Discurso durante a 179ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre o resultado do megaleilão de energia elétrica realizado no último dia 7 do corrente.

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Comentários sobre o resultado do megaleilão de energia elétrica realizado no último dia 7 do corrente.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/2004 - Página 42174
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • COMENTARIO, RESULTADO, LEILÃO, ENERGIA ELETRICA, CONTESTAÇÃO, EXPECTATIVA, GOVERNO FEDERAL, REDUÇÃO, PREÇO, ELETRICIDADE, CONSUMIDOR.
  • ANALISE, NOCIVIDADE, RESULTADO, LEILÃO, MERCADO FINANCEIRO, DESVALORIZAÇÃO, AÇÕES, EMPRESA, PRODUÇÃO, ENERGIA ELETRICA, OBSTACULO, INVESTIMENTO, SETOR.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ACUSAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, MANIPULAÇÃO, LEILÃO, OBJETIVO, REFORÇO, EMPRESA ESTATAL, REDUÇÃO, INVESTIMENTO, EMPRESA PRIVADA, SETOR, ENERGIA ELETRICA.

O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aproveito a oportunidade de estar na tribuna do Senado, nesta sexta-feira, para comentar os resultados do chamado megaleilão de energia elétrica, realizado no último dia 7, terça-feira.

Infelizmente, creio que o leilão sinalizou exatamente para o inverso daquilo que gostaríamos que tivesse sinalizado, ou seja, para um ambiente propício a novos investimentos que pudessem garantir o abastecimento de energia elétrica no futuro.

Todos sabemos que, apesar de termos tido aquela crise energética no ano de 2001, que levou o País a um racionamento de 25% a 30% da capacidade instalada, posteriormente, com a inauguração de novas usinas, quando o Governo atual assumiu havia cerca de 12 mil megawatts de energia acima do consumo, portanto cerca de 25% acima do consumo. O Governo poderia continuar a política energética existente e ao mesmo tempo incentivar novos investimentos, porque, como se sabe, o consumo no Brasil pode crescer cerca de 3 mil a 4 mil megawatts por ano. Assim, o que existia daria para o consumo de três a quatro anos, mas, a partir de 2008 ou 2009, já precisamos ter novas energias.

Recentemente, comentei desta tribuna que o modelo estaria sendo colocado em xeque quando da realização do megaleilão que aconteceu na terça-feira última. Em um só dia 17 mil megawatts médios foram leiloados. Ou seja, parte da energia velha, aquela que provém de usinas hidroelétricas amortizadas, foi vendida para as distribuidoras e comercializadoras de eletricidade. A previsão inicial é que seriam leiloados 55 mil megawatts.

O leilão foi uma situação nova que se realizou. Não existe no mundo uma forma tão complicada de vender não energia nova, mas energia existente. Como todos sabem, os contratos iniciais entre as geradoras e distribuidoras estão terminando nesses anos. De 2003 para cá, têm terminado com 25% ao ano. Significa que em 2003, 2004, 2005 e 2006 toda energia estaria descontratada. Então, teria que haver um processo de contratação. Esse inventado pelo atual governo foi o mais complexo: um megaleilão em que todas as geradoras venderiam a todas as distribuidoras. Quer dizer, a distribuidora hoje não assina contrato com a geradora específica, ela é obrigada a assinar contrato com todas as geradoras. Cada geradora assina contrato com todas as distribuidoras. São dezenas ou centenas de contratos, muitas vezes pequenos, para que essa energia chegue.

O que aconteceu no leilão? Quando no meu pronunciamento comentei que o leilão sinalizará para os agentes do setor sobre a oportunidade ou não de fazer novos investimentos, já que o preço resultante do leilão será o balizador do mercado, eu estava apenas repercutindo a expectativa que ouvia dos agentes.

O leilão, segundo a Ministra de Minas e Energia, foi um sucesso. Ela estimou que nos novos valores contratados o preço cairá para o consumidor final.

