Discurso durante a 179ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco no Brasil. Excesso de medidas provisórias.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA AGRICOLA. MEDIDA PROVISORIA (MPV).:
  • Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco no Brasil. Excesso de medidas provisórias.
Aparteantes
Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/2004 - Página 42184
Assunto
Outros > POLITICA AGRICOLA. MEDIDA PROVISORIA (MPV).
Indexação
  • APREENSÃO, EFEITO, APROVAÇÃO, BRASIL, CONVENÇÃO INTERNACIONAL, RESTRIÇÃO, CULTIVO, FUMO.
  • CRITICA, EXCESSO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), GOVERNO FEDERAL, DIFICULDADE, CONGRESSO NACIONAL, VOTAÇÃO, PROJETO DE LEI, INTERESSE NACIONAL.
  • APOIO, CRIAÇÃO, COMISSÃO MISTA, AVALIAÇÃO, ANALISE PREVIA, URGENCIA, RELEVANCIA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), EXECUTIVO.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inicialmente, quero dizer que concordo que o salário mínimo é a forma mais justa de distribuição de riqueza deste País e que vamos fazer votos para que atinja os US$100, pelo que vimos lutando durante este ano. Se puder ser um pouco mais, será ainda melhor.

Quero comentar o caso da Convenção-Quadro sobre Tabaco, que foi assinada pelo Brasil, e que os Estados produtores de tabaco têm realmente razão de criticar. Eu sei da preocupação de V. Exªs com relação à saúde. Eu próprio sou um operário da saúde trabalhando aqui no Senado. As doenças provocadas pelo fumo são devastadoras, são incontroláveis, principalmente os vários tipos de câncer. Ao assinar essa convenção, o Brasil se obriga a achar uma alternativa agrícola para as pessoas que vivem da cultura do tabaco. Então vamos trabalhar para isso, liderados pelo Senador Paulo Paim, por ser o Estado do Rio Grande do Sul o maior produtor de tabaco do Brasil, e vamos achar uma solução para que as pessoas, os pequenos agricultores que produzem tabaco - são pequenas fazendas, sítios - tenham uma alternativa à cultura tabagista a fim de que possam garantir e até aumentar, quem sabe, o seu sustento.

Sr. Presidente, ocupo hoje esta tribuna para falar das nossas medidas provisórias. Após as eleições, estamos tendo dificuldade de votar os projetos que a Nação aguarda tanto como: Lei de Falências, Projeto de Parcerias Público-Privadas entre outros, por causa desse acúmulo de medidas provisórias. A pauta continua bloqueada por elas. Desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 32, de 2001, passado o prazo de 45 dias após a edição de uma medida provisória, sem que tenha ocorrido o exame necessário pelo Congresso Nacional vigora o regime de urgência, há o bloqueio da pauta de deliberações.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores Alberto Silva, Luiz Otávio, as medidas provisórias foram inspiradas na legislação italiana, foram criadas dentro do caráter eminente parlamentarista que direcionou a construção doutrinária da Constituição Cidadã de 1988 para substituir os famigerados decretos-leis, considerados entulhos autoritários do regime de exceção, que então acabávamos de sepultar. Nasceram, portanto, sob a égide alvissareira dos novos tempos, funcionando como ferramentas democráticas a serviço da normalidade institucional. Entretanto, o que se tem visto é o abuso e a má utilização das medidas provisórias por parte de todos os que têm ocupado o mais alto posto da Nação. O caráter eminentemente institucional foi desvirtuado para transformar o Poder Executivo em esfera legiferante de fato, criando a figura bizarra de um parlamentarismo às avessas ou um presidencialismo imperial.

Sr. Presidente Paulo Paim, o art. 62 da Constituição Federal é claríssimo ao estipular que a utilização das medidas provisórias com força de lei se dará quando houver urgência e relevância. É difícil crer que todas as milhares de medidas provisórias editadas desde 1988 atendiam a tais circunstâncias ou sequer passavam perto delas. De fato, urgente é aquilo que deve ser realizado com extrema rapidez, sob pena de acarretar irreversibilidade posterior da situação que está ocorrendo. Relevante é algo que inegavelmente atinge o interesse público e cuja não-efetivação pode afetar a ordem institucional.

É claro que a discricionariedade inerente aos atos do Poder Executivo identificará tais situações em que os preceitos constitucionais de urgência e relevância se façam presentes, mas há limites em que o bom senso não pode nem deve deixar de prevalecer. Ou será que é urgente e emergencial, não podendo se esperar nem mais um dia para fazê-lo, regular os dispositivos de bloqueio de conteúdos nos aparelhos de televisão aqui fabricados? Tal matéria, inacreditavelmente, é objeto de uma recente MP editada pelo Governo, cujo debate ainda não se fez maduro diante da sociedade.

Sr. Presidente Paulo Paim, essa sanha desenfreada de legislar que acomete os nossos governantes tem implicado a diminuição deste Parlamento. É com pesar que constatamos a nossa posição atual de meros homologadores dos atos do Governo. A agenda legislativa atual é determinada quase que exclusivamente pelo Presidente da República.

Desde Montesquieu e a publicação de sua obra “ O Espírito das Leis”, em que conceitua e preconiza a separação e a independência dos Poderes em um Estado de Direito, a liberdade democrática moderna se fundamenta nesse princípio. Subvertê-lo, portanto, como acontece quando da inescrupulosa e abusiva edição e medidas provisórias, significa corromper nossas instituições republicanas.

