Discurso durante a 182ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Relato de viagem de S.Exa. aos Estados Unidos, com a finalidade de repatriar brasileiros presos por estarem ilegalmente naquele País.

Autor
Marcelo Crivella (PL - Partido Liberal/RJ)
Nome completo: Marcelo Bezerra Crivella
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.:
  • Relato de viagem de S.Exa. aos Estados Unidos, com a finalidade de repatriar brasileiros presos por estarem ilegalmente naquele País.
Publicação
Publicação no DSF de 16/12/2004 - Página 43670
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
Indexação
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, MISSÃO OFICIAL, SENADO, VIAGEM, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), OBJETIVO, REPATRIAÇÃO, IMIGRANTE, PRESO.
  • ANALISE, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, ILEGALIDADE, IMIGRANTE, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), DEBATE, NECESSIDADE, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, BRASIL, ALTERAÇÃO, POLITICA, GARANTIA, AMPLIAÇÃO, OFERTA, EMPREGO.
  • CRITICA, LIBERALISMO, ECONOMIA, PROVOCAÇÃO, INJUSTIÇA, NATUREZA SOCIAL, REPUDIO, EXCESSO, SUPERAVIT, VINCULAÇÃO, CRISE, SOCIEDADE.

O SR. MARCELO CRIVELLA (PL - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhores telespectadores da TV Senado e senhores ouvintes da Rádio Senado, volto de missão oficial do Senado aos Estados Unidos, onde fiz gestões junto a autoridades norte-americanas pela liberação de imigrantes ilegais brasileiros que lá se encontravam presos há vários meses.

No princípio do ano, essa missão contou com a participação do Senador Hélio Costa, que, mais uma vez, muito colaborou conosco, atuando aqui do Senado Federal, assim como o Deputado Federal João Magno. Esse trabalho repetiu-se agora para o resgate desses brasileiros, que se encontravam em condições materiais e psicológicas dramáticas.

Sr. Presidente, volto com o coração apertado. Consterna-me não tanto o que vi e ouvi lá desses imigrantes presos, mas, sobretudo, o fato de que as condições humilhantes e desumanas em que se encontravam, e alguns ainda se encontram, expressam o risco que esses jovens - pois são principalmente jovens - estão dispostos a pagar para escapar das condições sociais brasileiras atuais que, evidentemente, lhes parecem piores do que lá.

As prisões norte-americanas têm sido, nos últimos anos, um espelho vergonhoso da incapacidade que temos tido, como Nação, de oferecer perspectivas de vida, de realização profissional e humana à nossa juventude. Temos as mais altas taxas de desemprego da nossa história, e em algumas metrópoles, como São Paulo, 65% desse desemprego referem-se a jovens de 15 a 24 anos. Está aí a motivação fundamental da emigração desses brasileiros que buscam uma vida melhor nos Estados Unidos.

Em 2003, 5.208 brasileiros foram presos e deportados dos Estados Unidos na situação específica de imigrantes ilegais. Em 2004, (a imigração americana para fins de estatística conta o ano de outubro a setembro), esse número subiu para 8.852. O triste é que, pelo andar da carruagem, em 2005, esse número corre o risco de dobrar. E é uma lástima! Em 1994, apenas 192 brasileiros foram presos e deportados dos Estados Unidos. Agora são quase 10.000.

O número cresceu na direção inversa do nível de oportunidades de emprego com qualidade para os jovens no Brasil. E não me digam que a culpa é da tal empregabilidade. Encontrei nas prisões gente formada em administração de empresas, marketing, e até um economista com curso na Fundação Getúlio Vargas. Esse último chorou de vergonha quando embarcou feito indigente no vôo da American Airlines - Dallas-São Paulo - que trouxe os 70 que vieram resgatados comigo. Um horror! É que a roupa que eles recebem para voltar, embora lavada, é uma qualquer que lhes caiba, pertencente a um outro infeliz que tenha sido preso nas mesmas condições. Uma humilhação que nossos jovens, herdeiros por direito de nascimento em uma terra tão linda e abençoada, não mereciam passar.

O que eu podia dizer a este jovem economista? Que há esperança? Que estamos construindo um futuro melhor porque encontramos o caminho certo? Não tive coragem para fazer isso. Sei que o caminho que trilhamos hoje perpetua e agrava a desigualdade social, liquida os sonhos de uma geração inteira num sistema que esmaga o assalariado e os que têm renda do trabalho, e fortalece o setor financeiro especulativo. Que a educação, embora essencial e objetivo maior, é, na verdade, para a maioria deles, apenas a miragem de uma vida melhor. O que fiz, Sr. Presidente? Prometi a ajudá-lo a conquistar um visto formal.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por mais que eu venha a me esforçar, não conseguirei vistos formais para todos os jovens brasileiros que querem emigrar para os Estados Unidos, buscando uma melhor perspectiva de vida. Mesmo se pudesse, não o faria. Antes, tentaria mudar as condições brasileiras para que tantos jovens não precisassem emigrar. Isso, talvez, possa parecer pretensioso, pois sou apenas um Senador da República.

