Discurso durante a 179ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Resultado do megaleilão de energia elétrica realizado no último dia 7 do corrente.

Autor
Rodolpho Tourinho (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Rodolpho Tourinho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Resultado do megaleilão de energia elétrica realizado no último dia 7 do corrente.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/2004 - Página 42186
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • ANALISE, RESULTADO, LEILÃO, ENERGIA ELETRICA, JUSTIFICAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, MAIORIA, EMPRESA PUBLICA, APOIO, REDUÇÃO, PREÇO, ELETRICIDADE, CONSUMIDOR.
  • COMENTARIO, NOCIVIDADE, EFEITO, LEILÃO, MERCADO FINANCEIRO, APREENSÃO, PREVISÃO, REDUÇÃO, LUCRO, EMPRESA DE ENERGIA ELETRICA, POSSIBILIDADE, ALTERAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, REAJUSTE, PREÇO, ELETRICIDADE, FUTURO.
  • EXPECTATIVA, REALIZAÇÃO, LEILÃO, FUTURO, MOTIVO, INCIDENCIA, TARIFAS, ENERGIA ELETRICA.
  • NECESSIDADE, APERFEIÇOAMENTO, AGENCIA, REGULAMENTAÇÃO, FISCALIZAÇÃO, SETOR, ENERGIA ELETRICA.
  • NECESSIDADE, AUMENTO, INVESTIMENTO, SETOR, ENERGIA ELETRICA.

O SR. RODOLPHO TOURINHO (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no início da manhã de hoje, o Senador José Jorge analisou aqui o efeito do leilão de energia, com toda a sua experiência de Senador, de Deputado, de Secretário e de Ministro. À medida que falava - e concordo com S. Exª em grande parte -, pensava também nas conseqüências. Tenho me dedicado muito a verificar como melhorar, como efetivamente aumentar a oferta de energia a médio prazo. Hoje não há problema nenhum, o nosso problema será a partir de um determinado momento.

Acho que esse leilão foi o primeiro teste do novo modelo - inclusive, participei desse modelo como relator de um dos dois projetos, junto com o Senador Delcídio Amaral - e preocupa-me muito que ele tenha sucesso, como acho que preocupa a todos os brasileiros.

Não resta dúvida de que há uma participação maior do setor público dentro desse novo modelo, com o qual também concordo, porque acho que não podemos deixar essas decisões, como foram deixadas em passado recente, para o setor privado. Isso não dá certo não só no Brasil. As distribuidoras eram as responsáveis pelo aumento da oferta de energia, elas é que tinham que dar os contratos de compra de energia, os chamados PPAs. A partir daí, com a venda de energia pelos geradores, passaria a se ter a geração.

Isso não deu certo aqui nem na Califórnia. Podemos, entretanto, fazer a análise de que as condições nos Estados Unidos são bem diferentes das nossas condições. Mas não deu certo em outros lugares. Ameaça também de não dar certo em outros países - já houve problemas na Argentina, por exemplo.

É preciso olhar com muita atenção e fazer uma análise muito cuidadosa do setor energético. Eu não tenho dúvida dos efeitos - e muitos foram aqui apontados pelo Senador José Jorge - do leilão da energia velha. O primeiro efeito será uma baixa de preços na energia de 2005, baixa essa que deve perdurar pelo menos até 2007, o que é uma boa notícia na medida em que os consumidores terão - coisa rara neste País - redução de preços nas tarifas públicas. Isso é muito positivo, apesar de não continuar a partir de 2007.

Outra conseqüência é que essa queda de preços, claro, se é benéfica em uma ponta, a do consumidor, em outra ponta, a das geradoras de energia - quase todas elas hoje estatais -, terá um efeito negativo. Mais de 80% da geração de energia é estatal. Haverá, então, redução de receita nessas empresas. Ora, havendo redução de receitas, é evidente que a primeira conseqüência será a redução na capacidade de investimento das empresas, fato que se contrapõe com o que mencionei no início, ou seja, a necessidade de algum tipo de participação maior do setor estatal, promovendo a nova energia.

