Discurso durante a 180ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o anteprojeto que está sendo elaborado pelo Governo Federal para gestão de florestas públicas.

Autor
Sibá Machado (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Sebastião Machado Oliveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Considerações sobre o anteprojeto que está sendo elaborado pelo Governo Federal para gestão de florestas públicas.
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/2004 - Página 42486
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, IMPORTANCIA, ANTEPROJETO, AUTORIA, GOVERNO FEDERAL, REGULAMENTAÇÃO, UTILIZAÇÃO, CONSERVAÇÃO, FLORESTA, DOMINIO PUBLICO.

O SR. SIBÁ MACHADO (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Obrigado, Sr. Presidente.

Venho à tribuna hoje para falar sobre anteprojeto de lei, que está sendo elaborado pelo Governo Federal, para a gestão de florestas públicas, especialmente na minha região amazônica.

O objetivo da proposta é regulamentar o uso e a conservação de florestas de dominialidade pública, por meio de instrumentos como a criação de unidades de conservação, destinação às comunidades locais e a concessão de florestas públicas, garantindo o uso eficiente e sustentável das florestas, promovendo o desenvolvimento socioeconômico do País, o acesso da população local aos benefícios gerados, com respeito aos valores culturais associados, bem como criar um órgão de gestão voltado ao fomento, desenvolvimento do setor florestal e à gestão da outorga de florestas públicas.

DO POTENCIAL DO SETOR FLORESTAL BRASILEIRO

O Brasil possui a segunda maior área florestal do mundo, ficando atrás apenas da Rússia, que possui apenas florestas temperadas e boreais. As áreas florestais no Brasil somam 544 milhões de hectares e ocupam 64,3% do território nacional. Com a maior diversidade de espécies e ecossistemas do planeta, habitada por um das mais diversas e amplas concentrações de povos e culturas indígenas, as florestas brasileiras protegem a circulação de 20% da água doce disponível no mundo.

Além da grande extensão e diversidade de florestas, o Brasil é o maior produtor e consumidor mundial de produtos florestais tropicais. Setores estratégicos da economia do País, como a siderurgia, as indústrias de papéis, embalagens, madeiras, móveis e a construção civil, estão estreitamente ligados ao setor florestal. A matéria-prima florestal possui papel de grande relevância, atualmente e para mercados futuros, em diversos setores produtivos, com destaque para os fármacos, cosméticos, alimentos, resinas e óleos. Destaca-se, também, a utilização dos recursos florestais como matriz energética no Nordeste do País, salientando a importância do aspecto social do manejo da Caatinga.

Mais de 90% da produção florestal nativa do Brasil vem da Amazônia, onde a situação fundiária, segundo estimativas, apresenta-se com 24% do território reclamado como área privada; 29% de áreas legalmente protegidas, incluindo as Unidades de Conservação e Terras Indígenas; 47% de terras públicas ou devolutas sobre as quais o exercício de atividades do Estado é ainda incipiente.

DA GESTÃO DE FLORESTAS PÚBLICAS

A gestão de bens públicos, como água, minerais, espaço aéreo, e de serviços de natureza pública, como telefonia, telecomunicações, transportes, são regulamentados por ampla legislação. No entanto, mesmo diante de todo o potencial do País, não existe no arcabouço jurídico nacional instrumento normativo específico que defina a gestão das florestas públicas e as formas de acesso estabelecidas atualmente são insuficientes.

Podem ser destacados como instrumentos de gestão de florestas públicas, para a produção sustentável: (1) por meio de manejado por particulares com a privatização das florestas; (2) a gestão direta, com o desenvolvimento da atividade de manejo florestal conduzida pelo Estado; e (3) através da gestão indireta, com a execução do plano de manejo florestal sustentável por terceiros, com a manutenção da dominialidade pública. A primeira forma apresentada - privatização das florestas públicas - não é de interesse para o Estado, uma vez que não gera benefícios econômicos e sociais, tampouco ambientais, e ainda possui um limitante constitucional, que determina que somente podem ser transferidas áreas acima de 2.500 hectares com aprovação do Congresso Nacional.(...)