A Srª Ideli Salvatti (Bloco/PT - SC) - Permite-me V.Exª um aparte, Senador Marcelo Crivella?

O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PL - RJ) - Só para concluir, Senadora.

Como um Senador da República pode contribuir para a mudança das condições sociológicas brasileiras, no sentido da criação de oportunidades de trabalho remunerado digno para os que são aptos e querem trabalhar?

Se achasse que não poderia fazer nada, também desistiria da política. Estou convencido de que podemos fazer, e muito. No último dia 23, lançamos aqui mesmo no Senado, no auditório Petrônio Portella, a Frente Parlamentar pelo Pleno Emprego. Se a crise social profunda em que nos encontramos é causada fundamentalmente pelo desemprego e subemprego, que hoje alcançam quase um quarto da população economicamente ativa, e preocupam tremendamente, nosso Presidente Lula; e se esse alto desemprego e o subemprego são causados, fundamentalmente, pela política econômica neoliberal, a única forma de atacar o foco da crise social, é mudar a política econômica no sentido de uma política de pleno emprego. É por isso que lutará a Frente Parlamentar, à qual já estão integrados 42 Senadores e cerca de 80 Deputados. Faço um apelo a todos os Senadores que estão interessados no tema, por cima de diferenças partidárias: que se integrem a ela, para que tracemos juntos uma estratégia de reconduzir a economia política brasileira a serviço do povo, e não com as taxas de juros que temos hoje e o superávit primário que praticamos, que aumenta a cada dia e que serve, acima de tudo, à alta finança e ao capital internacionalizado.

A trágica sina desses jovens imigrantes ilegais não deve ser subestimada enquanto alerta para as conseqüências políticas do desemprego. Sua aventura é produto do desespero. Outros desesperados ficaram aqui, e mais outros ficarão. Nós podemos nos comportar como avestruzes, colocando a cabeça nas estatísticas que falam num crescimento, que prometem a arrancada sustentável da economia, mas não poderemos proteger a nós -- nossas famílias, nossos amigos, nossos eleitores e o conjunto dos cidadãos brasileiros -- da insegurança econômica que hoje afeta a todos os estratos da sociedade brasileira, com exceção dos muito ricos.

Não me deterei na análise do comportamento da economia deste ano, o que alguns jornalistas já têm feito. Vou-me deter apenas num dado sobre o desemprego. Houve uma celebração em torno da queda de dois pontos percentuais na taxa de desemprego em outubro deste ano, em relação a outubro do ano passado; entretanto, o subemprego, conceituado como o ocupado que ganha menos de um salário mínimo, aumentou exatamente na mesma proporção. Ou seja, o desempregado absoluto virou subempregado, ou desempregado virtual. Isso num ano em que, até setembro, graças a Deus, nossa taxa de crescimento acumulada do PIB foi de 5,3%.

Um provérbio bíblico diz que a paz é fruto da justiça, e a tranqüilidade se funda no direito. A situação criada pela política econômica neoliberal para nossa juventude, assim como para os trabalhadores desempregados com mais de 40 anos, que dificilmente conseguem retornar ao mercado de trabalho, é fundamentalmente injusta, e agressora de seus direitos fundamentais. O direito ao trabalho remunerado dignamente é um direito republicano básico. Para os que não têm herança equivale ao direito de sobrevivência. Com a negação desse direito, não apenas a tranqüilidade corre risco, mas também a estabilidade política e democrática. Como disse sabiamente o Presidente Roosevelt, o grande mentor do New Deal - o primeiro grande programa de promoção do pleno emprego no mundo, idealizado para reverter a Grande Depressão dos anos 30 -, a propósito das conseqüências do desemprego na Europa, na época da depressão dominada em grande parte pelo fascismo e pelo nazismo:

A democracia desapareceu em várias nações não porque os povos dessas nações não amem a democracia, mas sim porque eles se cansaram do desemprego e da insegurança, eles se cansaram de ver os filhos famintos, enquanto aguardavam sem esperança diante da confusão e da fraqueza do governo desorientado. Finalmente, vencidos pelo desalento, eles preferiram sacrificar a liberdade pela esperança de alcançar alguma coisa para comer... O povo americano se dispõe a defender a sua liberdade a qualquer custo; e a primeira linha dessa defesa está na segurança econômica.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, é duro termos de ir aos Estados Unidos para resgatar brasileiros presos, em condições subumanas, nas tantas prisões que fazem fronteira com o México. Todos os dias, agora mesmo, um baiano, alguém de Rondônia - muitos de Minas Gerais, especialmente do Vale do Aço, da cidade de Governador Valadares -, está transpondo as fronteiras com o México em busca de uma vida melhor. É duro ver nossos irmãos embarcando em aviões vestidos com uma roupa qualquer para retornar envergonhados, presos, frustrados, especialmente quando sabemos que o Brasil oferece tão poucas oportunidades de emprego para a nossa juventude.