Houve também, como conseqüência, uma queda natural do preço das ações das empresas geradoras. Se elas passam a ter uma receita menor, passarão a ter um lucro menor, que se refletirá em menor investimento e redução dos resultados a serem distribuídos aos acionistas.

Já em 2006 e 2007, haverá aumento de preços, retomando outra vez, eu diria, um caminho normal. Mas a grande questão sobre a qual tenho pensado muito - e acho bom que seja discutida - é que não vejo muita ligação entre o preço da energia chamada velha, desse leilão que foi feito com energia velha, com o leilão que será feito com energia nova, daquilo que acrescentará mais energia à capacidade instalada do País. Esse é o grande problema, mesmo porque, nos últimos dois anos, nenhuma concessão foi dada. Além disso, enfrentamos problemas de meio ambiente na maioria ou em boa parte das hidrelétricas que estão sendo feitas no País.

Entendo que são momentos diferentes. Na hora de fazer um leilão da energia nova, que virá no próximo ano, o momento é diferente do atual. A circunstância será diferente, as previsões de demanda são diferentes, os participantes serão diferentes. Não vejo um papel principal no leilão da energia nova. Já não vejo, pela própria redução da capacidade de investimento, as estatais como parceiros importantes ou como participantes importantes. Vamos ter que buscar investimentos privados. São necessários cerca de R$20 bilhões por ano para aumentar a infra-estrutura em energia, sobretudo na área de geração. E a capacidade hoje das empresas estatais - capacidade até um pouco reduzida - não chega à metade disso. Então, vamos depender de pelo menos R$10 bilhões por ano da iniciativa privada. Esses parceiros é que virão em outro momento fazer a nova energia.

            Há outro ponto a considerar, além de momentos e circunstâncias diferentes: é que o leilão dessa outra energia, quando realizado, seja feito por contratos de longo prazo, de pelo menos 20 anos, assegurando a oferta durante um tempo maior. Imagino que o leilão seja feito assim. Nesse aspecto, nesses momentos diferentes, minha preocupação não está na contaminação que o leilão da energia velha possa ter com o leilão da energia nova. Penso que o Governo até obteve o seu objetivo, que era o de evitar que a energia velha fosse colocada no mercado e vendida ao custo marginal de expansão, que seria muito alto. Teríamos, ao contrário de uma queda de preços, um aumento de preços, que seria muito ruim para a economia do País.

Pois bem, entendo que o objetivo de se ter modicidade tarifária - tarifa baixa do novo modelo - foi atingido neste momento. Só que, atualmente, penso que há uma incongruência do Governo. Não na área do Ministério de Minas e Energia - que, a meu ver, conduz essa política de forma correta -, mas na área econômica. A incongruência é que, nesse esforço de se buscar a modicidade tarifária, no meio do caminho da construção de um novo modelo, taxa-se a energia com o Cofins e aumenta-se o custo para o consumidor em cerca de 4%. O que se vê é o seguinte: buscou-se e conseguiu-se, nesse leilão, reduzir - talvez em torno de 3% - o preço da energia. De outro lado, o Governo vai e se apropria disso, pela Cofins, apropriando-se até da mais-valia de 1%, e passa a cobrar sobre a energia o que não cobrava, eliminando o efeito conseguido nesse leilão.

É uma incongruência. Creio que isso precisa mudar. Há uma medida provisória tramitando na Câmara que trata do assunto. Penso que, neste momento, Presidente Paulo Paim, seja fundamental que nós, desta Casa, discutamos isto: o porquê dessa incongruência e o porquê da taxação dessa energia elétrica, que atinge todos, ou quase todos - ainda não todos, lamentavelmente - os milhões de brasileiros, enquanto isso não ocorre no caso da telefonia.

Então, são pelo menos duas as incongruências que aponto. A primeira é o fato de a telefonia não ter e a energia ter; a outra é que, no momento em que se consegue reduzir o preço da energia, taxa-se a energia e se elimina esse efeito positivo para a população.

Em se voltando ao tema de energia velha e energia nova, creio que seja cedo para dizer que o modelo não levará a lugar algum. Essa foi a conclusão de um artigo publicado hoje no jornal Valor Econômico, com o título: “Leilão Aponta Aumentos Expressivos da Energia.”