É claro que a separação da atuação dos Poderes não é estanque, há espaços de interseção onde se faz necessária uma ação pontual, em um contexto específico.

Não podemos negar que o Poder Executivo, pelas suas atribuições corriqueiras, está a par de questões administrativas que o Legislativo desconhece, necessitando fazer uso de seu poder normativo substancial através de medidas provisórias ou leis delegadas.

Ademais, essa edição de “leis formais” pelo Executivo não configuraria conspurcação do princípio da legalidade, pois o Parlamento continuaria a exercer um controle efetivo sobre tal prerrogativa,seja pela delegação ou ratificação.

O problema surge, Sr. Presidente Paulo Paim, quando a situação de excepcionalidade se transforma em normalidade, em rotina legislativa. Como guardiões que somos dos princípios constitucionais, temos que dar um basta e destruir esse verdadeiro monstro Frankenstein em que se está transformando nosso sistema presidencialista.

O Congresso Nacional deve prevalecer, sempre, como a instância nobre de discussão e debate dos assuntos atinentes ao interesse público, congregando posições, opiniões e conformações heterogêneas no sentido de representar e defender os diversos segmentos da sociedade.

Não podemos mais permitir que o Governo continue a usurpar do Poder Legislativo tal condição, pois normas jurídicas que afetarão a todos, indistintamente, vigerão sem passar pelo crivo necessário dos debates parlamentares.

Cada medida provisória editada de forma abusiva pelo Poder Executivo, sem atender aos requisitos constitucionais da urgência e relevância, representa um duro golpe desferido contra o arranjo democrático nacional, tão arduamente conquistado por todos nós.

Muitos têm levantado a voz pela extinção imediata do instituto das medidas provisórias. Achamos tal posição por demais extremada. Afinal, como já explicitado, entendemos que, em casos excepcionais, pode haver uma necessidade real de editá-las.

Há propostas mais razoáveis, como a criação de uma comissão mista e permanente destinada a avaliar, de forma prévia, a urgência e a relevância da norma editada pelo Executivo. Por outro lado, há quem defenda acabar com a vigência imediata das medidas provisórias, desestimulando o Governo a utilizá-las.

Senador Ramez Tebet, concedo com prazer o aparte a V. Exª.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Augusto Botelho, foi muito bom eu chegar aqui ao plenário para ouvir o excelente pronunciamento que V. Exª está fazendo. Realmente, está havendo uma atrofia do Poder Legislativo. A prerrogativa constitucional que o Poder Legislativo tem de legislar - uma das suas razões de ser, a outra é seu poder de fiscalização - está sendo usurpada pelo Poder Executivo. Nós vivemos hoje sob a égide de um presidencialismo imperial. Por quê? Uma rápida visão panorâmica dos projetos que são aprovados aqui nos indica que os projetos de lei têm origem no Poder Executivo. A maioria das leis aprovadas pelo Congresso Nacional são de iniciativa do Poder Executivo e não de parlamentares, porque o Poder Executivo está tendo uma maioria muito grande no Congresso Nacional, o que faz com que suas matérias tramitem o mais rapidamente possível. E acresça-se a isso a razão de ser do seu pronunciamento a respeito do excesso das medidas provisórias. E não quero culpar só o Poder Executivo, acho que a responsabilidade também é do Congresso Nacional. Se nós, ao analisarmos uma medida provisória, atentarmos para as preliminares da urgência e da relevância e começarmos a dizer que não há urgência, nem relevância, por certo o Governo Federal pensará melhor antes de editá-las. V. Exª faz um pronunciamento de grande conteúdo, de alta relevância. A meu ver, a mais bela construção da democracia é o princípio da independência dos Poderes. Mas esse princípio que garante o equilíbrio da federação está passando por algumas transformações, e é preciso que encontremos o equilíbrio, em defesa do Poder Legislativo. À medida que o Poder Legislativo se omite, os outros Poderes avançam. Se V. Exª me der mais 30 segundos - porque reconheço que o aparte está muito grande, passou da conta -, posso dar-lhe um exemplo claro em matéria eleitoral. A verticalização não é produto de lei. Por que o Tribunal Superior Eleitoral, para as últimas eleições, declarou a verticalização? Baseado em que lei? Baseado na omissão do Poder Legislativo. Por isso o Tribunal Superior Eleitoral legislou. Não interpretou a lei, legislou, e no ano da eleição mudou as regras do jogo. E vimos agora a decisão do Tribunal Superior Eleitoral com relação à interpretação do número de vereadores em cada Município. Eu poderia citar outros exemplos, mas não quero alongar-me. O meu objetivo mesmo, dado o fundamento, dado o conteúdo do seu pronunciamento, é apenas solidarizar-me com V. Exª. Mas, para não ficar somente nos parabéns, fiz esses ligeiros comentários. O que vale mesmo é o seu pronunciamento, muito bem alicerçado.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Senador Ramez Tebet, agradeço a V. Exª o aparte, que enriquece e enobrece o meu discurso. V. Exª terá sempre o tempo que quiser ao apartear-me, porque sempre acato bem os ensinamentos que recebo de V. Exª nesta Casa.

O debate está aberto e a abusiva edição das MPs deve ser confrontada sem mais delongas. O que não podemos admitir é a manutenção do atual quadro caótico, em que um dos Poderes constituídos exorbita de suas funções, enquanto um outro tem as suas diminuídas. Devemos mudar, não resta dúvida, a bem da convivência harmônica dos Poderes da República.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/2004 - Página 42184