Pronunciamento de Romeu Tuma em 14/12/2004
Discurso durante a 181ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Relatório da participação de S.Exa. no quinquagesimo nono período de sessões da Assembléia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque.
- Autor
- Romeu Tuma (PFL - Partido da Frente Liberal/SP)
- Nome completo: Romeu Tuma
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
POLITICA SOCIAL.:
- Relatório da participação de S.Exa. no quinquagesimo nono período de sessões da Assembléia Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque.
- Publicação
- Publicação no DSF de 15/12/2004 - Página 43431
- Assunto
- Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR. POLITICA SOCIAL.
- Indexação
-
- RELATORIO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, DELEGAÇÃO BRASILEIRA, OBSERVAÇÃO, SESSÃO, ASSEMBLEIA GERAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), IMPORTANCIA, DEBATE, PROBLEMA, MUNDO, ESPECIFICAÇÃO, TERRORISMO, DIREITO MARITIMO, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, POBREZA, BUSCA, SOLUÇÃO.
- IMPORTANCIA, DISCURSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ASSEMBLEIA GERAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), DEFESA, ERRADICAÇÃO, POBREZA, MISERIA, MUNDO.
O SR. ROMEU TUMA (PFL - SP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: designado como um dos observadores desta Casa, presenciei em parte os trabalhos dos representantes de 191 países ao 59º período de sessões da Assembléia Geral das Nações Unidas, na sede da ONU, em Nova York. Senti-me honrado e prazeroso como membro de uma delegação parlamentar brasileira à altura das melhores estrangeiras.
Durante mais de dois meses, os olhos do mundo permaneceram assestados para as deliberações iniciadas em setembro e encerradas no corrente mês. Tal interesse, com sabor de esperança, decorreu da influência que se espera da ONU para delinear o futuro da humanidade, principalmente nesta época de disputas e conflitos que sequer deveriam ser imagináveis. Acontecimentos tenebrosos que, em algumas regiões, fazem a espécie humana retroceder aos primórdios da civilização e, noutras, ditas mais adiantadas, reavivam demônios aparentemente exorcizados sessenta anos atrás com o fim da II Guerra Mundial.
Acreditava-se que a tônica das discussões recaísse sobre o terrorismo. Mas, exceto nos discursos iniciais, não foi o que aconteceu. Filtrados pelas comissões, os projetos de resolução submetidos ao plenário enfatizaram outros temas além daquele, que se manteve como mais dimensionado para o Conselho de Segurança, onde o Brasil pretende ter assento permanente, com direito a veto. Por exemplo, as mais alentadas resoluções da Assembléia versam sobre “Os Oceanos e o Direito do Mar”.
Grande repercussão alcançou o discurso do excelentíssimo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura dos trabalhos. Como se sabe, essa incumbência cabe tradicionalmente ao Brasil. Poderia constituir-se de palavras formais e rotineiras, mas transformou-se num libelo contra a retroalimentação do pior dos males sociais - a miséria -, sustentada e acelerada, no dizer do Presidente da República, pelo “colonialismo econômico e social” decorrente de regras de comércio internacional facciosas e, portanto, injustas. Verberou ele a permanência da “lógica que drena o mundo da escassez para irrigar o do privilégio” e explicou: “Nas últimas décadas, a globalização assimétrica e excludente aprofundou o legado devastador da miséria e regressão social.”
O Presidente Lula lembrou que “nenhum organismo pode substituir as Nações Unidas na missão de assegurar ao mundo convergência em torno de objetivos comuns”. Entretanto, numa referência direta aos atuais conflitos bélicos e indireta ao que o Brasil almeja, ressaltou: “Só o Conselho de Segurança pode conferir legitimidade às ações no campo da paz e da segurança internacionais, mas sua composição deve adequar-se à realidade de hoje e não perpetuar aquela do pós-Segunda Guerra.”