As agências desse setor já fizeram as contas de quanto o preço da energia elétrica poderá cair para o consumidor. Ocorre que o preço da energia elétrica representa apenas uma parte - cerca de 28% - da conta de energia. De cada R$100,00 que o consumidor paga em energia, basicamente R$28,00 corresponde ao preço da energia. O resto são as despesas das distribuidoras, em torno também de 30%, e impostos. Só de ICMS, pagam-se 25% a 30%. Fora isso, há uma série de outras taxas, como distribuição etc., incluídas no processo.

Quais foram os resultados? Na região Norte, de acordo com o resultado do leilão, a energia vai subir 0,65%; na região Nordeste, que é a minha, a energia vai subir 0,06%; na região Sul vai cair 2,69%; na região Centro-Oeste, 2,17% e na região Sudeste, ela vai cair 0,21%. O que estamos vendo nesse caso? Quando se diz que o preço vai cair, não significa que isso vai acontecer efetivamente. Quer dizer, no caso da região Sul, o reajuste vai ser de 2,69% a menos do que acontece normalmente. A energia continuará subindo. Isso apenas para o ano de 2005, porque, em 2006 e em 2007, é evidente que a energia continuará subindo.

Então, deu-se o sinal, porque a energia é barata, e, na análise dos investimentos, verificamos que o preço da energia nova, de qualquer hidrelétrica construída nova, varia de US$30 a US$40 por megawatt/hora. Isso significa R$90,00 a R$100,00 por megawatt/hora, dependendo do tipo de energia, das condições etc.

Esses contratos das estatais, que são as grandes possuidoras de energia, são todos por oito anos. Então, durante oito anos, vão vender energia por R$57,00 a parte principal, e as novas energias serão leiloadas posteriormente. Ninguém sabe se será a um preço superior ou inferior aos custos. Algumas geradoras inclusive se retiraram, essas que investiram mais recentemente, como a Tractbell e outras, porque o preço que estavam dando no leilão era inferior aos seus custos.

Espero que o Executivo esteja coberto de razão. Torço para que o preço caia. Com a queda da renda média do trabalhador durante os dois primeiros anos do governo Lula, é bom que os preços públicos dêem um pouco de folga para o sofrido trabalhador brasileiro.

Mas, Sr. Presidente, nem tudo acontece como gostaríamos, nem como sonham os burocratas aqui de Brasília. Do lado de fora dos gabinetes acarpetados existe uma realidade que não segue os nossos mais sinceros desejos. Refiro-me à reação do mercado ao resultado final do leilão. Já durante os primeiros números divulgados, as ações das empresas de geração de eletricidade caíram, ou melhor, despencaram. Nos dois dias seguintes, as ações da Eletrobrás caíram 20%. Os papéis das estatais Furnas, Chesf e Eletronorte reduziram em cerca de 13%. Estas foram as maiores quedas do pregão do último dia 8, o dia seguinte ao megaleilão.

O total da energia leiloada fechou em R$72 bilhões. Os preços, estimados entre R$60,00 e R$80,00 o megawatt/hora (MWh), nos piores cenários projetados por bancos, ficaram em R$57,51 o MWh para 2005, em R$67,33 para entrega em 2006 e em R$75,46, para 2007, ou seja, nenhum deles alcançou os valores mínimos suficientes para incentivar novos investimentos.

O que será que aconteceu? Esta é a pergunta que repercute em todo o País.

O otimismo do Governo pela provável queda dos preços para o consumidor pode, lamentavelmente, não se confirmar. Estamos vendo que não se confirmou: nas regiões Norte e Nordeste, as mais pobres do País, a energia vai subir. Haverá igualdade de preços - enquanto o consumidor da região mais rica vai pagar um pouquinho mais barato, o das regiões Norte e Nordeste vai pagar mais caro.

