Discurso durante a 179ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reverência à memória de Celso Furtado.

Autor
José Jorge (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: José Jorge de Vasconcelos Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Reverência à memória de Celso Furtado.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/2004 - Página 42200
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, CELSO FURTADO, INTELECTUAL, ECONOMISTA, ADVOGADO, PROFESSOR, ESCRITOR, EX MINISTRO DE ESTADO, ELOGIO, ATUAÇÃO, VIDA PUBLICA, POLITICA, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, REGISTRO, RECEBIMENTO, HOMENAGEM, EXTERIOR, IMPORTANCIA, CONTRIBUIÇÃO, NATUREZA CULTURAL, BRASIL.

            O SR. JOSÉ JORGE (PFL - PE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, existem pessoas que passam pela história de um povo e a marcam ou pelo que fazem ou pelo que dizem. Nossa história está cheia desses personagens. Poucos, contudo, a marcam pelo que nos ensinaram sobre nós mesmos, com palavras e ações, como o fez Celso Furtado.

            Talvez um dos maiores intelectuais do Brasil do século XX, Celso Furtado foi, certamente, o nosso maior economista desse tempo. Soube unir a erudição do conhecimento teórico à pratica da gestão político-econômica. Uniu a pesquisa científica à formulação de planos e projetos para o Brasil real em que vivia.

            Foi, acima de tudo, um apaixonado pelo desenvolvimento do País. Dedicou-se com afinco e persistência, mesmo quando suas formulações foram alvo de críticas, a construir tal desenvolvimento. A esse propósito, cabe registrar, como uma de suas maiores contribuições, o fato de que não se pode discutir economia brasileira sem que se tome posição sobre os textos e propostas de Celso Furtado. Na verdade, não há como fugir da análise dos estudos de Furtado, quando se discutem alternativas para o desenvolvimento brasileiro.

            Nascido no sertão paraibano, nos idos de 1920, no seio de família abastada de fazendeiros, por parte de mãe, e de magistrados, por parte de pai, Furtado realiza estudos em boas escolas da Paraíba e de Pernambuco, que o conduzem ao Rio de Janeiro, em 1939, quando entra para a Faculdade Nacional de Direito. Paralelamente, inicia sua carreira de jornalista na Revista da Semana.

            Em 1943, parte com a Força Expedicionária Brasileira para a Itália, servindo na belíssima região da Toscana. Retornando, diploma-se advogado, mas é como economista que se destacará em sua vida.

            Em 1946, o ensaio “Trajetória da democracia na América” lhe enseja a outorga do Prêmio Franklin D. Roosevelt, do Instituto Brasil-Estados Unidos.

            A seguir, em 1948, obtém o título de Doutor em Economia pela Universidade de Paris, com a tese “A economia colonial brasileira”, para a qual recebe a menção máxima da banca examinadora.

            Servidor do DASP desde 1943, quando ainda era estudante, reassume suas funções no órgão da administração federal de então, ao retornar de seu doutorado na França. Nessa época, já se destacando como uma das mais brilhantes inteligências de sua geração, une-se aos quadros de economistas da Fundação Getúlio Vargas, trabalhando na revista Conjuntura Econômica. Pouco depois, em 1949, irá integrar a recém-criada Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), instalando-se em Santiago do Chile. Começa, então, a carreira do grande formulador do pensamento econômico do Brasil e do Terceiro Mundo. O respeitado especialista em desenvolvimento começa a se consolidar.

            A Cepal, órgão das Nações Unidas, transforma-se, sob a inspiração de Celso Furtado, na única escola de pensamento econômico surgida, até hoje, no Terceiro Mundo. A partir de 1950, Furtado começa a publicar os textos que viriam a dar-lhe renome internacional em curto espaço de tempo. Data dessa época, mais precisamente de 1953, o estudo do Grupo Misto Cepal-BNDE sobre a economia brasileira, elaborado sob sua presidência, e que viria se tornar a base do Plano de Metas do Governo Kubitschek.

            Em 1954, funda, com um grupo de amigos, o Clube dos Economistas, que lança a Revista Econômica Brasileira. Dois anos depois, a convite do Professor Nicholas Kaldor, passa o ano letivo 1957-58 no King’s College da Universidade de Cambridge. Escreve, então, o que se tornará seu livro mais conhecido e difundido, verdadeira obra de referência na literatura especializada: “Formação Econômica do Brasil”. A obra adquire tal importância para o entendimento do nosso País, que se torna referência obrigatória para todos quantos desejam entender o que seja a organização econômica do Brasil e, por conseqüência, nossas virtudes e deficiências na busca do desenvolvimento e da justiça social.

            Retornando ao Brasil, desliga-se definitivamente da Cepal e assume uma diretoria no BNDE, antecessor do nosso atual BNDES. Nomeado pelo Presidente Kubitschek interventor no Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste, elabora para o governo um estudo que dará origem, em 1959, à criação da Sudene, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste. Nomeado seu superintendente, vai, em 1962, encontrar-se, nos EUA, com o Presidente Kennedy, cujo governo decide apoiar um programa de cooperação com a Sudene.