É cedo, concordo que é cedo, para dizer que o modelo não levará a lugar algum. É uma experiência que tem que ser feita. Aprendemos com o passado, aprendemos que não podemos deixar, em hipótese alguma, aquele modelo onde as distribuidoras, por um processo natural, é que iriam, dentro de um regime de mercado e de concorrência, criar a nova energia do País. Não criaram. Não houve investimentos, não houve contratos de compra de energia e tivemos racionamento.

Na minha avaliação, o grande problema não é nenhum tipo de contaminação do leilão de energia velha com energia nova, mas o seguinte: o que devemos fazer para atrair investidores? Acho que não são só investidores nacionais. Temos de atrair investidores estrangeiros, não só pela disponibilidade pequena de poupança que temos, mas também pela possibilidade de ampliar o leque de investidores no País. E volto a lembrar que vamos precisar de cerca de R$10 bilhões - e não apenas uma vez; vamos precisar de R$10 bilhões todos os anos, se o País crescer algo em torno de 4,5% a 5%, que é o que está ocorrendo.

Não estamos tratando de uma hipótese irrealista. Estamos tratando de coisas que estão acontecendo. Como buscar R$10 bilhões por ano? Uma série de circunstâncias, uma série de indicadores, uma série de políticas são importantes. É preciso manter o risco País abaixo do que está. E acho que atingimos um nível razoável, que é manter uma política cambial coerente, aberta, em que a despesa e a receita, em bom português, de quem vem para cá tenham a mesma moeda ou tenha a possibilidade de alguma comunicação, porque senão ninguém faz investimento.

É preciso que tenhamos um marco regulatório claro, preciso, confiável. É preciso votar essa lei das agências, que está na Câmara. É preciso retirar do projeto, pelo menos, a questão dos contratos de gestão, que estão sendo impostos às agências reguladoras. Isso não faz o menor sentido, e não faz o menor sentido não é na minha opinião, não faz o menor sentido na opinião de quem tem a maior experiência disso no mundo, que é o Banco Mundial. É preciso fazer um contrato, estabelecer metas, e, se essas metas não forem cumpridas, as agências serão penalizadas nos seus orçamentos, ou seja, o Executivo deixará de enviar recursos para as agências, na medida em que não cumprirem seus objetivos. Mas esses objetivos certamente serão fixados pelo Governo. Então, onde fica a independência da agência reguladora?

Creio que atingimos um marco. Aconteceram inúmeros problemas, precisamos aperfeiçoar as agências, porque não são perfeitas. A de energia nunca foi perfeita. Tivemos problemas na fase do pré-racionamento, mas esses problemas precisam ser corrigidos. Esse é o ponto.

Outra forma de corrigir é tirar a figura do ouvidor independente, do ouvidor que não é subordinado à agência, mas possivelmente ao ministro. Uma pessoa de fora, que vai passar a interferir, a saber das coisas para levar e tentar resolver, isso não funciona. Essa também não é minha opinião, mas do Banco Mundial, que considera isso impossível de ser incluído em uma lei.

Concordo com a transferência do poder de concessão para os ministérios, também apresentada pelo Governo no projeto, por ser a única forma de o Governo fazer política. Senão a política passa a ser feita pela agência reguladora, o que já aconteceu no passado e foi uma das causas do racionamento. Refiro-me ao fato de que o Ministério das Minas e Energia não teve a capacidade de projetar, de implantar e de efetivar uma política. Concordo inteiramente com o Governo no sentido de que o poder de concessão deve estar em suas mãos, o que é controvertido para alguns, mas não para mim.

Entendo também que, nesse aspecto, a experiência do Banco Mundial é importante, porque recomenda que o poder de concessão seja do Ministério porque, de outra forma, o Governo deixa de ter a possibilidade de fazer política.

