Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Demarcação das terras indígenas da Reserva Raposa/Serra do Sol.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Demarcação das terras indígenas da Reserva Raposa/Serra do Sol.
Publicação
Publicação no DSF de 21/12/2004 - Página 44117
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • APREENSÃO, CONDUTA, GOVERNO FEDERAL, DEMARCAÇÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), ATENDIMENTO, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO (AGU), DETALHAMENTO, PARECER CONTRARIO, HOMOLOGAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, DIVERSIDADE, INSTANCIA, JUSTIÇA.
  • ALEGAÇÕES, DECISÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), DESRESPEITO, RELATORIO, LEGISLATIVO, NEGLIGENCIA, OPINIÃO, GOVERNO ESTADUAL, INDIO, POPULAÇÃO, REGIÃO, ATENDIMENTO, INTERESSE, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ).

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo esta tribuna, mais uma vez, para tratar da relevantíssima questão da demarcação da Raposa/Serra do Sol. Preocupa-me muito o modo como o Governo vem conduzindo a questão e estou temeroso de que o Presidente da República, desprezando a vontade da maioria de índios e não-índios de meu Estado, homologue de forma contínua a área, atendendo à recente e desastrosa decisão do STF.

No último dia 15, em julgamento ocorrido no Supremo Tribunal Federal, o Ministro Carlos Ayres Britto suspendeu as liminares que impediam a homologação da demarcação contínua das terras indígenas da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, conforme decreto presidencial (Portaria nº 820/98). O pedido de suspensão das liminares foi articulado pela Advocacia-Geral da União (AGU).

O advogado-geral da União, Dr. Álvaro Augusto Ribeiro Costa, afirmou que se os juízos da Justiça Federal em Roraima e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região "foram considerados incompetentes para continuarem processando, as decisões liminares que os mesmos proferiram e que continuam a produzirem efeitos também precisam ser suspensas, sob pena de a competência dessa Suprema Corte não restar preservada". No mérito, a AGU pede a cassação dessas decisões.

Um outro argumento da AGU foi a de que a Organização dos Estados Americanos (OEA) já impôs medidas cautelares ao governo brasileiro para dar seqüência à demarcação da área. Reconheceu a AGU que a OEA está pressionando o Governo brasileiro para que a reserva seja homologada. Segundo a Petição da AGU, “outro aspecto que merece ser abordado é o referente à denúncia que corre junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos - OEA formulada pelo Conselho Indígena de Roraima (...), por supostas violações a direitos e garantias dos povos Ingaricó, Wapixana, Macuxi, Patamona e Tauperang”. Dentre as medidas cautelares determinadas pela OEA ao Brasil estão a de proteger a vida e a integridade pessoal dos povos indígenas localizados na área, respeitando sua identidade cultural e sua especial relação com o território ancestral.

Sr. Presidente, a demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol havia sido suspensa pelo juiz federal Helder Girão, da 1ª Vara da Seção Judiciária de Roraima. Ele deu ganho de causa a uma ação popular que contestava a Portaria nº 820/98 do Ministério da Justiça. Esta portaria declara os limites da terra indígena e determina a sua demarcação. Na Ação Popular, alega-se lesão ao patrimônio do Estado de Roraima caso a demarcação da terra indígena seja feita conforme a Portaria do Ministério, ou seja, de forma contínua.

A homologação contínua da área também foi suspensa, em segunda instância, pela desembargadora Selene de Almeida, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª. Região (DF) que, além de confirmar a liminar de primeiro grau de Helder Girão, ampliou seus efeitos, excluindo outras áreas previstas na Portaria do Ministério da Justiça, como vilas, cidades e zonas de expansão existentes na região. Ambas as liminares determinavam a demarcação descontínua da terra indígena Raposa Serra do Sol. Ou seja, ambas as decisões - vale repisar - atendiam, plenamente, ao interesse da maioria de índios e não-índios de meu Estado.

O Ministério Público Federal já havia entrado este ano com uma Reclamação no STF, na qual pedia a suspensão dos recursos que tramitavam na segunda instância contra a demarcação contínua da área. Porém, quando o ministro Carlos Britto acatou o pedido do Ministério Público Federal, a liminar já havia sido concedida pela Desembargadora Selene de Almeida e, portanto, continuava em vigor.

Na Reclamação, o procurador-geral da República argumentou que na Ação Popular contra a demarcação da terra indígena Raposa/ Serra do Sol, há conflito de interesses entre a União e o Estado de Roraima e, por isso, deve ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal.Vale dizer que uma Reclamação é uma medida judicial que trata da preservação da competência do STF.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como já é de conhecimento de todos, a Raposa/Serra do Sol, com 1,7 milhão de hectares, é composta por cinco etnias, composta por cerca de 15 mil índios: Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Taurepang e Patamona. Em sua grande maioria, os componentes dessas etnias são contrários à demarcação contínua.

