Discurso durante a 179ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Atuação e evolução dos sindicatos brasileiros.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MOVIMENTO TRABALHISTA. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.:
  • Atuação e evolução dos sindicatos brasileiros.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/2004 - Página 42167
Assunto
Outros > MOVIMENTO TRABALHISTA. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, PESQUISA, ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT), DIFICULDADE, SITUAÇÃO, TRABALHADOR, MUNDO, VITIMA, CONCORRENCIA, ECONOMIA INFORMAL, TERCEIRIZAÇÃO, AUSENCIA, APOIO, SINDICATO.
  • ANALISE, ORIGEM, EVOLUÇÃO, ORGANIZAÇÃO, TRABALHO, ATUAÇÃO, SINDICATO, BRASIL.
  • IMPORTANCIA, ABERTURA, GOVERNO FEDERAL, CONGRESSO, AMBITO NACIONAL, TRABALHO, OBJETIVO, DISCUSSÃO, ESTADO, SOCIEDADE, EMPRESARIO, TRABALHADOR, ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, LEGISLAÇÃO SINDICAL.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, falarei sobre um tema que não está nem ficará fora do contexto do momento político social do Brasil, pois o trabalho e o trabalhador deverão ter preferencial atenção em todas as políticas públicas que envolvam as questões sociais.

Depois de séculos de servidão nos tempos medievais, transmutada no alvorecer da era industrial, em semi-escravidão, os trabalhadores conseguiram, a partir dos movimentos corporativos nascidos na Inglaterra, estabelecer certo equilíbrio nas relações entre patrões e empregados. Foi a época das grandes conquistas trabalhistas, que permitiram a emergência de novas camadas sociais de classe média. Houve, sem dúvida alguma, uma redistribuição de riqueza e uma mudança significativa da organização social.

Com o passar das décadas e a crescente força dos grupamentos operários, o movimento sindical se firmou e se colocou como legítimo contraponto das forças do capital e dos grupos empresariais na difícil tarefa de conciliar interesses que, muitas vezes, beiram o inconciliável. De fato, a sociedade aprendeu o delicado jogo da discussão e do acordo.

Essa evolução histórica, favorável à força do trabalho, sofreu drástica inflexão com o advento da sociedade tecnológica e da informação, quando a produção começou a perder suas características históricas de intensidade em mão-de-obra. Escasseando o mercado, desequilibrou-se a frágil balança da relação capital-trabalho. Tal situação se reflete nitidamente no resultado da recente pesquisa mundial sobre o trabalho, realizada pela Organização Internacional do Trabalho - OIT.

Foram entrevistados 48 mil trabalhadores em 10 mil empresas de países que representam 85% da população mundial. E, em todo o planeta, a situação se mostra similar: os profissionais se sentem frustrados, infelizes, sem apoio de sindicatos, vulneráveis diante da informalidade e da terceirização. Tal quadro não difere nada da realidade brasileira atual, sobretudo quando evidencia que apenas 8% dos trabalhadores se sentem felizes em seus empregos e apenas 10% deles conhecem seus direitos sindicais. Essa conclusão advém da conclusão de que tais profissionais vivem em países onde não é possível encontrar condições favoráveis de segurança econômica.

De fato, Sr. Presidente, longe de ter uma interpretação meramente subjetiva, a insegurança é um dos fatores que mais influi na percepção das pessoas do que seja felicidade. O documento da OIT comprova que, em países onde os habitantes têm um elevado grau de segurança econômica, os trabalhadores sentem, em média, maior grau de felicidade, medido pelo nível de satisfação que têm nas vidas que levam.

Senador Eduardo Suplicy, segundo a OIT, o fator determinante de felicidade, tal como verbalizado, não é o nível de inserção dos desempregados, como se poderia imaginar, mas a proteção dos postos de trabalho e a pequena desigualdade entre eles. Daí a importância dos sindicatos como representação do trabalho organizado.

Contudo, Sr. Presidente, o Brasil tem uma peculiaridade na gênese de sua estrutura laboral, quer do ponto de vista da legislação, quer do ponto de vista da organização sindical. As origens da organização do trabalho no Brasil remontam ao Império e às primeiras décadas do regime republicano. É, todavia, fruto de um “movimento descendente”, originado no Governo e dirigido à coletividade. Não tivemos, em nossa história trabalhista, o chamado “movimento ascendente”, expresso pela pressão de greves, piquetes, boicotes e todas as diferentes formas de luta que revolucionaram o mundo do trabalho na Europa nos séculos XIX e XX.

Em nosso País, as características definidoras do movimento de organização do trabalho são a ausência de embates, não obstante a existência, ainda que latente, mas evidente, de uma questão social: a falta de representatividade das organizações profissionais, a falta de organização e coesão dos grupos sociais e a não-existência de massas proletárias densas, por não haver atividades econômicas que as gestassem. Mesmo hoje, tais características permanecem arraigadas na maioria dos setores de atividade econômica.

Na verdade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o movimento abolicionista foi o marco inicial da legislação laboral no Brasil, pois foi com a abolição do trabalho escravo que se estimulou a incorporação, pela prática social, da nova e revolucionária forma de utilização da força de trabalho: a relação de emprego.

