Discurso durante a 180ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

A questão da demarcação das terras indígenas. Defesa da aprovação de um novo plano de cargos e salários para a Funai.

Autor
Delcídio do Amaral (PT - Partido dos Trabalhadores/MS)
Nome completo: Delcídio do Amaral Gomez
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • A questão da demarcação das terras indígenas. Defesa da aprovação de um novo plano de cargos e salários para a Funai.
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/2004 - Página 42241
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • REGISTRO, ATUAÇÃO, COMISSÃO TEMPORARIA, POLITICA INDIGENISTA, DISCUSSÃO, MELHORIA, LEGISLAÇÃO, DEMARCAÇÃO, MINERAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, OBJETIVO, PRESERVAÇÃO, GRUPO INDIGENA, EXTINÇÃO, CONTRABANDO, PERMANENCIA, PRODUTOR RURAL, REGIÃO, COMENTARIO, VISITA, COMISSÃO, ESTADO DE RORAIMA (RR), ESTADO DE SANTA CATARINA (SC).
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, SOLICITAÇÃO, RETIRADA, PAUTA, SENADO, PROJETO DE LEI, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, OBJETIVO, APERFEIÇOAMENTO, LEGISLAÇÃO.
  • SUGESTÃO, APROVAÇÃO, PLANO DE CARREIRA, SERVIDOR, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI).

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, segunda-feira, nesta sessão não deliberativa, venho falar, em nome também dos meus companheiros, os Senadores Mozarildo Cavalcanti, Augusto Botelho, Jefferson Péres, Juvêncio da Fonseca e Jonas Pinheiro, um grupo de Senadores de vários partidos, sobre os trabalhos de uma Comissão muito importante, presidida pelo Senador Mozarildo Cavalcanti, que trata das questões indígenas. Refiro-me à comissão temporária do Senado que trata das questões indígenas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, este foi um ano muito profícuo para nossa Comissão, que andou por vários Estados brasileiros. Passamos por Roraima, Santa Catarina, pelo meu Estado do Mato Grosso do Sul, por Rondônia. No início do próximo ano, visitaremos Mato Grosso, atendendo convite do Governador Blairo Maggi, que se colocou à disposição para debater este tema muito importante para o seu Estado. Louvo essa iniciativa porque nós não observamos, pelo menos em alguns Estados, vontade efetiva do Poder Executivo de discutir estes temas e neles se aprofundar. Mas isso é vital para o trabalho da Comissão temporária das questões indígenas.

São muito importantes as observações feitas nos vários Estados que visitamos, por meio de muitas audiências públicas. O primeiro deles foi Roraima. Naquele Estado, conversamos com várias lideranças políticas na Assembléia, com lideranças indígenas, com lideranças empresarias. Em um resumo rápido do que foi observado, detectamos uma situação dramática no Estado, onde a discussão se situava entre demarcação contínua ou não contínua, principalmente das áreas situadas ao norte do Estado de Roraima. Fomos aos locais, ao Município de Uiramutã, conversamos com as várias lideranças na própria região que passa por esse intenso debate no que se refere à demarcação contínua ou não contínua das áreas indígenas, e algumas observações ficaram muito latentes. A população, majoritariamente, não concorda com a demarcação contínua; percebe-se isso muito claramente. Existem divergências também entre as próprias etnias indígenas no que se refere às demarcações contínuas. É importante registrar que, ao longo de toda essa discussão, observamos que existem instituições procurando fazer um bom trabalho, ajudando o Governo Federal e o Governo do Estado a implantar efetivamente uma política que preserve as nossas etnias indígenas, respeitando os vários produtores rurais e a população do Municípios como um todo, mas percebemos a presença de alguns grupos, especialmente em região de fronteira com a Venezuela e a Guiana, que, no meu ponto de vista e no da comissão, parecem obedecer a orientações pouco aderentes ao que o Brasil precisa, ao que a população de Roraima quer e, acima de tudo, ao que nossas etnias indígenas exigem.

Avançamos muito com relação a esse assunto, porque recentemente tivemos a aprovação no Senado de uma legislação específica que trata das organizações não-governamentais, umas extremamente competentes e outras que geram uma série de dúvidas, principalmente junto à população. Também constatamos a necessidade absoluta - e tenho debatido muito este assunto - de uma política de fronteiras que cuide não só da questão mineral, da extração de minérios em áreas indígenas como também daquelas associadas à própria segurança nacional. Conversando com várias autoridades militares, constatei que as nossas Forças Armadas têm uma preocupação constante, principalmente nessas regiões de fronteiras.