Sei que o Presidente Lula tem se preocupado com isso, e ninguém melhor do que ele para conduzir este País na direção do pleno emprego. É por isso, Sr. Presidente, que, em nome de tantos que lutam hoje para sobreviver, faço este apelo a esta Casa, ao Sr. Presidente, à equipe técnica de economia do Governo. Gostaria que me explicassem por que precisamos de um superávit de R$70 bilhões - foi esse o valor que alcançamos no ano passado, este ano deve passar dos 80. No primeiro quadrimestre do ano, esse superávit, que no Brasil é de 4,5%, chegou a 6,75%: 32,5 bilhões acumulamos nos primeiros quatro meses do ano. Para não termos uma crise econômica, acabamos promovendo a pior crise social da nossa história, Sr. Presidente.

No Rio de Janeiro, durante a campanha para as eleições para prefeito, subi às comunidades carentes. Que vergonha! Que tristeza! Que miséria! Nem nos dez anos em que vivi na África não vi o que vi no Rio de Janeiro: meninos de 15, 16 anos vendendo cocaína em plena luz do dia, desemprego generalizado, violência sem controle.

Uso a tribuna neste momento, depois de voltar dos Estados Unidos como relatei aqui, para, mais uma vez, fazer um apelo: que o Brasil encontre, com uma política de pleno emprego, uma solução para esta nossa crise social. Sr. Presidente, venho clamar, em nome do futuro da nossa juventude, contra esses juros escorchantes, contra uma taxa de juros que é a segunda maior do planeta - é claro que isso vai aumentar a desigualdade social em nosso País, que já é o campeão da desigualdade social.

Srs. Senadores, hoje, nos bancos internacionais, há US$82 bilhões depositados em contas de 10.522 brasileiros! Ou seja, 10.522 brasileiros possuem, hoje, em bancos no exterior, mais de US$82 bilhões!

Há pouco assistimos ao anúncio entusiasmado feito pelo nosso querido Relator do Orçamento relativamente a um salário-mínimo de R$300. Esse aumento representará uma despesa de R$2,6 bilhões, despesa que temos adiado. O que é isso diante dos US$82 bilhões depositados no exterior? Essa situação é fruto da desigualdade em nosso País. Isso é fruto desse abismo social que criamos desde a época em que éramos colônia de Portugal - não conseguimos nos livrar dessa herança maldita.

Pior do que isso, Sr. Presidente, é que 80% da dívida interna do nosso País, que hoje chega a R$1 trilhão, pertencem a oito mil brasileiros - provavelmente os mesmos que têm dinheiro lá fora e que aqui dentro emprestam ao Governo recebendo juros de 16%. Aliás, a esse propósito é bom lembrar que, no ano passado, houve uma transferência de R$160 bilhões dos que pagam impostos para os rentistas, os que recebem juros, os que vivem do capital financeiro.

Sr. Presidente, acho que nós precisamos discutir aqui a questão dos brasileiros que estão indo para os Estados Unidos. Há três que perdem: o governo brasileiro, por evasão de divisas; o governo americano, porque tem que pagar para que esses rapazes fiquem presos nos presídios e pagar também sua passagem de volta, que não é barata, e, acima de tudo, perdem os brasileiros, que são presos, humilhados e vêem seus sonhos transformarem-se em pesadelos.

Quem ganha com isso? Ganham os coiotes, que levam brasileiros para os Estados Unidos com a condição de, quando esses estiverem lá trabalhando, pagarem-lhes US$10 mil, Sr. Presidente. US$10 mil! Mas ganham também os donos das prisões, porque quando os brasileiros não conseguem entrar no país, acabam passando dois, três meses numa prisão, num centro de detenção para imigrantes ilegais. Essas prisões são particulares, e o governo americano paga US$100 por dia de permanência do preso - na verdade não é um preso, não é considerado um criminoso, mas um indocumentado. Cada mil brasileiros rendem, por dia, US$100 mil aos contractors, aqueles que detêm as concessões para administrar esses centros de detenção de imigrantes ilegais.

Portanto, é muito comum que hoje o brasileiro seja abandonado pelo coiote na fronteira: atravessou o rio, é largado a sua própria sorte. Isso acontece porque, quando preso, vai render aos donos das prisões. Ora, esse é o tipo de escravidão odiosa, odienta, que se pratica no mundo globalizado, esse mundo injusto.

Estamos discutindo com os americanos o trânsito de capitais e de bens nas Américas. É fundamental que o governo brasileiro exija que haja também o livre trânsito de nacionais, como prevê o nosso acordo do Mercosul, no qual se facilita que brasileiros trabalhem na Argentina, no Uruguai, no Paraguai, como também os nacionais de lá venham e trabalhem aqui.

Sr. Presidente, essas são as minhas preocupações. Esse é o meu discurso.

Quero finalizar dizendo que, em sua última reunião, a nossa Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, preocupada com essa situação, decidiu-se pelo encaminhamento de um relatório à Polícia Federal, ao Ministério da Justiça, ao Sr. Ministro das Relações Exteriores e ao Presidente do Senado para fazer um alerta sobre tudo o que constatamos nessa viagem.

Reitero o apelo para que as autoridades econômicas de nosso País mudem os rumos da política macroeconômica, a fim de resgatarmos 22 milhões de brasileiros que hoje se encontram desempregados ou subempregados.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/12/2004 - Página 43670