Foi no período que se estendeu de 1888 - ano da Abolição da Escravatura - a 1930 que ocorreu significativa evolução das leis trabalhistas em nosso País. Nessa época, os pólos de emprego encontravam-se somente no segmento agrícola cafeeiro avançado de São Paulo, na emergente industrialização que a região experimentava, e no Estado do Rio de Janeiro. O período se caracterizou pelo surgimento de legislação assistemática e dispersa, que começava a se ocupar da questão trabalhista, ainda que tangencialmente.

Em 1930, se inicia novo período, responsável pela institucionalização do Direito do Trabalho. Firma-se, então, a estrutura jurídica e institucional de um modelo trabalhista que seguirá até o final da ditadura Vargas, em 1945. Essa, contudo, continuará irradiando seus efeitos plenos sobre as quase seis décadas que se seguiram, até a Constituição de 1988.

Cabe aqui, Srs. Senadores, a reflexão de que o Direito do Trabalho no Brasil passou por uma fase incipiente, de normatização esparsa, direto para a oficialização desse ramo jurídico, sob uma direção corporativa e intensamente autoritária. Não houve espaço para que se desenvolvessem, por meio do debate gerado no conflito entre capital e trabalho, propostas no âmbito da sociedade civil.

O modelo concebido para o Direito do Trabalho no período foi reunido em um único diploma normativo, a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943). Não obstante a denominação de Consolidação, o que sugere a reverência e a compilação da legislação preexistente, a CLT, de fato, ampliou o contexto normativo existente, tendo pois a natureza de código de trabalho.

Resultou desse processo histórico ocorrido no Brasil um modelo hermético e centralizado, que demonstrou surpreendente e extraordinária capacidade de resistência e perpetuação no tempo. Ainda hoje ele vige em nossa estrutura social.

O conjunto normativo proveniente do período Vargas se manteve quase que intocado, à exceção do regime previdenciário que, na década de 1960, ganhou tratamento autônomo. Não houve alterações significativas no velho modelo trabalhista autoritário e corporativo reinante no País, quer na fase de 1945 a 1964, quer na fase do regime militar implantado em 1964.

Chegamos, Sr. Presidente, Srs. Senadores, a um momento em que surge consenso social sobre a absoluta necessidade de mudanças no campo trabalhista e sindical. Todavia, parece-me que as partes envolvidas na questão, os trabalhadores e os empregados - com as suas mais diversas representações - e o governo possuem modelos bastante distintos do que sejam as modificações a serem feitas. Estamos diante, pois, da mais absoluta falta de consenso sobre o conteúdo que devam ter as reformas a serem feitas na legislação vigente.

Todos os agentes concordam em mudar.

Discordam, sobretudo, sobre o que mudar.

Estamos, pois, numa fase embrionária do processo de mudança. Há, ainda, um longo caminho a ser percorrido, se quisermos que o resultado seja algo que consulte os reais interesses da sociedade brasileira no século XXI. Não se dar conta dessa realidade será repetir a formulação autocrática do início da era trabalhista no Brasil.

Ressalte-se, Sr. Presidente, que o assunto vem sendo ampla e exaustivamente discutido. Temos assistido à realização de fóruns, seminários e criação de várias comissões no Congresso, tudo com o objetivo de se equacionar o entendimento sobre as mudanças necessárias.

Os pontos mais discutidos, sem que haja surgido consenso, dada a disparidade das opiniões dos atores sociais, referem-se à duração da jornada de trabalho, aos encargos sociais incidentes sobre a folha de salários, às políticas salariais e de geração de emprego e ao poder normativo da Justiça do Trabalho.

Relativamente ao Direito Sindical, Srs. Senadores, a polêmica gira basicamente em torno dos seguintes pontos: manutenção ou extinção da unicidade sindical, princípio pelo qual é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria econômica ou profissional, na mesma base territorial. Os partidários da extinção defendem a sua substituição pelo princípio da pluralidade sindical, com o fim da representação sindical por categoria profissional ou econômica, passando a ser apenas a dos associados. Extinção da contribuição sindical obrigatória (arts. 578 e 591 da CLT), que abrange e obriga todos os integrantes de categorias profissionais e econômicas.

Nesse contexto é que foi aberto, pelo Governo Federal, o Fórum Nacional do Trabalho (FNT), que pretende ser instrumento de diálogo e negociação do Estado com a sociedade civil organizada para promoção de mudanças na legislação.

O contraponto da sociedade sindical não se faz tardar, com a criação do Fórum Sindical dos Trabalhadores (FST), cujas propostas podem ser consideradas conservadoras em relação às do FNT, pois visam a manter a maior parte da legislação protecionista dos sindicatos.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, estamos numa quadra da vida nacional em que devemos ter a coragem de rever as relações sociais, sem medo de enfrentar mudanças. Mas devemos fazê-lo, não com uma visão economicista, e sim com uma visão de progresso econômico e garantia de bem-estar social. O fato de que apenas 8% dos trabalhadores de empresas se sentem felizes em seus empregos diz muito da necessidade de revisão das relações de trabalho em nosso País.

Concluo, me permitindo exortar todos os agentes sociais e governamentais do trabalho a se debruçarem, no âmbito do Congresso Nacional, sobre as reformas trabalhistas e sindicais, com a perspectiva da história, ou seja, com a perspectiva da construção de um modelo trabalhista e sindical que permita ao Brasil desenvolver-se economicamente e dar aos brasileiros e brasileiras a oportunidade de trabalho que lhes traga a dignidade de cidadãos plenos.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/2004 - Página 42167