Foram formadas duas comissões, uma no Senado e outra na Câmara, com pareceres assemelhados, e hoje esse assunto está sendo debatido no STF e no Governo do Presidente Lula, por ser tema tão importante e conter naturais divergências.

Recentemente, numa longa conversa que tive com o Ministro Márcio Thomaz Bastos, entendemos que a solução proposta procurará preservar os Municípios e as rodovias. São idéias sabidamente discutidas não somente no Senado Federal, mas também em Roraima que, de certa maneira, encaminham uma solução compatível com aquilo que majoritariamente a população quer.

Todos os trabalhos da Comissão com relação a Roraima e à atual situação - as questões indígenas e os problemas detectados no Estado de Roraima -, nos dão condições de caminharmos celeremente para uma solução serena e de bom senso que, evidentemente, não vai satisfazer a todos, mas que será a solução possível.

Sr. Presidente, fomos depois a Santa Catarina, que também enfrenta situações diferenciadas daquelas de Roraima. A situação em Santa Catarina se parece muito com a de Mato Grosso do Sul. Em Santa Catarina e em Mato Grosso do Sul, várias regiões têm sido motivo de intranqüilidade não somente por parte das etnias indígenas, mas também dos produtores rurais. Algumas regiões correspondem a terras vendidas a colonos que vieram da região Sul, no caso específico de Mato Grosso do Sul, para promover, no período do Governo do então Presidente Getúlio Vargas, a colonização do País; quer dizer, levar o País para as fronteiras. Essas famílias estabeleceram-se na região por décadas; produzem na agricultura, na pecuária, têm eficiência, criam seus filhos. Observamos, Sr. Presidente, que o trabalho que a Funai sempre procurou fazer com seriedade, mas trabalhos de antropólogos, de certa maneira, têm levado intranqüilidade a muitas regiões, especialmente no oeste de Santa Catarina, assim como em Mato Grosso do Sul, em locais próximos a Miranda e Aquidauana, no sul do nosso Estado.

Uma das alternativas que surgiram em conversa com o Ministro Márcio Thomaz Bastos é a de que todos os trabalhos a serem desenvolvidos pela Funai deveriam ser motivo de decreto do Ministério da Justiça, exatamente para disciplinar essas ações e promover essa harmonia na sua execução. Além disso, como essa Comissão ouviu todos os principais atores desse processo, surgiram idéias parecidas com as soluções adotadas para o próprio Estado do Rio Grande do Sul. Por terem esses produtores rurais o registro de compra dessas terras que, num trabalho da Funai, venham a caracterizar-se como áreas indígenas, uma maneira competente e importante de se equacionar essa questão é imputar-se civilmente a União por ter colocado à venda áreas tradicionalmente indígenas. Com isso, não interviríamos na Constituição, manteríamos as conquistas, principalmente aquelas obtidas na Constituição de 1988 em relação ao trato da preservação da nossa cultura, das nossas etnias indígenas, de tal maneira a indenizar não só as benfeitorias, conforme está previsto na Constituição, mas também a terra nua legalmente adquirida. Portanto, trata-se de mais uma alternativa surgida dos debates com lideranças indígenas, de contribuições muito importantes como a do juiz Odilon, de Estado do Mato Grosso do Sul, que, sem dúvida alguma, vão engrandecer e aperfeiçoar bastante as várias propostas a serem encaminhadas pelo Senado para o País, especialmente no que se refere ao trato competente das nossas etnias indígenas.

Sr. Presidente, é importante registrar que concluiremos, na quarta-feira, com a última reunião deste ano da Comissão Temporária de Questões Indígenas, o caso de Rondônia, fato lamentável, diferente do que ocorreu em Mato Grosso do Sul, em Santa Catarina e em Roraima: o triste episódio do assassinato de 29 garimpeiros. Foi um episódio preocupante, esclarecido de maneira pouco convincente, gerando muitas dúvidas. Esse episódio possibilitou, mais do que nunca, a percepção de que as grandes vítimas foram os indígenas e os garimpeiros, permanentemente manipulados por pessoas estranhas à Reserva Roosevelt, e infelizmente com a participação de instituições governamentais, o que é lamentável.

            Apesar desse fato, nossa Comissão não se aterá a questões policialescas, até porque esse caso tem sido tratado com muita competência pela Polícia Federal. Entretanto, abordaremos um assunto de fundamental importância, a mineração em áreas indígenas. Muitos projetos já foram elaborados não apenas no Senado Federal, mas também na Câmara dos Deputados.