            Instaurado o regime parlamentar no Brasil, após a crise da renúncia de Jânio Quadros e para que o Presidente João Goulart possa assumir, Celso Furtado é nomeado o primeiro titular do novo Ministério do Planejamento, quando elabora o Plano Trienal para o Presidente João Goulart. Celso Furtado vê adquirir formas ainda mais nítidas sua concepção de planejamento macroeconômico, como meio de consecução do desenvolvimento em países como o Brasil, cujos caminhos não poderiam mais ser os seguidos pelos países que granjearam desenvolver-se antes da primeira metade do século XX.

            Em 1962, já de volta à Sudene, concebe e implanta a política de incentivos fiscais para o desenvolvimento da Região Nordeste.

            O ano de 1964 vê, com estarrecimento, após a edição do Ato Institucional nº 1, surgir a obscurantista política de cassar e forçar o exílio das cabeças pensantes do País. Sob essa nuvem negra que escurece o Brasil, Celso Furtado tem seus direitos políticos cassados por 10 anos e parte para o exílio, que durará mais de uma década.

            Como aconteceu com a maioria dos intelectuais perseguidos pela caça às bruxas no Brasil, Celso Furtado é imediatamente convidado para lecionar ou trabalhar nos mais importantes centros dos EUA e da Europa. Sua importância como pensador da economia do Terceiro Mundo se realça quando, em 1965, é nomeado para a cátedra de professor de Desenvolvimento Econômico da Faculdade de Direito e Ciências Econômicas da Universidade de Paris. É o primeiro estrangeiro nomeado para uma universidade francesa, por decreto presidencial do General de Gaulle. A relevância da nomeação está em que, além do mérito intrínseco de Celso Furtado, houve necessidade de mudar a legislação para permitir a sua nomeação como professor universitário, cargo até então interditado aos estrangeiros na França.

            O brilhantismo de Celso Furtado o conduz a lecionar nas mais prestigiosas escolas européias e norte-americanas, além de atuar como consultor das Nações Unidas em suas diversas agências.

            A partir de 1979, com a edição da Lei da Anistia no Brasil, Furtado volta com freqüência ao Brasil, reinsere-se na vida política e é eleito membro do Diretório Nacional do PMDB.

            Atua como Embaixador brasileiro junto à Comunidade Econômica Européia, a partir de setembro de 1985.

            É nomeado Ministro da Cultura do Governo Sarney, em março de 1986. A primeira lei de incentivos fiscais para a cultura é aprovada em sua gestão. Repete-se, assim, e com êxito, a política de incentivos que iniciara em seu tempo de Sudene. Em julho de 1988, deixa o cargo de ministro e retorna à vida acadêmica no Brasil e no exterior.

            Não mais voltaria ao cenário político institucional, permanecendo, contudo, como um dos grandes pensadores e formuladores de propostas para o desenvolvimento dos países do Terceiro Mundo. Sua importância, ainda em vida, pode ser medida pelo fato de que a Maison des Sciences de l’Homme e a Unesco organizaram, em Paris, em 1997, o congresso internacional “A contribuição de Celso Furtado para os estudos do desenvolvimento”, reunindo especialistas do Brasil, Estados Unidos, França, Itália, México, Polônia e Suíça. No mesmo ano de 1997, a Academia de Ciências do Terceiro Mundo, com sede em Trieste, na Itália, cria o Prêmio Internacional Celso Furtado, conferido a cada dois anos ao melhor trabalho de um cientista do Terceiro Mundo no campo da economia política.

            Coberto de honrarias e títulos, chega a ser eleito, no mesmo ano de 1997, membro da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira número 11, cujo patrono é Fagundes Varela, um grande poeta, quase advogado.

            Assim, Srªs e Srs. Senadores, homenagear Celso Furtado é uma tarefa fácil, diante da magnífica obra em favor do Brasil que deixa. Celso Furtado soube aliar o saber livresco à pratica do pensamento que desenvolveu. Soube inovar na concepção de desenvolvimento e soube formular e implantar planos de acordo com essa concepção.

            Não há, pois, Sr. Presidente, pensamento econômico do Brasil sem que se passe pela obra de Celso Furtado, hoje e sempre. Ele se tornou, pela seriedade e qualidade dos seus trabalhos, uma referência definitiva para quem quiser entender o Brasil que ao longo da história construímos e do que se pode fazer para o Brasil alcançar o desenvolvimento que tanto desejamos.

            Sem dúvida, é o economista brasileiro mais conhecido e respeitado no mundo todo. Sua importância acabou por transformar-se, inclusive, numa candidatura ao Prêmio Nobel de Economia, que, se não saiu vitoriosa, serviu para mostrar a força da obra de um dos mestres do pensamento econômico no Brasil.

            Nosso País fica mais pobre intelectualmente com a partida de Celso Furtado. Adepto do planejamento macroeconômico como instrumento de desenvolvimento, Furtado nunca abdicou de praticar tal visão do mundo.

            Creio que posso encerrar este meu discurso de homenagem a Celso Furtado emprestando as palavras que Francisco de Oliveira, seu principal auxiliar na Sudene, disse a seu respeito: “poucos cientistas sociais podem se orgulhar de terem visto suas idéias transformarem-se em força social e política; a obra de Furtado passou por essa dura prova da história. Contra ou a favor, ela exige que se tome posição a seu respeito”.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Era o que eu tinha a dizer em reverência à memória de Celso Furtado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/2004 - Página 42200