entre 15 e 24 anos de idade.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Indignação com a violência crescente no país, que vitima principalmente os jovens entre 15 e 24 anos de idade.
Aparteantes
Eduardo Siqueira Campos.
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/2004 - Página 42236
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, BRASIL, VITIMA, JUVENTUDE, POPULAÇÃO CARENTE, NEGRO.
  • COMENTARIO, PRECARIEDADE, CONDIÇÕES DE TRABALHO, POLICIAL, CRITICA, BUROCRACIA, ATIVIDADE POLICIAL.
  • APRESENTAÇÃO, DADOS, VIOLENCIA, DEMONSTRAÇÃO, AUMENTO, HOMICIDIO, JUVENTUDE, ESTADOS, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES).

           O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a cada dia que passa temos mais exemplos de violência no Brasil.

           Fala-se muito, mas a violência Brasil afora não amaina. Todos os dias ouvimos notícias de pessoas, no Rio de Janeiro ou em São Paulo, vítimas de bala perdida. As quadrilhas se mostram cada vez mais fortes e pujantes e já não se contentam em apenas praticar o crime; agora atacam diretamente a Polícia.

           Os policiais temem vestir o uniforme, a não ser que estejam em conjunto, porque, isoladamente, se andam na rua, arriscam-se a levar um tiro, a serem fuzilados, em ônibus, em trens, em todo canto.

           É uma guerra infinda, que acontece tanto nas pequenas cidades quanto nas megalópoles do Brasil. Parece uma guerra civil.

           Há poucos dias, vimos na televisão balas traçantes, que parecem fogos de artifício. Elas passam cruzando os céus deixando um rastro de fogo, como se fosse uma comemoração de São João.

           Vemos que não há solução. Os dados são chocantes e mostram que os assassinatos estão vitimando cada vez mais a nossa juventude. Na última década, os homicídio juvenis cresceram 7,3% ao ano. Só em 2002, cerca de vinte mil jovens foram assassinados no Brasil. É realmente terrível!

           Os personagens dessa tragédia têm um perfil muito bem definido. Em sua quase totalidade são jovens entre 15 e 24 anos, do sexo masculino e oriundos das camadas sociais mais carentes. Cerca de 92% são homens, com baixo nível de escolaridade, habitantes de favelas, cortiços e barracos que formam a imensa periferia dos grandes e médios centros urbanos brasileiros. De uma maneira geral, são negros e mulatos.

           Entre os negros, por exemplo, a taxa de homicídio é 74% superior à dos jovens brancos. Quase metade dos assassinatos entre jovens, em 2002, ocorreu em cinco regiões metropolitanas: São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte e Vitória. Vitória, coitada, está num ponto muito ruim. Toda vez em que um crime é combatido no Rio de Janeiro, em São Paulo ou em Belo Horizonte, corre-se para Vitória. A mancha do crime é empurrada e termina caindo lá na nossa Vitória.

           Por sua vez, de acordo com o Relatório de Desenvolvimento Juvenil, apresentado pela Unesco em 2003, os elevados índices das mortes violentas de adolescentes no Brasil têm estreita relação com a vergonhosa situação social do nosso País, que mantém 60 milhões de brasileiros em estado próximo ao da miséria.

           O estudo mostra que tal situação envolve diretamente os jovens, que, diante da falta de perspectivas, são presas fáceis da violência, do crime e outras formas de delinqüência. Existem, no Brasil, sete milhões de jovens em situação de exclusão extrema.

           De 1993 a 2002, os homicídios entre jovens de 15 a 24 anos cresceram 88,6%. Na população em geral, o crescimento foi de 62,3%, índice quatro vezes maior do que o aumento populacional registrado no período, que foi de 15,2%.

           O Mapa da Violência mostra que a taxa global de mortalidade vem caindo a cada ano no Brasil. De 1980 a 2002, diminuiu de 633 para 573 em cada grupo de cem mil habitantes. Todavia, entre os jovens, a mortalidade só aumentou, pois saltou de 128 para 137 por cem mil habitantes.