A Assembléia Geral foi presidida pelo Sr. Jean Ping, Ministro de Estado e Ministro de Relações Exteriores, Cooperação e Francofonia da República do Gabão. Coube, porém, ao Secretário-Geral da ONU, Sr. Kofi Annan, expor na abertura do congresso as principais diretrizes para o mundo alcançar a paz. Proferiu ele uma frase marcante, que considero de particular significado para nós, legisladores brasileiros, como cidadãos de um país onde ainda existem leis que “adormecem” ou “não pegam”:
“O primado do direito como mero conceito não basta. As leis devem ser postas em prática e devem permear o tecido da nossa vida.”
Referia-se o Sr. Kofi Annan ao desrespeito a regras internacionais importantes, que acabam sepultadas na vala comum aonde vão ter leis despojadas de eficácia pelo unilateralismo radical de quem detém a força produtora das maiores tragédias dos dias de hoje. Disse mais:
“A visão de ‘um governo de leis e não de homens’ é quase tão antiga como a própria civilização. Num átrio não muito longe desta tribuna existe uma réplica do código legislativo promulgado por Hamurábi há mais de três mil anos, num país a que hoje chamamos Iraque. Hoje em dia, grande parte do código de Hamurábi parece ser de uma dureza inaceitável. Mas, gravados naquele bloco de pedra, estão princípios que foram reconhecidos desde então por quase todas as sociedades humanas, embora raramente tenham sido aplicados na íntegra:
“Proteção jurídica para os pobres;
“Restrições impostas aos fortes para que não possam oprimir os fracos;
“Promulgação pública de leis para que todos delas tenham conhecimento.”
O Secretário-Geral acrescentou que o Código de Hamurábi “foi um marco na luta da humanidade em prol da edificação de uma ordem regida não pela lei do mais forte mas sim pela força da lei.”
Pois bem, tais afirmações do Sr. Kofi Annan foram o prólogo da descrição subseqüente, segundo a qual “o primado do direito está em risco no mundo inteiro”:
“Vemos freqüentemente leis fundamentais serem ignoradas sem o menor pudor - leis que preconizam o respeito por vidas inocentes, pelos civis, pelas pessoas vulneráveis - especialmente as crianças. Vou referir apenas alguns exemplos da atualidade.
“No Iraque, vemos civis serem massacrados a sangue frio, enquanto elementos do pessoal da ajuda humanitária, jornalistas e outros não combatentes são seqüestrados e executados das formas mais bárbaras; ao mesmo tempo, vimos os abusos escandalosos a que foram submetidos os prisioneiros iraquianos.”
O Sr. Annan lembrou as atrocidades de Darfur e do Norte de Uganda, antes de se referir a Israel:
“Vemos civis, incluindo crianças, serem deliberadamente escolhidos como alvos pelos bombistas suicidas palestinos; na Palestina, vemos habitações destruídas, terras confiscadas e vítimas civis desnecessárias causadas pelo uso excessivo da força por parte de Israel. E, pelo mundo inteiro, vemos pessoas a serem preparadas para cometer mais atos deste tipo, através de propaganda destinada a inspirar o ódio contra os judeus, contra os muçulmanos, contra qualquer pessoa que possa ser identificada como membro de um grupo diferente daquele a que pertencemos. Não há causa nenhuma, não há agravo nenhum, por mais legítimos que sejam em si mesmos que possam justificar tais atos. São um descrédito para todos nós. (...) Todas as nações que proclamam o primado do direito no plano interno devem respeitá-lo externamente; e todas as nações que insistem nesse primado no plano externo devem impô-lo internamente.”
Os pronunciamentos do Secretário-Geral da ONU e do Presidente dos Estados Unidos, Sr. George Bush, convergiram para a condenação ao terrorismo. Ambos destacaram o que aconteceu em setembro, na escola da cidade de Beslan, República da Ossétia do Norte, Rússia, onde foram massacradas 330 pessoas, crianças na maioria. O Presidente norte-americano afirmou que os terroristas mediram seu sucesso pelo número de inocentes mortos e pela consternação das famílias vitimadas. E acrescentou que os atentados “contradizem qualquer norma de justiça em qualquer sociedade ou religião.”
