Discurso durante a 182ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da adesão aos preceitos traçados pela Convenção sobre os Direitos da Criança, das Nações Unidas, estabelecidos há 15 anos.

Autor
Patrícia Saboya (PPS - CIDADANIA/CE)
Nome completo: Patrícia Lúcia Saboya Ferreira Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. POLITICA SOCIAL.:
  • Defesa da adesão aos preceitos traçados pela Convenção sobre os Direitos da Criança, das Nações Unidas, estabelecidos há 15 anos.
Publicação
Publicação no DSF de 16/12/2004 - Página 43763
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • REGISTRO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, CONVENÇÃO, DIREITOS, CRIANÇA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).
  • ANALISE, SITUAÇÃO, CRIANÇA, ESPECIFICAÇÃO, POBREZA, VIOLENCIA, SAUDE, APRESENTAÇÃO, DADOS, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO).
  • REGISTRO, APRESENTAÇÃO, BRASIL, RELATORIO, PRESTAÇÃO DE CONTAS, APLICAÇÃO, CONVENÇÃO, DIREITOS, CRIANÇA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).
  • ESCLARECIMENTOS, REUNIÃO, GRUPO PARLAMENTAR, DEFESA, CRIANÇA, ADOLESCENTE, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), MEMBROS, COMITE, INFANCIA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU).
  • REGISTRO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, AMBITO INTERNACIONAL, ORIGEM, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, DEFESA, DIREITOS, INFANCIA, ADOLESCENCIA, PARTICIPAÇÃO, CONGRESSISTA, MULHER.
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, COMITE, REPRESENTAÇÃO, CONTINENTE, VINCULAÇÃO, COMISSÃO, CONGRESSISTA, DEFESA, DIREITOS, CRIANÇA, ADOLESCENTE.

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (PPS - CE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no último dia 20 de novembro, a Convenção sobre os Direitos da Criança, das Nações Unidas, completou 15 anos de idade. Trata-se do documento de direitos humanos mais aceito do planeta, com a assinatura de 192 países.

Infelizmente, porém, a adesão aos preceitos desse tratado não tem operado as transformações esperadas no cotidiano de milhões de meninos e meninas.

Nos 15 anos que separam os dias atuais da histórica reunião da Assembléia Geral das Nações Unidas, que adotou a Convenção, o mundo viveu momentos dramáticos, como as guerras no Iraque e no Afeganistão, os sangrentos conflitos na Bósnia, a escalada do terrorismo e os confrontos tribais na África.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as maiores vítimas dessas insanidades são as crianças e os adolescentes. As atrocidades cometidas pelos adultos têm custado a vida de milhões de crianças. Aquelas que sobrevivem enfrentam toda sorte de obstáculos: perdem familiares, amigos e casas, passam por sérios problemas físicos e psicológicos, deixam de freqüentar a escola e são privadas das brincadeiras, das alegrias e das esperanças -- características de uma das fases mais ricas e bonitas da existência humana, que é a infância.

Também é esse segmento da população o que mais sente o impacto do descaso das autoridades e do desperdício do dinheiro público.

No mundo inteiro, segundo dados do Unicef, cerca de 1 bilhão de crianças sofrem os efeitos perversos da pobreza. A cada ano, ainda de acordo com o Unicef, morrem mais de 10 milhões de crianças de causas que poderiam ser evitadas; 100 milhões de meninos e meninas ainda estão fora das escolas; 150 milhões sofrem de desnutrição.

Srªs e Srs. Senadores, a despeito de dispor de uma das legislações mais avançadas do planeta no que diz respeito à infância e à adolescência e de já ter conseguido importantes vitórias na cruzada pelo bem-estar das crianças e adolescentes, o Brasil ainda reserva a milhões de meninos e meninas um dia-a-dia de privações, em que a tônica são as dificuldades de acesso a uma boa escola, à cultura e ao lazer, a serviços de saúde de qualidade, a moradia digna e saneamento básico.

A violência, em todas as suas manifestações, é outro problema que compromete, de maneira brutal, o cotidiano de milhares de crianças e adolescentes brasileiros. Dados do relatório “Um Brasil para as Crianças - A sociedade Brasileira e os Objetivos do Milênio para a Infância e a Adolescência”, produzido por 26 organizações sociais, mostram que na última década a taxa de mortalidade por homicídios no Brasil entre zero e 17 anos quase que dobrou. O Rio de Janeiro, por exemplo, registrou nos últimos 20 anos 49.913 mortes por armas de fogo contra 39 mil ocorridas na Guerra Civil da Colômbia.

De acordo com estudos da Unesco, o Brasil ocupa o 4o lugar em homicídios entre 67 pesquisados pela instituição. A taxa de assassinatos na faixa etária entre zero e 17 anos subiu de 3,9 por 100 mil habitantes em 1990 para 7,1 em 2002. E, na população de 15 a 17, esse índice variou de 11,9 a 36,2. Quando se analisa a questão a partir da raça, os dados são ainda mais graves. Em média, a taxa de homicídios de negros é 65% superior a de brancos.

Em setembro deste ano, o Brasil apresentou ao Comitê das Nações Unidas para a Infância o primeiro relatório de prestação de contas sobre a aplicação da Convenção dos Direitos da Criança, ratificada pelo nosso País em 1990. Na verdade, o Estado brasileiro deveria ter feito um relatório sobre a implementação dos direitos infanto-juvenis em 1992 e, em seguida, a cada cinco anos. Mas, infelizmente, o Brasil deixou de cumprir essa obrigação por mais de uma década.