Creio que a solução seja a retirada desse marco regulatório e a aprovação de uma lei que ainda virá para o Senado. Além da questão do marco regulatório, também considero importante que haja um ambiente regulatório saudável, e não aquele ambiente do começo do Governo em que todos os dias, de manhã, de tarde e de noite, se falava mal das agências reguladoras, o que não leva a nada. Creio que até o Governo aprendeu porque não se tem visto mais esse tipo de críticas às agências. Houve um avanço muito grande por parte do Governo, que aprendeu e compreendeu a importância das agências reguladoras e melhorou muito nesse aspecto. Mas, em um ambiente regulatório saudável, deve-se aprovar uma lei e cumpri-la, deve-se fazer um acordo no Senado com o setor e cumpri-lo. Tudo isso leva à confiabilidade e à credibilidade maior do País.

Preocupam-me outros problemas, como na área do meio ambiente, às vezes, com razão, outras vezes, sem razão. Mas, de forma geral, não é fácil tratar desse problema, que não é deste Governo, pois já existia no outro governo. Não é um problema novo, mas velho.

No entanto, o que mais me preocupa, acima de tudo, é a financiabilidade. Já que o Governo, cuja capacidade de investimento acabou sendo reduzida nesse leilão, não terá capacidade de investimento como antes - já que serão necessários, pelo menos, dez bilhões de investimento -, como serão feitos os financiamentos?

Senador Augusto Botelho, isso me preocupa, pois, se não houver financiamento, o empreendimento não sai. Ninguém tem a menor condição de construir uma hidroelétrica ou uma termoelétrica com recursos próprios. Deve-se buscar financiamento.

Só temos uma fonte de financiamento de longo prazo neste País: o BNDES. Precisamos discutir alguma forma de os bancos privados nacionais participarem de investimentos de longo prazo, pois eles só financiam o que tem maior liquidez, o menor prazo possível e os títulos do Governo. Assim, só temos uma fonte de financiamento, que é o BNDES. Terá recursos o BNDES? Aparentemente, sim, porque, até este ano - não sei por quê -, o BNDES não cumprirá seu orçamento de aplicação de R$47 bilhões, que deverá ficar em R$40 bilhões. Penso que, num caminho normal, sem nenhum tipo de percalço, com o País crescendo a taxas de 4% a 5%, teremos dificuldade no volume de recursos do BNDES.

Além disso, o tipo de financiamento exigido na construção de uma hidroelétrica ou de uma termoelétrica não é aquele que o BNDES faz. Seu ex-presidente, a quem respeito muito, Carlos Lessa, dizia que, enquanto ele fosse presidente, não se faria project finance no BNDES. Faria outro financiamento que é típico, característico desses grandes investimentos: financiar o investimento pelo que ele representa, pelas garantias de liquidez que oferece o próprio projeto, e não por avais ou garantia de bens de sócio ou bens da empresa, porque os investimentos são altíssimos e, às vezes, não temos capacidade, nem aqui, nem em todo o mundo - pratica-se isso em todo o mundo -, de tentar tomar garantias como se fosse uma operação normal o financiamento de uma obra como essa.

O que mais me preocupa neste momento é que não temos um mercado de capitais pujante, atuante, potente, que pudesse financiar esses investimentos. Temos, sim, de sair desse leilão. Repito que não vejo nenhum tipo de ligação com o futuro; é uma ligação com o passado, mas temos de criar novos mecanismos de financiamento. Isso é o que mais me preocupa neste momento.

Por experiência, quando fui ao Banco Interamericano de Desenvolvimento vender o programa prioritário de termoeletricidade, o financiamento de termoelétricas, a demonstração do BID era que, naquele momento, ficava muito feliz porque eram termoelétricas e não eram hidroelétricas, porque, na cabeça deles, o problema da hidroeletricidade leva imediatamente, não ao problema de fundos, mas ao problema de meio ambiente, e, dentro do BID, essa questão de meio ambiente é um assunto sempre problemático.

Quero deixar aqui como mensagem não essa ligação com o passado, mas como vamos estabelecer essa ponte com o futuro. E essa ponte são os meios, os mecanismos de financiamento para o setor privado nessas obras de infra-estrutura na área de energia elétrica.

Agradeço, Sr. Presidente, a tolerância porque ultrapassei meu tempo.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/2004 - Página 42186