Segundo cálculos da Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica, o custo da energia para as empresas representa apenas 28,9% do valor final das faturas. Isto varia por distribuidoras, esta é uma média. Os tributos representam 30,2% do custo e os encargos setoriais repercutem em 8% da tarifa. Eventuais reduções na energia, em grosso, podem ter pouca repercussão no preço final para o consumidor - e verificamos isto.

Porém, o maior risco, Srªs. e Srs. Senadores, não é uma queda irrisória do preço. Todos passaram a temer o fato de os preços finais do leilão terem sido considerados pelos investidores como muito baixos para incentivar novos investimentos. A sociedade passou a se preocupar com o risco de nova crise de abastecimento de energia elétrica. O diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura, Adriano Pires, chegou a declarar: “Eles estão iludindo o consumidor, que, daqui há dois ou três anos, terá de pagar mais na conta de luz porque vai faltar eletricidade”. Esta é outra questão. Na realidade, em algumas regiões haverá um desconto de 2% no aumento que será dado na conta, não uma diminuição. No outro ano, se a energia estiver escassa, o preço, certamente, vai subir muito mais.

Com os preços definidos no leilão, que ficaram abaixo da expectativa da própria Ministra, o investidor privado não sentirá atração em fazer novos investimentos na geração de eletricidade. Segundo o presidente da Câmara Brasileira de Investidores em Energia Elétrica, Cláudio Sales, “os valores foram surpreendentemente baixos, mais do que as previsões mais pessimistas de analistas do mercado”. Ainda segundo Sales, “a atração de investimentos depende de muita coisa, mas o preço foi baixo o suficiente para desencorajar os investidores privados”.

Em sua coluna publicada ontem no jornal O Globo, a jornalista Miriam Leitão sintetizou muito bem o que se passa na cabeça dos agentes do setor elétrico brasileiro no dia de hoje. No artigo denominado “Risco da energia”, ela começou destacando que o Governo estabeleceu o leilão já com o objetivo de dar mais poder às geradoras estatais e afugentar os investidores privados da área de eletricidade”.

Ela escreveu que “bancos, consultores e investidores continuam dizendo que o leilão foi um fracasso, mas o Governo garante que foi um sucesso e já calculou até queda de 5% na tarifa”. E verificou-se que não é bem isso. A queda da tarifa para algumas regiões - em algumas vai cair, em outras vai subir - é inferior a 3%.

Na continuação do seu texto, Miriam Leitão informa: “o que os analistas dizem é que as normas [do leilão] foram montadas para derrubar os preços, sem levar em conta o horizonte estratégico”. Ela ainda alerta: “o Governo trocou a falta de investimento no futuro, que asseguraria preços e abastecimento estáveis, por um preço baixo de curto prazo para o consumidor” - baixo entre aspas, porque não será baixo.

O resultado desses “choques heterodoxos” já conhecemos, Srªs e Srs. Senadores. Foi exatamente por falta de investimento em geração de eletricidade, aliado a um período de poucas chuvas, que enfrentamos o racionamento em 2001.

A energia que foi vendida a preços muito baixos é a energia já disponível e, em muitos casos, produzida por usinas já amortizadas e de baixo custo operacional. Assim que essa disponibilidade de eletricidade for cessando, necessitaremos de energia nova, ou seja, energias provenientes de usinas que ainda serão construídas. E quem financiará a construção dessas geradoras? O Estado, por meio, de suas empresas públicas? É muito pouco provável, pois o que vemos é a falta de investimento em saúde, educação e segurança, que são reconhecidamente prioridades muito mais urgentes.

Em situações de falta de recursos estatais, é da iniciativa privada, nacional ou internacional, que provêm os recursos para os investimentos. Mas o resultado do leilão serviu, ao contrário, para afugentar esse investidor.