Apresentaremos um projeto a fim de que, estudando e aprofundando as principais propostas surgidas no Congresso Nacional, tenhamos condição de oferecer ao País propostas que realmente disciplinem a extração mineral em áreas indígenas e tratem também das questões ambientais.

A propósito, visitamos as áreas mineradas de diamantes na Reserva Roosevelt, onde - é importante registrar - o diamante aflora. Está a 15 ou 20 cm da superfície. É uma região riquíssima e apresenta um aspecto muito interessante: a cidade de Juína tem uma bolsa de pedras preciosas. Essas pedras saem ilegalmente de todas essas áreas e de todas essas reservas. Vão para Israel e para a Holanda para serem lapidadas, e o País não usufrui de nada disso e muito menos as etnias indígenas.

Na quarta feira, portanto, vamos apresentar uma proposta a ser discutida pela comissão temporária de questões indígenas, competentemente dirigida pelo Senador de Roraima Mozarildo Cavalcanti.

Essas razões nos levaram a retomar várias discussões encaminhadas durante a elaboração desses trabalhos. Apresentei um requerimento retirando de pauta o Item nº 28, Projeto de Lei do Senado nº 188, que trata da demarcação das terras indígenas, porque esse projeto precisa ser aprimorado, contemplando-se novos subsídios que recebemos das lideranças indígenas no meu Estado, das lideranças políticas, dos produtores rurais, enfim, de todas as pessoas diretamente envolvidas nessa questão tão importante.

Encaminhei esse requerimento e tenho certeza de que a Bancada do PT, solidária e sempre atenta a essas questões, vai me acompanhar nessa proposta, porque é pertinente e visa principalmente a uma melhora e a um cuidado ainda maiores no trato de um assunto tão especial, tão importante.

Meu requerimento é amplo, Sr. Presidente, para que debatamos a constitucionalidade, inclusive criticada por vários organismos, alguns de fundamental importância para as causas indígenas; outros que, em algumas situações, pegam carona, surfam nessa onda; estes talvez nunca tenham visitado uma área indígena, uma reserva, uma aldeia, mas fazem discursos belíssimos e pouco produtivos. Precisamos trabalhar com a realidade dos fatos, conversar com a população.

Essa proposta já foi debatida aqui. Na semana passada, conversei com o Senador Mozarildo Cavalcanti, que achou a matéria absolutamente pertinente. Com o apoio de todos e da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, não tenho dúvida alguma de que apresentaremos um projeto extremamente bem elaborado, com a participação ativa de todos, incorporando as sugestões do Ministério da Justiça - ao qual a Funai está subordinada -, das várias lideranças indígenas, das etnias e também dos produtores e das lideranças políticas.

Esse é um encaminhamento que tem bom senso, lógica, e que, acima de tudo, busca conservar e resgatar nossa história, nossa cultura, que teve início com as várias etnias indígenas que engrandecem o País.

Ao encerrar, Sr. Presidente, deixo duas sugestões resultantes do amplo debate que travei com o Ministro Márcio Thomaz Bastos. O Ministério do Planejamento precisa aprovar novo plano de cargos e salários para a Funai. Ela precisa incentivar seus funcionários e possuir quadro próprio. Não pode contar com outras pessoas, algumas “alienígenas”, para defender nossa história e nossas etnias. É necessário que a Funai tenha uma estrutura adequada, a fim de que possamos vencer os grandes desafios.

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Ministro Márcio Thomaz Bastos, que engrandece o Governo, precisam estabelecer metas a serem alcançadas até 2006. Metas que não só viabilizarão a consolidação de áreas indígenas, mas que também, ao mesmo tempo, darão tranqüilidade às etnias indígenas e a todos os que produzem no campo. Esse é o nosso desafio. E creio que, com a retirada do Projeto de Lei nº 188, do Senado Federal, teremos a oportunidade de disponibilizar para o País talvez uma das propostas mais eficientes, competentes e amplamente discutidas no aspecto constitucional e no aspecto do mérito, de tal maneira a ajudar o Governo do Presidente Lula a chegar em 2006 com uma política indigenista à altura do que todos nós, brasileiros, esperamos. Ninguém, Sr. Presidente, recebeu delegação de Deus para defender as etnias indígenas. Essa é uma obrigação de todos nós, brasileiros.

Muito obrigado, Sr. Presidente, pela oportunidade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/2004 - Página 42241