DAS CONSEQÜÊNCIAS DO ORDENAMENTO JURÍDICO VIGENTE.

A ausência de legislação específica possui um significativo impacto nas duas principais vertentes da produção florestal do Brasil: manejo de florestas naturais e atividades relacionadas aos plantios florestais. Quanto às florestas plantadas, o resultado econômico obtido pelo setor tem sido significativamente onerado pela falta de mecanismos políticos que propiciem um melhor impacto sócio-ambiental, assimilem os diferenciais produtivos e favoreçam o desenvolvimento tecnológico da atividade.

A falta de uma instância de fomento florestal tem imputado à economia, ao meio ambiente e à sociedade brasileira significativas perdas decorrentes do desperdício de matéria-prima, do desmatamento de grande extensões territoriais, da ausência de reposição, da má utilização de recursos florestais, da ineficiência da indústria e da desconsideração do potencial produtivo no setor florestal.

Ainda a atividade florestal possui potenciais produtivos, como o tempo de produção e outros, com baixa assimilação pelos instrumentos de financiamento de mercado, que, em conjunto com ampliação da taxa de risco, motivada em parte pela falta de estabilidade nas políticas florestais que permitam as garantias necessárias para a realização de investimento de longo prazo, causa escassez e elevados custos financeiros dos recursos disponíveis. Importante destacar a histórica aleatoriedade das políticas de fomento florestal no Brasil. (...)

Conforme observado no Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, nas últimas décadas, a região amazônica tem sido priorizada pelo Governo Federal para a criação de assentamentos rurais, que geralmente ocorrem em locais isolados, desconsiderando características da paisagem natural e a presença de populações tradicionais. A pecuária extensiva é o uso predominante da terra nesses assentamentos. Em precárias condições de sobrevivência, muitos produtores familiares abandonam ou transferem as áreas irregularmente a terceiros, que contribuem para o aumento do desmatamento, associado à expansão da pecuária extensiva e conversão para a produção de grãos.

Nesse sentido, cumpre destacar que o arcabouço jurídico vigente tem forte influência na expansão do desmatamento na Amazônia, cuja área desmatada atingiu, no período 2002/2003, 23.750 quilômetros quadrados, a segunda maior área já registrada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE -, restando evidente seu efeito nocivo sobre o meio ambiente. (...)

DO ANTEPROJETO DE LEI PROPOSTO

A elaboração do anteprojeto de lei em anexo considerou, além do cenário supracitado, os subsídios fornecidos por amplo processo de consulta pública, realizado por meio de reuniões de Grupo de Trabalho de Gestão de Florestas Públicas, da Comissão Coordenadora do Programa Nacional de Florestas - Conaflor -, composta por 37 representantes dos Governos Federal e estaduais, dos setores privados, da sociedade civil, instituições de ensino e de pesquisa, incluindo um Seminário Internacional de Gestão de Florestas Públicas. Além desses esforços, contribuições foram colhidas, nos últimos oito meses, também por meio de reuniões setoriais realizadas em várias regiões do País, e por meios não presenciais como carta, fax, e correspondência eletrônica, esta últimas com mais de 1.200 solicitações respondidas. Ao longo do processo, o anteprojeto de lei recebeu mais de seiscentas emendas, e o texto final representa a harmonização das propostas, tendo como base as recomendações da Conaflor.

Como resultado, o anteprojeto de lei propõe a regulamentação de três formas de gestão de florestas públicas, tendo como âmbito todos os biomas brasileiros: .(1) a criação e a gestão direta de florestas nacionais, nos termos da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000; (2) a destinação às comunidades locais, nos termos do art. 7º desta Lei; e (3) a concessão florestal incluindo florestas naturais ou plantadas e as unidades de manejo das florestas nacionais.

            Embora com maior efeito sobre a região amazônica, o propósito do anteprojeto de lei é implementar uma alternativa a ser utilizada pelo administrador público em todo o País, que permita o acesso ao recurso florestal de forma controlada e sustentável. (...)

DO FOMENTO E DA GESTÃO DAS ATIVIDADES FLORESTAIS.