De acordo com matéria do jornal moscovita Pravda, que circulou na sede da ONU, a diplomacia da Federação Russa “tinha já programado a mobilização da comunidade internacional para lutar em conjunto contra esse mal” (o terrorismo). A publicação afirmava ainda que, na Assembléia Geral, “o consenso é estabelecer uma parceria de serviços especiais para combater o terrorismo internacional, criando um sistema global, como pretende Moscou.” Mas, a realidade não correspondeu integralmente a tais afirmações.
Ainda no contexto do conclave, o Brasil foi eleito como um dos 54 membros do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (Ecosoc). Teremos mandato de três anos, a partir de 2005, no órgão que coordena quatorze agências, dez comissões funcionais e cinco comissões regionais, com vistas ao desenvolvimento global. Recebe relatórios de onze fundos e programas da ONU. Recomenda políticas para essa organização e seus Estados-Membros. E, periodicamente, cumpre missões adicionais, a exemplo da supervisão e promoção das Metas de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas, ambicioso projeto de combate à miséria e a outros flagelos. Ao implementar a Declaração do Milênio, firmada em 2000, a ONU objetiva também alcançar a paz, a segurança e o desarmamento.
Durante os trabalhos, quatro países - Brasil, Alemanha, Japão e Índia - anunciaram ter unido esforços em busca da participação permanente no Conselho de Segurança.
Embora a Carta das Nações Unidas de 1945 defina a Assembléia Geral como o principal órgão deliberativo da ONU, o Conselho de Segurança pulsa como coração dessa entidade internacional. Desde 1950, porém, nos casos de ameaça ou ruptura da paz, ou ainda de agressão, a Assembléia tem poderes para agir, caso o Conselho de Segurança não o faça em virtude do voto desfavorável de algum membro permanente. Em tal situação, ela pode deliberar de imediato sobre medidas coletivas a serem adotadas pelos Países-Membros com o escopo de manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Nada disso aconteceu durante sua 59.º reunião ordinária, da mesma forma que nos anos anteriores.
Mesmo assim, o período de sessões exibiu aspectos de intenso simbolismo e significado, entre os quais a primeira participação da União Européia como bloco ampliado para 25 Estados-Membros. Seus representantes enfatizaram ter o Conselho Europeu reafirmado, em 12 de dezembro de 2003, que a UE permanecerá profundamente empenhada, no âmbito das Nações Unidas, “na defesa e desenvolvimento do direito internacional e no multilateralismo efetivo como elemento central da sua ação externa.”
Ora, a palavra multilateralismo significa “prática do comércio internacional de forma não discriminatória, em que cada país comercia com os demais nas mesmas condições”. É de se desejar, assim, que essa posição reverta em algo efetivamente prático no seio da Organização Mundial do Comércio (OMC), onde o Brasil tem enfrentado discriminação, principalmente por parte dos Estados Unidos.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, relatar tudo o que aconteceu e destacar o que me foi dado a ver no âmbito da Assembléia Geral da ONU, demandaria horas de uso desta tribuna. Isso é obviamente impossível. Procurarei, portanto, alinhavar aquilo que, a meu ver, merece maior atenção desta Casa, porque pode embasar trabalho legislativo no devido tempo. Peço-lhes que entendam este pronunciamento como um roteiro destinado aos nobres pares dispostos a aprofundar, depois, o exame das deliberações com vistas a produzir projetos que as implementem nacionalmente.
Houve necessidade de um dia e meio de intensos debates para o plenário da Assembléia aprovar duas resoluções sobre o tema “Os Oceanos e o Direito do Mar”. Comemorou, assim, o 10.º aniversário da Convenção das Nações Unidas sobre a Lei do Mar.
Uma das resoluções recebeu 141 votos a favor, 1 contra (Turquia) e 2 abstenções (Colômbia e Venezuela). Enfatiza “o caráter universal e unificado da Convenção e sua importância fundamental para manter e fortalecer a paz e a segurança internacionais.”
