Discurso durante a 179ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Transcrição do artigo "Crescimento para quê?", de autoria do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, publicado nos jornais O Globo, Correio Braziliense e Estado de S.Paulo, edições de 5 do corrente.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Transcrição do artigo "Crescimento para quê?", de autoria do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, publicado nos jornais O Globo, Correio Braziliense e Estado de S.Paulo, edições de 5 do corrente.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/2004 - Página 42198
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), AUTORIA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ANALISE, DIFICULDADE, CRESCIMENTO ECONOMICO, PAIS, CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo a Tribuna neste momento para registrar o artigo intitulado “Crescimento para quê?”, de autoria do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, publicado nos jornais O Globo, Correio Braziliense e O Estado de S. Paulo, em suas edições de 5 de dezembro do corrente.

No seu artigo, o ex-presidente mostra que o governo Lula “... tenta fazer do aumento do PIB a medida de todas as coisas, o indicador suficiente da felicidade e do bem-estar do povo”. No entanto, falta se fazer uma avaliação mais realista do atual governo, pois as políticas públicas e os avanços institucionais necessários para dar um horizonte mais promissor ao país andam inegavelmente mal.

Concluindo, Sr. Presidente, requeiro que o artigo publicado nos jornais O Globo, Correio Braziliense e O Estado de S. Paulo de 5 de dezembro do corrente seja considerado como parte integrante deste pronunciamento, para que passe a constar dos Anais do Senado Federal. O texto é o seguinte:

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ARTHUR VIRGÍLIO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referidas:

O Globo;”

Correio Braziliense;”

“O Estado de S. Paulo;

5 de dezembro de 2004

Crescimento para quê?

Fernando Henrique Cardoso

Começo com uma citação: "É irrecusável a evidência de que a desigualdade está aumentando em nossa nação. A renda média das famílias teve um incremento de 18% desde 1979, enquanto a renda do grupo formado por 1% das famílias mais ricas cresceu 200%. Essas famílias ganham mais agora do que o conjunto das famílias que compõem os 40% mais pobres. Mais preocupante ainda é que a transmissão da desigualdade de geração em geração também pode estar aumentando. Uma criança nascida nas famílias dos 10% mais pobres da população tem apenas um terço de chances de alcançar uma posição acima do grupo de 20% das famílias mais pobres".

A que país será que este texto se refere? Por incrível que pareça, aos Estados Unidos da América. De que pena tão radical terá ele saído? De ninguém menos do que Lawrence Summers, ex-ministro da Fazenda do governo Clinton e atual presidente da Universidade de Harvard. Preocupado com a desigualdade crescente, nosso autor mostra a importância da educação como um instrumento de correção das assimetrias sociais, em discurso publicado no The Miami Herald do último dia 6 de novembro.

Em vista da desigualdade crescente, o famoso economista não se deixa entusiasmar pelo aumento da riqueza no país mais poderoso do mundo. Não é, obviamente, que o crescimento do PIB seja desimportante. Mas Summers sabe que a questão da desigualdade e a da criação de instrumentos igualadores, como o acesso à educação, constituem a preocupação central de todos os democratas. Reflexão desse tipo ajuda a situar nossos próprios problemas, em um momento no qual parece que se tenta fazer do aumento do PIB a medida de todas as coisas, o indicador suficiente da felicidade e do bem-estar do povo.

Talvez a esta altura, quando o governo Lula, em poucas semanas mais, cumprirá metade do mandato, seja o momento de perguntar: não estará na hora para uma avaliação mais realista do que fez e do muito que falta fazer (e tomara ainda possa ser feito)? A continuação das políticas financeiras e exportadoras (controle da inflação e dólar flutuante) explica o crescimento observado nos últimos meses. Mas estaríamos de fato inaugurando uma nova etapa do desenvolvimento? Ou, presos às ideologias desenvolvimentistas dos anos setenta e embrulhados na ineficiência gerencial, estaríamos ficando aquém do que a força de nossa economia e a favorável conjuntura internacional permitiriam almejar e conseguir?

O governo atual teve o mérito de evitar um desastre anunciado, ainda que com o sacrifício de velhas crenças no altar da racionalidade macroeconômica (e só aí). O país colhe agora os frutos desse sacrifício parcial. Mas, e as políticas públicas e os avanços institucionais necessários para dar um horizonte mais promissor ao país, a quantas andam?

Andam inegavelmente mal. Na educação basta ler o artigo publicado nesta mesma coluna por Paulo Renato Souza para aquilatar o retrocesso. Na saúde, as "farmácias populares" substituem mal as políticas consistentes dos médicos de família e dos agentes comunitários de saúde. Na reforma agrária vêem-se altos funcionários acusando indiscriminadamente agentes produtivos e a ineficiência minando os programas de assentamento, crédito e infra-estrutura.

O Fome Zero, principal peça de propaganda do governo na área social, produziu resultado zero no seu propósito anunciado de "acabar com a fome". Erguido sobre números estapafúrdios que confundem pobreza com fome, subnutrição com inanição, como o próprio presidente admite em documentário cinematográfico recém-lançado, o Fome Zero já assegurou seu lugar na história das políticas governamentais deste país, como exemplo de pobreza conceitual e incompetência operacional. Para salvar a face, o governo recorreu às pressas à unificação de todos os programas de transferência direta de renda à população, entre eles o Bolsa-Escola. Em meio à centralização tão apressada quanto desastrada, acabou-se por desnaturar a essência mesma do objetivo de vincular o benefício a uma contrapartida (no caso do Bolsa-Escola, a obrigatoriedade da freqüência escolar). O que era para ser um apoio para preparar o cidadão para o futuro tornou-se uma ajuda que mal dá para atenuar a pobreza do presente. Poderia acrescentar a esta lista de retrocessos a falta de um entendimento correto do papel das agências reguladoras, necessário para atrair o investimento para a infra-estrutura e para beneficiar o consumidor.

Não quero deixar de reconhecer os avanços havidos. Mas perdeu-se o rumo e a possibilidade de mudar, para melhor, quando necessário, o que já vinha sendo feito. A exceção parcial tem sido a área macroeconômica. Nas demais, predominou a volúpia do marketing, a mudança cosmética, a obsessão de romper com tudo que estava em marcha e a substituição de quadros competentes por militantes bem-intencionados (quando o são).

O mais grave, entretanto, é a falta de apoio de boa parte do PT e de muitos de seus aliados para o governo fazer o que é certo. Isso se reflete na paralisia da agenda congressual: que é feito da Lei de Falências, das regras para melhorar o crédito imobiliário ou da regulamentação da Previdência pública? Os milhares de novos funcionários, enquanto esta não se efetiva, estarão regidos pela velha Previdência e seu déficit continuará aumentando.

Nesse cenário, está o presidente a se desdobrar para buscar mais aliados, sem sequer explicitar o propósito das alianças. Não é preciso ser mago para adivinhar o que disso vai resultar. Não que seja fácil, eu bem o sei. Por isso mesmo, não terá chegado a hora de dar meia volta nessa marcha batida de insensatez e, quem sabe, falar francamente ao país sobre o melhor rumo para que do crescimento do PIB decorra um desenvolvimento que fortaleça a cidadania e amplie a igualdade de oportunidades?

Possível, mas improvável. Das novas "coalizões", na melhor das hipóteses, resultará uma aliança eleitoral com miras a 2006, acirrando as brigas com as oposições que, em tese, teriam mais afinidade para sustentar uma proposta mais inovadora e condizente com o desenvolvimento do país.

            Fernando Henrique Cardoso é sociólogo e ex-presidente da República.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/2004 - Página 42198