Esse leilão, Sr. Presidente, é mais uma demonstração da dubiedade do Governo Lula. Propõe ao Congresso Nacional um projeto de Parcerias Público-Privadas, mas em contrapartida manipula o leilão para reduzir os preços da geração, em especial porque domina quase 80% do parque gerador nacional. Conforme definiu Miriam Leitão, o Governo Lula “é liberal na macroeconomia e estatal e dirigista nas políticas setoriais”.

O professor Adilson de Oliveira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apontou ainda uma outra grave contradição no resultado do leilão. Segundo ele “de um lado, o Governo sinaliza preços maiores para o futuro, perto do custo marginal de expansão. De outro, controla os preços por meio das estatais, que têm a maioria da eletricidade do mercado”.

O Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, criticou duramente os reflexos do leilão nas finanças da Companhia Energética de São Paulo (Cesp). Segundo declarou, “é evidente que o megaleilão foi negativo para a Cesp, porque estávamos vendendo energia a mais de R$70,00 o megawatt, e passamos a vender por R$62,00”. Com essa perda de receita, a concessionária estadual ficará sem capacidade de investir e terá dificuldade de equilibrar-se financeiramente e equacionar seu plano de dívida.

Ainda segundo Alckmin, “quem está gostando disso são as distribuidoras privadas, pois as geradoras estatais ficaram com o prejuízo”.

Srªs e Srs. Senadores, há decisões que tomamos hoje e que têm implicações graves no futuro. Parece muito cômodo e agradável reduzir tarifas em curto prazo, em especial quando teremos eleições presidenciais daqui a dois anos, em que Lula pleiteará uma reeleição.

Além disso, é bom que se diga que, mesmo que se resolva investir, o prazo para a entrada em operação de novas usinas leva, no mínimo, quatro ou cinco anos. E sabemos que, durante esses dois primeiros anos de Governo, a Aneel e o Ministério de Minas e Energia não leiloaram nenhuma usina nova durante esses dois primeiros anos. Se isso vai acontecer daqui a cinco anos, teremos dois anos sem energia nova a ser inaugurada.

Como bem lembrou a jornalista Miriam Leitão, “quando se fala no futuro, pode parecer para o leitor não especialista que haverá tempo para corrigir eventuais equívocos. É o contrário: para uma hidrelétrica ficar pronta em 2009, ela tem que começar a ser construída no máximo em 2005”.

Outra questão que considero importante é que está anunciado leilão de energia nova para o mês de maio deste ano. Com essa sinalização, não sabemos o que irá acontecer. Sabemos apenas que investidor algum investirá um real sequer enquanto não acontecer esse leilão de energia nova, para que ele possa saber, efetivamente, para onde caminharão os preços da energia. Se, no leilão da energia velha, nem todas as geradoras venderam aquilo que gostariam - algumas não venderam praticamente nada -, quando for realizado o leilão da energia nova, não sabemos qual sinalização de preços será dada. Então, o que fará o investidor? Esperar. Então, prolongamos. Já estamos nesse período de transição há dois anos e nele ficaremos por pelo menos mais seis meses para que haja uma decisão nova.

Ao concluir, Sr. Presidente, gostaria de repetir minhas primeiras palavras desta tribuna hoje.

Fui Ministro de Minas e Energia durante o período de racionamento e sei o quanto a energia é fundamental para o desenvolvimento de um país. O que menos quero é viver de novo aquelas agruras a que todos fomos submetidos, exatamente por falta de investimentos nos setores de infra-estrutura nos momentos apropriados.

Redução nos preços das tarifas é o que todos queremos, mas a garantia de suprimento de energia elétrica no futuro é indispensável para que haja um crescimento econômico sustentável. Não haverá essa garantia se o Governo não sinalizar adequadamente aos investidores que não está reestatizando o setor elétrico nacional.

Para resumir, quero dizer que a grande expectativa que se criou desse leilão, na verdade, redundou em um tremendo fracasso. E poderíamos talvez resumir isso dizendo que essa grande montanha - que era esse megaleilão - pariu um rato.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/2004 - Página 42174