Mas minha preocupação no momento, Sr. Presidente e Srs. Senadores, é que não sequer acabamos com a burocracia para combater o crime. Um exemplo são as armas. Peço aos Senadores que imaginem o que é ser um soldado da Polícia, que tem um salário médio de oitocentos ou mil reais. Ele sai de casa com um revólver obsoleto na cintura para enfrentar bandidos de AR-15, de Glock, aquela pistola européia excepcionalmente poderosa, de Magnum 44, de Magnum 357, enfim, de armas poderosas, quando não de granadas ou bazucas. Esse homem sai, já temeroso, porque mora num lugar difícil. Com esse salário, ele mora na periferia e não pode dar bandeira, porque, como diz o vulgo, se mostrar que é policial, pode ser morto na própria favela, no próprio local onde vive. Ele sai sem saber se volta, porque não sabe o que vai encontrar. Por isso, a nossa Polícia está cheia de problemas psicológicos. Trata-se da área profissional em que mais se encontram desvios psicológicos.

Se vai para uma favela, para uma periferia, para proximidade de uma boca de fumo, ele pode ter uma proposta de receber R$1.000,00 por semana, para complementar seu salário. Ou seja, ganha de R$800,00 a R$1.000,00, e alguém oferece a ele R$4.000,00 por mês para fazer de conta que não viu nada.

Tenho perguntado a motoristas de táxi no Rio, em São Paulo, em Belo Horizonte, se fumam maconha. Eles respondem que não. Pergunto se cheiram cocaína. Respondem também que não. Pergunto, então, se eu quisesse encontrar essas drogas, quanto tempo eu levaria. Eles dizem que, em quinze minutos, me levam a um lugar que vende.

Como a nossa Polícia, que passa meses a fio investigando, não consegue localizar? É claro que muitos são seduzidos por essas propostas de R$4.000,00 por mês, quando do Estado só recebem R$1.000,00, no máximo. É uma situação complicada.

Os policiais vêem que só têm um único revólver e que os bandidos estão extremamente armados. Ele está fardado, e os bandidos não precisam usar farda. Não se sabe quem são; só se sabe na hora do atrito. É uma situação muito vexatória e muito difícil a dessas pessoas.

Fiz um projeto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, propondo que os armamentos apreendidos, os bons, passem para a Polícia. Não é o que ocorre. Eles são destruídos.

Estive, semana passada, no meu gabinete, com dois Delegados-Gerais da Polícia de Estado, um deles do Rio de Janeiro. Eles me diziam o seguinte: “Senador, estou com a concorrência para comprar 300 fuzis AR-15, mas não tenho dinheiro. Já apreendemos 135 fuzis AR-15 e tivemos que entregá-los ao Exército, para que fossem destruídos”. Foram apreendidas também armas poderosas, Glock, 357 e 44. Disseram eles que haviam conseguido uma liminar que permitia que as armas apreendidas fossem cedidas à Polícia, como uma caução, para que fossem usadas. Depois, receberam ordem para devolver cerca 2.000 armas para serem destruídas.

Não cabe na minha cabeça esse raciocínio. Se tomamos do bandido, podíamos dar à Polícia aquelas armas que ainda desempenham suas funções. Por que destruí-las, Senador Eduardo Siqueira Campos?

Concedo um aparte ao Senador Eduardo Siqueira Campos.