Um informe do Secretário-Geral da ONU sobre o assunto despertou tanto interesse em plenário quanto o projeto de resolução. Ocupa 102 páginas e presta contas do que aconteceu, relativamente à Convenção, desde a reunião da Assembléia Geral em 2003. Entre outras coisas, apresenta um capítulo sobre delinqüência no mar, incluindo a prevenção e repressão aos atos de terrorismo, além do tráfico ilícito de armas de destruição em massa, seus sistemas vetores e os materiais conexos; pirataria e assaltos a mão armada; tráfico de migrantes, de brancas e de clandestinos; e narcotráfico.
O relatório faz amplo diagnóstico dos males criminais que preocupam ou atazanam muitos países depois de se espalharem através das rotas marítimas. Por exemplo, revela que, em dezembro de 2003, a base de dados do OIEA (Organismo Internacional de Energia Atômica) sobre armas de destruição em massa continha informações sobre 540 incidentes confirmados de tráfico ilícito de materiais nucleares e outros igualmente radiativos. Também contém informações sobre mais 344 incidentes noticiados pela mídia, mas não confirmados pelos Estados, o que os alijou da estatística oficial.
Quanto à pirataria, o nível de violência persiste na ascensão. No ano passado, seus índices aumentaram 18% em comparação com os anteriores. Conforme os dados oficiais, treze tripulantes foram assassinados em ataques à mão armada, 54 desapareceram e 45 pessoas (incluindo passageiros) ficaram feridas. Além disso, os piratas apresaram onze embarcações, deram sumiço a mais onze, incendiaram outra e afundaram uma.
Ao adotar aquele texto, a Assembléia conclamou todos os Estados a aderirem à Convenção das Nações Unidas sobre a Lei do Mar. Instou os já signatários, entre eles o Brasil, a “harmonizar a legislação nacional com os termos do instrumento”. E criou um Grupo Informal de Trabalho, sem prazo de encerramento, para “estudar medidas relacionadas à conservação e ao uso sustentável da diversidade biológica marinha além das áreas de jurisdição nacional”.
Na segunda resolução sobre o mar, aprovada por consenso - isto é, sem votação -, a Assembléia ateve-se aos problemas relativos à preservação e ao uso sustentável dos recursos marinhos, assunto que pode não nos sensibilizar de imediato, devido ao fato de o Brasil possuir potencial de pesca de 1,5 toneladas por ano, mas pescar menos de 700 toneladas. Todavia, temos cerca de 40 milhões de habitantes ao longo da costa, despejando esgotos sem tratamento no mar. Com isso, criadouros, como os manguezais, são destruídos e a degradação das águas chega a níveis insuportáveis.
O documento deplora a pesca excessiva observada em várias partes do mundo, especialmente com relação às espécies altamente migratórias, e verbera a poluição e outras ações danosas ao hábitat marinho. Constitui um libelo contra a pesca ilegal ou não regulamentada, que ameaça eliminar várias espécies de peixe e danifica ecossistemas marinhos em detrimento da exploração sustentável, da segurança alimentar e das economias de muitos Estados, particularmente nas nações em desenvolvimento.
Mais de 70% dos estoques de peixe no mundo são submetidos a pesca excessiva ou acima dos limites de sustentabilidade. No fundo do mar, as redes de arrasto já destruíram bancos de corais de importância capital para os ecossistemas e dizimou reservas ictiológicas inteiras. Evidências científicas demonstram que as espécies atingidas não conseguirão recuperar-se enquanto perdurar a pesca predatória. Caso se queira que a produção de espécies marinhas e os ecossistemas sejam mantidos, é imperioso um esforço mundial imediato para aprimorar o seu gerenciamento. Há urgência de estabelecer um processo global de monitoramento do meio marinho para bloquear sua destruição.