Depois de ouvir o relato do Brasil no que diz respeito ao cumprimento da Convenção, o Comitê da Infância da ONU apresentou uma série de recomendações para que o País possa garantir melhores condições de vida às suas crianças e adolescentes.

No dia 1o de dezembro, a Frente Parlamentar pela Criança e pelo Adolescente, que tenho a honra de coordenar neste Senado, promoveu, em parceria com a ONG Save the Children Suécia e a Anced (Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente), uma reunião para ouvir dois integrantes desse Comitê: o argentino Norberto Liwski e a paraguaia Rosa Maria Ortiz, que fizeram uma exposição sobre observações da ONU.

Segundo os peritos, embora o País tenha obtido progressos significativos na luta pela melhoria das condições sociais de crianças e adolescentes, ainda há muito que avançar em campos como o da Educação e da Justiça, além de problemas como a violência contra meninos e meninas, a falta de recursos financeiros e a carência de informações sobre a situação da infância.

Entre as recomendações dadas pelo Comitê da ONU e apresentadas no Senado pelos especialistas, está a de que o Brasil “considere matéria de prioridade máxima todas as medidas necessárias para impedir o assassinato de crianças, investigar plenamente cada caso dessas sérias violações dos direitos da criança, trazer os perpetradores para a justiça e prover a família das vítimas com apoio e compensação adequados”.

O Comitê observa também que “dramáticas desigualdades baseadas em raça, classe social, gênero e localidade geográfica” dificultam o progresso para a realização plena dos direitos consagrados na convenção. Os dados sobre mortalidade infantil ilustram bem essa constatação. A taxa média tem caído na última década, sendo que o valor mais recente está em torno de 27,8 óbitos em cada mil crianças nascidas vivas (dado de 2002). No entanto, o problema da desigualdade persiste. O Nordeste mantém índices acima de 40 por mil e a região Sul registra 17,9 por mil. A mortalidade infantil entre crianças indígenas chega a 55,9 por mil.

O Comitê da ONU recomenda ainda que o Brasil aumente a alocação orçamentária para assegurar a implementação dos direitos das crianças; inclua no próximo relatório informações sobre o número de casos de tortura ou tratamento desumano ou degradante de crianças e o número de autores desses atos sentenciados pelos tribunais; fortaleça o monitoramento do sistema de adoção de crianças; investigue os casos de exploração sexual e implemente as regras sobre a Justiça Juvenil, incluindo as medidas sócioeducativas em todo o país, entre outras sugestões.

Srªs e Srs. Senadores, a disseminação dessas observações feitas pelo Comitê é de fundamental importância para fortalecer a nossa luta diária em defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Não há dúvidas de que as recomendações da ONU ajudam o Parlamento e a sociedade civil a aprimorar as políticas públicas, potencializando a batalha por mais recursos no Orçamento e melhorando os mecanismos de fiscalização e controle das diversas estratégias - governamentais e não-governamentais - em prol da infância e da adolescência no Brasil.

Recentemente, tive uma demonstração clara de que a cruzada contra a violação dos direitos de crianças e adolescentes ganha cada vez mais corações e mentes em todo o mundo.

Ciente de que todos nós temos uma gigantesca dívida com as crianças e os adolescentes, o Parlamento Italiano resolveu deflagrar um movimento internacional de defesa dos direitos da população infanto-juvenil. O começo dessa caminhada ocorreu entre os dias 17 e 18 de outubro, quando foi realizada, em Roma, a Conferência Mundial de Parlamentares Mulheres pela Proteção de Crianças e Adolescentes. O encontro reuniu cerca de 200 deputadas e senadoras de mais de 100 países, que discutiram, durante dois dias, as principais questões ligadas à infância e à adolescência.

Além de ser um espaço para troca de experiências de parlamentares de todo o mundo, a Conferência gerou resultados práticos. No final das discussões, foi aprovada a criação de uma rede mundial de mulheres parlamentares, que terá a missão de fazer um incansável monitoramento do cumprimento dos preceitos estabelecidos pela Convenção dos Direitos da Criança.

São inúmeros os exemplos de mulheres que não se cansam de lutar contra as injustiças sociais perpetradas nos quatro cantos do planeta. Mulheres como Graça Machel, aguerrida batalhadora por melhores condições de vida para as crianças da África, como a princesa Diana, que exerceu com maestria o papel de anjo da guarda de milhares de meninos e meninas, ou como a nossa Zilda Arns, comandante de um exército que não dá trégua à mortalidade infantil. 

Foi pensando na força, na sensibilidade e no poder de todas as mulheres, célebres ou anônimas, que nós, participantes da Conferência de Roma, decidimos criar essa rede de parlamentares em defesa das crianças e dos adolescentes. E para coordenar esse trabalho foi instituído um comitê formado por sete parlamentares de todos os continentes, o qual faço parte com a responsabilidade de articular as ações nas Américas.

Srªs e Srs. Senadores, o Legislativo é um espaço privilegiado de atuação, um foro de onde é possível fiscalizar e controlar as ações governamentais, garantir recursos para aprimorar as políticas públicas e elaborar leis verdadeiramente justas e inovadoras.

Estou certa de que, nos Parlamentos de diferentes partes do planeta, vamos ajudar a concretizar um sonho que nos parece hoje tão distante: a utopia de um mundo melhor para todas as crianças, independentemente do País de origem, do sexo, da raça, da religião ou da classe social.

Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/12/2004 - Página 43763