O Sr. Eduardo Siqueira Campos (PSDB - TO) - Senador Ney Suassuna, fico feliz com o pronunciamento não pelas estatísticas, não pelo tema. Tenho procurado repetir sempre, da tribuna desta Casa, a preocupação que devemos ter com o que há de mais precioso neste País: a nossa juventude, a principal ferramenta da nossa sociedade para alcançarmos o Brasil que pretendemos. Estive numa solenidade de formatura, nesse final de semana, no meu querido Tocantins, e o tema dos pronunciamentos foi eminentemente a juventude, a violência, os desequilíbrios regionais. Senador Ney Suassuna, V. Exª abordou muito bem a questão dos jovens, dos grandes centros, das periferias, da guerra que estamos perdendo para o crime. Os negros não são somente 40% da população brasileira, são mais de 70% da população carcerária e um percentual pequeno nas universidades federais. As mulheres, que são metade da nossa população, não são 10% ou 15% das integrantes dos Parlamentos, das Cortes Superiores, dos centros de decisão, mas acabam de atingir uma igualdade que não pretendíamos: já são 50% dos infectados em Aids. Portanto, estamos caminhando para números cada vez mais assustadores. Uma quantidade enorme de jovens, chegando ao mercado de trabalho, não conseguem a sua absorção. Por isso, Senador Ney Suassuna, tenho trazido a esta Casa o meu entendimento de que precisamos encontrar mecanismos de financiar desde o ensino fundamental. Não basta garantir a vaga, mas a sobrevivência do aluno e dos jovens nas nossas universidades. Há falta de bolsas de estudos, de mecanismos de financiamento, dificuldades, burocracia. Por tudo isso, Senador Ney Suassuna, cumprimento V. Exª. Seu pronunciamento é uma contribuição para a reflexão que esta Casa deve fazer e que tem feito por intermédio de diversos Senadores que tratam da questão da infância e de V. Exª, que faz esse importante pronunciamento.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, nobre Senador, pelo seu aparte.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, pesquisa recente da Unesco mostrou que o Brasil ficou em quinto lugar em violência após Colômbia, Ilhas Virgens, El Salvador e Venezuela. Nessa última pesquisa, o Rio de Janeiro, seguido pelos Estados de Pernambuco e Espírito Santo, aparece em primeiro lugar, tanto no índice geral de assassinatos quanto no índice que diz respeito aos jovens.

Por sua vez, Santa Catarina, Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte são os Estados que apresentam menores taxas de homicídio.

No Distrito Federal, na Paraíba e em Pernambuco, a taxa de negros assassinados supera em 300% a dos brancos. O Rio de Janeiro aparece com a maior taxa de homicídios entre negros: 86,3 de mortes por 100 mil habitantes; em segundo lugar, vem Pernambuco, com 71,4 por 100 mil habitantes; em terceiro lugar, Rondônia - foi uma surpresa para mim -, com 60,7 por 100 mil habitantes.

Na população entre 15 e 24 anos, o percentual de homicídios de negros no País é de 68,4 mortos por 100 mil habitantes, enquanto o de brancos fica em 39,3. O Rio de Janeiro aparece com a maior taxa de homicídios de jovens negros em todo o País: 208,2 por 100 mil habitantes; o segundo lugar é ocupado pelo Estado de Pernambuco, com 141,5; em terceiro lugar, vem São Paulo, com 127,9.

O mapa da violência mostra que apenas 7,8% das vítimas de homicídio no Brasil, em 2002, são do sexo feminino. Entre os jovens, esse percentual é ainda menor: 6,2%.

A maior freqüência de violência aparece nos finais de semana. Na população total, os assassinatos aumentam 64,5% aos sábados e domingos. Entre os jovens, a incidência é de 68,2%. Por outro lado, com relação aos acidentes de trânsito, nos finais de semana morrem 113,8% mais jovens do que nos dias úteis.

É duro falarmos dessa geografia, desse mapa do terror! O pior é que morrem também pessoas que não têm relação com violência, com bebida. O transeunte, o aluno que está na universidade assistindo à sua aula pode ser atingido de repente por uma bala perdida. Se não morre, pode ficar paralítico para o resto da vida.

Todos os dias ficamos sabendo de vítimas de balas perdidas. Parece que é uma diversão. Um fuzil AR-15 percorre, tranqüilamente, 2.500 metros. Por 2,5 quilômetros em linha reta essa arma pode abater uma pessoa ou causar-lhe muitos danos.