Numa só tarde, também por consenso, as Nações Unidas adotaram outras 24 resoluções, incluindo dois instrumentos legais. Uma delas versa sobre a reprodução humana por clonagem e solucionou a controvertida questão de instituir um grupo de trabalho para, em fevereiro próximo, sugerir o texto final da Declaração das Nações Unidas sobre a Clonagem Humana. Suas discussões deverão basear-se numa proposta apresentada pela Itália e não votada pelo plenário. Os representantes italianos queriam que a Assembléia proclamasse solenemente a obrigação de os Estados-Membros proibirem qualquer procedimento destinado a criar vida humana através de clonagem.
Aquelas 24 resoluções abrangem diversos temas, desde a Zona de Paz Andina até terrorismo, globalização e funcionamento de tribunais internacionais, inclusive a Corte Criminal Internacional.
Com relação ao terrorismo, a Assembléia reafirmou vigorosa condenação. Após qualificar tais atos como “criminosos e injustificáveis”, conclamou as nações a punirem todos os que, em seus territórios, forneçam ou juntem fundos em benefício de terroristas. Instou-as ainda a se tornarem signatárias das convenções e protocolos relativos ao assunto. Determinou ao seu Comitê ad hoc que se reúna, entre os dias 28 de março e 1.º de abril próximos, para sugerir pormenorizados instrumentos antiterroristas, objetivando particularmente a supressão do terrorismo nuclear. O comitê deverá orientar-se pelo esboço intitulado “Medidas para Eliminar o Terrorismo Internacional”, que o plenário aprovou.
Em adendo ao esboço, a Assembléia insistiu em que os Estados e a Secretaria Geral “façam o melhor uso das instituições das Nações Unidas nos esforços para prevenir o terrorismo.” E solicitou ao Secretário-Geral que apresente um inventário das respostas dadas pela Secretaria ao terrorismo. Além disso, recomendou aos Países-Membros que implementem a convenção sobre segurança dos funcionários da ONU e pessoal associado. Finalmente, instou os Estados a tomar todas as medidas necessárias para prevenir crimes contra essas pessoas, bem como para punir rigorosamente os autores de delitos do gênero.
Por outro lado, a Assembléia mostrou-se convencida de que a paz e a estabilidade do Oriente Médio passam pela questão palestina, considerada como núcleo das desavenças árabe-israelenses. Sob tal interpretação, adotou resoluções concernentes à Palestina, a Jerusalém e ao Golan.
Aliás, transcorria o Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino, em 29 de novembro, quando o Secretário-Geral Kofi Annan apresentou mensagem de condolências pela morte de Yasser Arafat. “Esperemos que a sua memória seja uma fonte de inspiração para os palestinos nestes momentos difíceis, para que se mantenham unidos e redobrem os seus esforços para realizar as aspirações nacionais à soberania e à autodeterminação por meios pacíficos” - disse ele no documento lido em plenário.
Por 161 votos a favor, sete contra e dez abstenções, o conclave lastimou os trágicos acontecimentos registrados nos territórios palestinos durante os últimos quatro anos e adotou nova recomendação para um acordo de paz. Realçou a necessidade de respeito aos direitos inalienáveis daquele povo, iniciando pela autodeterminação e culminando num Estado independente. Da mesma forma, desaprovou com vigor a reocupação de cidades palestinas e clamou pelo fim da violência, “incluindo ataques militares, destruição e atos de terror”. Adicionalmente, pediu a ambos os lados em conflito e a todos os interessados que trabalhem pela rápida retomada do processo de paz e adoção de um acordo final.
Sobre Jerusalém, reafirmou noutra resolução “o interesse da comunidade internacional na proteção do exclusivo caráter espiritual, religioso e cultural da cidade”. Foi aprovada por 155 votos favoráveis, sete contrários e 15 abstenções. Considera ilegais todas as ações para impor leis, jurisdição e administração israelenses à cidade e deplora “a transferência de missões diplomáticas para Jerusalém, com violação de relevantes resoluções do Conselho de Segurança.” Entre suas recomendações, diz ainda que a questão de Jerusalém é inseparável da existência de garantias internacionais para a liberdade religiosa e de consciência, assim como para o permanente, livre e indiscriminado acesso aos lugares sagrados.