Em outro enfoque, propõem-se a ampliação da adoção de políticas voltadas às potencialidades das atividades silviculturais, com o fomento a projetos de expansão da base florestal plantada e a empreendimentos sustentáveis em florestas nativas ou plantadas com vistas à produção de matéria-prima compatível com as demandas da sociedade e dos diversos segmentos industriais de base florestal; a promoção de mecanismos de financiamento, incentivos econômicos e assistência técnica para viabilização desse fomento; e a promoção da pesquisa e do desenvolvimento de atividades de manejo, reflorestamento, recuperação de áreas degradadas e processamento da matéria-prima com melhor eficiência da indústria, maior valor agregado aos produtos. Outrossim, é fundamental garantir o desenvolvimento do setor florestal, sinalizando aos investidores a adoção de uma política estável, permitindo o investimento de longo prazo e garantindo a sustentabilidade ambiental da atividade.

Nesse sentido, o anteprojeto de lei de Gestão de Florestas Públicas prevê a criação do Serviço Florestal Brasileiro - SFB e do Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal - FNDF, ponto fundamental para o desenvolvimento do setor florestal e para a execução do modelo de gestão proposto. A necessidade de criação do SFB deriva da ausência de estrutura adequada para lidar com o fomento e o desenvolvimento, do conflito de interesses entre as diversas funções públicas relacionadas ao setor florestal e da ausência de ente responsável pela outorga de florestas públicas.

A gestão de florestas públicas será desenvolvida, assim como a independência entre os três grupos de função envolvidos, da seguinte forma: a) política e normatização pelo Ministério do Meio Ambiente; b) licenciamento e fiscalização ambiental pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais - IBAMA; c) fomento e desenvolvimento da atividade florestal e execução do sistema de outorgas pelo SFB.

Os impactos diretos nas contas públicas e na geração de emprego e renda causados pelo instrumento de política proposto no anteprojeto de lei em apreço foram objeto de avaliação econômica preliminar. Concluiu-se que as receitas geradas serão suficientes para tornar superavitário o Serviço Florestal Brasileiro em cinco anos de funcionamento. Inicialmente, nos primeiros quatro anos, seriam necessários investimentos de cerca de R$20 milhões para estabelecer o Serviço Florestal Brasileiro. Neste período, o sistema de concessões terá injetado nos Estados cerca de R$17 milhões e a mesma quantia nos Municípios; R$6 milhões no Ibama; e cerca de R$40 milhões no Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal, sendo, portanto, o resultado para o País positivo em mais de R$43 milhões.

No décimo ano, o sistema de concessões poderá alavancar mais de 140 mil empregos diretos e gerar um movimento econômico de aproximadamente R$2 bilhões em impostos na cadeia de produção. A área manejada em 10 anos com sistema de concessões, no cenário mais provável, será de cerca de 13 milhões de hectares, incluindo unidades de manejo de Florestas Nacionais - menos de 3% das áreas da Amazônia brasileira. Os resíduos de serraria poderão viabilizar uma economia de mais de R$200 milhões pela substituição de fontes de energia a partir de combustível sólido.

O anteprojeto de lei caracteriza-se como um instrumento político para o desenvolvimento sustentável, prevê mecanismo de absorção de oportunidades apresentadas em nichos específicos de mercado para produtos de origem sustentável, contribuindo para o alcance de melhores preços para os produtos florestais, para a verticalização da produção e o encurtamento das cadeias produtivas, promovendo a inserção social, maior atratividade para a atividade florestal sustentável. Tais conseqüências contribuirão efetivamente para a diminuição dos índices de desmatamento e o desenvolvimento regional.

Os ganhos ambientais do presente anteprojeto de lei derivam também da destinação de grandes áreas florestais ao uso sustentável, mediante o manejo florestal, com agregação de valor à floresta em pé, reduzindo a pressão para a expansão da fronteira agrícola e, ainda, a diminuição do consumo de produtos florestais naturais com o fomento às florestas plantadas. Ainda, o sistema de gestão proposto tornará mais efetivo o controle e monitoramento das atividades florestais por prever auditorias independentes nas áreas submetidas à concessão, por concentrar as áreas manejadas e por gerar receita que viabilizará a fiscalização.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/2004 - Página 42486