No Rio, nas favelas, em São Paulo, na periferia, atira-se a esmo. A bala pode atingir qualquer um que esteja passando. Todas as semanas lemos nos grandes periódicos do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais a respeito de balas perdidas. Fiquei muito chocado com tudo isso. Semana passada, a vítima foi uma chilena. São tantos os casos de vítimas de balas perdidas, que, em conversa com um amigo, o pintor Satyro - sou admirador das artes plásticas -, eu dizia que devíamos fazer alguma. Ele então disse que pintaria um quadro, retratando a situação, para doarmos ao Ministro da Justiça. Quem sabe se um quadro permanentemente na sua sala, um quadro que mostrasse a aflição de uma mãe olhando o seu filho baleado, não vai sensibilizá-lo? O quadro é este, Sr. Presidente.

(O Sr. Senador Ney Suassuna expõe o quadro à Mesa e ao Plenário.)

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Parece uma Pietá. Parece Nossa Senhora com Cristo no colo, a cidade atrás e o jovem com o tórax perfurado, escorrendo sangue. Este quadro, vamos levá-lo de presente ao Ministro da Justiça.

Olhem a aflição desta mãe e olhem em que situação de desespero aparecem os dois. É este o quadro que vamos doar ao Ministro da Justiça. Chama-se Bala Perdida, do grande pintor Satyro, pintor alagoano radicado no Rio de Janeiro, muito bem cotado e que fez esta obra como presente. É a contribuição dele a esta situação de miséria que vivemos por todo o Brasil e que a cada dia aumenta.

Com toda a certeza, voltaremos à tribuna várias vezes para falar sobre este tema, porque a violência não diminui, só aumenta. Fico triste em ver que a principal vítima é a nossa juventude. Já perdemos mais gente em um ano do que os americanos perderam com a invasão do Iraque. Já perdemos nesses três anos mais gente do que perdeu o lado americano durante a guerra do Vietnã. É lastimável.

E o que dói em nosso coração é que se fala muito, mas não se oferece solução. Eu me sinto frustrado, pois já apresentei inúmeros projetos. Um relativo à prisão perpétua, vetado; outro, prevendo pena dupla para policial que se torna bandido, não foi aprovado; outro, tratando de ataque ao turista, como ocorre em outros países, não foi aprovado; outro, sobre bandido que comete crime contra criança com menos de dez anos ou contra adulto com mais de 75, também não foi aprovado.

Tudo que objetive endurecer as penas não pode ser aprovado, pois se alega a necessidade de observância dos direitos humanos. E quanto aos direitos humanos dos que morrem? E os direitos humanos dos que são, todos os dias, assaltados, massacrados, baleados? É realmente difícil.

Sr. Presidente, pedem que eu levante novamente o quadro para fotografá-lo. Pois não. (Pausa.)

Eu agradeço.

Sr. Presidente, era essa a comunicação que eu gostaria de fazer. Vamos agora organizar um grupo que aproveitará a agenda do Ministro para levar lá o quadro. Teremos também um selo dos Correios pela cultura da paz. Vamos tentar sensibilizar a nossa sociedade, os nossos dirigentes e o nosso Parlamento. Muito obrigado.

 

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Senador Ney Suassuna, permita que esta Presidência, quebrando o protocolo, cumprimente V. Exª pela forma como tenta sensibilizar a sociedade, mostrando a agressão contra o nosso jovem. Espero que ninguém diga que V. Exª mostrou o quadro porque queria aparecer; pelo contrário, conforme disse o poeta, mais vale um gesto do que mil palavras. Meus cumprimentos sinceros a V. Exª. A violência contra o nosso jovem é praticada principalmente e infelizmente contra negros. Não queremos violência contra ninguém, negros ou brancos. Esta Presidência rende homenagens a V. Exª pelo gesto corajoso de quem quer, de fato, defender a nossa juventude. Parabéns.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, nobre Presidente. Realmente estou espantado com a diferença que o preconceito gera: há muito mais vítimas negras do que brancas, uma proporção gigantesca. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Obrigado,


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/2004 - Página 42236