No mesmo contexto, o conclave decidiu-se por 111 votos a favor, seis contra e sessenta abstenções quanto à situação do “Golan sírio, ocupado desde 1967”. Tal resolução considera ilegais todas as atividades israelenses de colonização da área e exorta Israel a “revogar sua decisão de 14 de dezembro de 1981, pela qual impôs leis, jurisdição e administração” à área da Síria que anexou ao seu território.
Desde a fundação, sempre ficou evidente o esforço da ONU para sustentar a imagem de fórum mundial devotado à paz e segurança internacionais. Daí o destaque conferido pela Assembléia Geral ao tema do desarmamento, motivador de 55 resoluções de amplo alcance, especialmente com referência à proliferação de mísseis balísticos dotados de ogivas para destruição em massa. A principal decisão foi a de acolher o Código de Conduta contra a Proliferação de Mísseis Balísticos, celebrado em Haia, Países Baixos, em novembro de 2002, e recomendar aos Estados-Membros que subscrevam esse documento. A resolução, sugerida pelo Primeiro Comitê (Desarmamento e Segurança Internacional), recebeu 161 votos a favor, dois contra e quinze abstenções.
Os demais documentos sobre o tema repetem apelos para que as nações se abstenham de pesquisar, criar, estocar e utilizar armas nucleares. Deveriam também se empenhar num desarmamento global.
O plenário decidiu ainda fixar o período de 26 de junho e 7 de julho de 2006 para a realização de uma conferência da ONU, em Nova York, destinada a rever o progresso alcançado na execução do Programa de Ação para Prevenir, Combater e Erradicar o Comércio Ilícito de Armas Pequenas e Armamento Leve em Todos os seus Aspectos.
No seio da ONU são visíveis os sinais de fragilidade conseqüentes às divisões no Conselho de Segurança, evidenciadas a partir de setembro do ano passado pela intervenção no Iraque. Há grande inquietação com referência à real capacidade desse organismo para enfrentar os grandes desafios deste século, como o terrorismo internacional, a proliferação nuclear, o colapso de Estados, a violência generalizada e o crescimento da pobreza. Tanto que o Sr. Kofi Annan nomeou uma comissão de alto nível, integrada, entre outras personalidades de renome, pelo embaixador brasileiro João Clemente Baena Soares, ex-Secretário-Geral da OEA, para propor medidas relacionadas a uma possível reforma da organização. Chama-se Comissão sobre Ameaças, Desafios e Mudanças. Já entregou ao Sr. Annan 101 recomendações que considera aptas para fazer da ONU uma entidade moderna e mais eficiente.
Durante o conclave, diversos acontecimentos robusteceram aquela impressão de fragilidade. Por exemplo, torna-se embaraçoso explicar o porquê de algumas decisões do Conselho de Segurança e da própria Assembléia permanecerem como letra morta, ou melhor, produzirem apenas efeito psicológico, sem nada prático. Assim é que, pela 13ª vez consecutiva, inutilmente, a Assembléia Geral aprovou resolução para por fim ao embargo comercial dos Estados Unidos contra Cuba. Foram 179 votos a favor, quatro contra (apresentados pelos Estados Unidos, Israel, Palau e Ilhas Marshall) e uma abstenção.
Transcorridos treze anos desde a primeira condenação, as decisões do órgão máximo da ONU continuam desacatadas pelos Estados Unidos da América, cujo governo afirma entender o bloqueio como “uma medida bilateral que não deve ser examinada na Assembléia Geral”. Desde 1992, portanto, a Assembléia se considera competente para deliberar sobre o problema e, a cada ano, somam-se mais votos aos dos países contrários ao embargo. Mas, ao mesmo tempo, o bloqueio apresenta incremento incessante.
Alguns assuntos não abrangidos pelas resoluções adquiriram expressão mesmo à margem dos debates. Por exemplo, a criação em Brasília, como fruto de parceria entre a ONU e o governo brasileiro, do Centro Regional de Treinamento em Segurança Pública para a América Latina e o Caribe (Cespalc), inaugurado na semana passada. É o primeiro do gênero no continente. Tem a missão de promover intercâmbio entre países latino-americanos e cursos de especialização, além de implementar medidas de modernização do setor. Está ligado ao Ministério da Justiça, através da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), e a dois órgãos da ONU: o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e o UNLIREC (Centro Regional das Nações Unidas para a Paz, o Desarmamento e o Desenvolvimento na América Latina e no Caribe).
Segundo se informou, o Cespalc dedicar-se-á à capacitação e aprimoramento de profissionais e instituições da área, apoiará planos de segurança em Estados e municípios; investirá na modernização da gestão de órgãos públicos de segurança; e incentivará o policiamento comunitário e a reestruturação das guardas municipais.
Ainda entre os problemas que ecoaram na Assembléia Geral à margem das deliberações estava a exploração sexual infantil. É que, sob os auspícios da ONU, delegados de mais de vinte países do sul da Ásia e do Pacífico reuniram-se em novembro, na Tailândia, para tratar desse grave problema. Agentes sociais e organizações não-governamentais participaram do encontro que durou três dias. Todos concordaram em aumentar os esforços na luta contra a exploração sexual infantil, especialmente contra a demanda que a promove.
O encontro foi organizado pela UNICEF e pelo ECPAT (acrônimo da expressão inglesa “End Child Prostitution, Child Pornography and Trafficking of Children for Sexual Purposes”). Suas conclusões ressaltam a necessidade de combater os comportamentos, crenças e atitudes que conduzem o homem a procurar prostituição infantil e a vender meninas virgens, inclusive para matrimônio.
“Até que a demanda desapareça, continuará a haver oferta” - asseguraram os especialistas ao apelar “a todos os homens do mundo para se unirem contra essas práticas desumanas”. Embora reconhecendo que, nos últimos anos, ocorreram alguns avanços no combate, admitiram que as facilidades oferecidas pela Internet e pelas câmeras digitais fez aumentar o consumo de pornografia infantil, principalmente no sudeste asiático, onde são poucos os países que tipificam como crime a sua posse.
Finalmente, outro acontecimento que repercutiu no contexto do 59.º período de sessões da Assembléia Geral das Nações Unidas foi o 10º aniversário do Ano Internacional da Família, assinalado em mensagem ao plenário pelo Presidente do conclave, Sr. Jean Ping. Seguiu-se a aprovação, por consenso, de uma resolução que, entre outras coisas, “recomenda a todos os organismos competentes da ONU, às organizações da sociedade civil, aos meios de comunicação, às organizações religiosas e comunitárias, assim como o setor privado, a contribuir para a elaboração de estratégias e programas objetivando melhorar os meios de existência das famílias”. Destacou-se o fato de a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamar que a família deve ser a célula natural e fundamental da sociedade, por esta apoiada e protegida pelo Estado.
Nas águas dessas manifestações, seguiram-se comentários elogiosos à decisão do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva de estabelecer 2004 como Ano da Mulher e criar a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. E houve quem lamentasse que a Assembléia não houvesse dado o devido destaque ao transcurso do Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher, em 25 de novembro, mediante a discussão de temas como violência doméstica, exploração sexual, exclusão social e discriminação feminina nos cargos e salários.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, termino meu pronunciamento com o sentimento de haver alcançado o objetivo de lhes proporcionar uma visão panorâmica do que me foi dado observar na ONU, durante a realização de sua Assembléia Geral deste ano. Espero que, daí, se possa extrair elementos para aprimorar a legislação nacional e continuar colaborando com as Nações Unidas na busca da justiça, da segurança e da paz.
Muito obrigado.