Também em sua grande maioria, estes indígenas já se encontra em grau avançado de integração com a sociedade circundante não-indígena e participam, naturalmente, dos processos políticos, visto que ocupam cargos públicos eletivos, como o de Vereador e de Vice-prefeito. Participando, assim, ativamente da formação da vontade política das municipalidades em que laboram; participam, também, dos processos econômicos, ocupando-se do comércio, da agricultura e da pecuária. Ademais, participam do próprio processo de aculturação a que todo cidadão comum do País participa, pois os indígenas ingressam no processo educacional franqueado pelos Entes Federados da mesma forma que um jovem de Brasília ou São Paulo ingressam. Os índios, a que faço referência, ou seja, os aculturados, e que habitam a Raposa/Serra do Sol, assim como nós que moramos nas capitais, querem escola de qualidade e perspectivas de futuro no que diz respeito ao engajamento profissional.

Sobram, portanto, razões para que os índios que habitam a Raposa/Serra do Sol não queiram que a demarcação seja contínua. O grau de aculturamento que atingiram já os habilita a dizer o que querem com relação aos seus destinos. Sabem eles, perfeitamente, que a demarcação contínua da Raposa/Serra do Sol criará um clima indesejável de animosidade entre as próprias etnias instaladas na área que, como se sabe, estão em estágios diferentes de aculturamento, constituindo grupos culturais particularizados. Juntar índios de etnias diferenciadas, com padrões culturais particularizados, numa mesma área, significará a criação de um verdadeiro barril de pólvora.

Ademais, índios aculturados não querem, isto é evidente, ser forçosamente isolados do contexto em que vivem. Não querem ser animais enjaulados, vivendo como muitos índios isolados vivem em outras reservas: em situação de completa miserabilidade e sem acesso aos bens que modernidade lhes pode proporcionar.

Sr. Presidente, em face dessa realidade, por que não realizar - como já pedi antes - um plebiscito entre os índios da região para, democraticamente, se averiguar a vontade deles? Será por receio de que a vontade dos índios da Raposa/Serra do Sol poderá, num eventual plebiscito, ser contrário a interesses escusos e inconfessáveis de entidades e ONGs internacionais, que só querem do Brasil as suas riquezas, sem qualquer compromisso com seus habitantes? Lembrando que Roraima detém um território riquíssimo em metais preciosos.

Ademais, sabem os índios dos males sociais que poderão advir pela retirada de não-índios da área. O plantio de arroz, além de outros grãos, na Raposa/Serra do Sol, há muito ocupa lugar de destaque na economia do Estado de Roraima, gerando empregos e renda para centenas de famílias. A expulsão desses agricultores de suas terras, para fins de demarcação contínua da Raposa/Serra do Sol, representará um desastroso evento para a já combalida economia de Roraima. Desprovidos de indenização pela perda da terra - o que pode ser historicamente comprovado - os agricultores da Raposa/Serra do Sol serão abandonados à própria sorte, assim como já aconteceu com milhares de outros cidadãos que tiveram que abandonar suas terras em virtude de demarcações; cidadão estes que não obtiveram qualquer justa compensação estatal em virtude disso. Certamente, a estabilidade social do Estado sofrerá um duro abalo.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mesmo diante da evidência dos fatos, a homologação contínua da Raposa/Serra do Sol parece, para alguns setores do Governo, inevitável. Órgãos como o Ministério da Justiça e a FUNAI têm defendido, publica e reiteradamente, a demarcação contínua da área em apreço. O Presidente da República, a quem cabe homologar a reserva, titubeia em face das pressões exercidas por ONG’s internacionais.

A posição do Ministério da Justiça e da FUNAI nos causa indignação. O titubeio do Presidente Lula nos causa receio e apreensão.

Muitos índios e não-índios do meu Estado, contrários à homologação da Raposa/Serra do Sol têm reclamado, de maneira justa, de que o Governo só tem dado ouvidos a uma minoria interessada na demarcação contínua. Esta situação reproduz a falta de diálogo com diversos setores e atores sociais do Estado de Roraima, alijando-os do contraditório que deve, necessariamente, permear a decisão política consistente na homologação da reserva Raposa/Serra do Sol.

Isto demonstra o modo antidemocrático com que a questão Raposa/Serra do Sol tem sido equacionada pelos agentes do Governo. Por isso mesmo, volto a afirmar: um eventual decreto homologatório da Raposa/Serra do Sol, nos moldes de uma demarcação contínua, que desconsidere a voz dos que são contrários a esse paradigma homologatório, será um decreto maculado pela eiva do autoritarismo.

Nós vivemos num Estado Democrático de Direito, reza a nossa Constituição. Isto significa dizer que as decisões políticas devem atender à vontade das pessoas que serão diretamente afetadas pela mesma decisão. Contrariar este postulado da democracia é investir contra a coluna dorsal de nossa Constituição e, conseqüentemente, investir contra a própria sobrevivência do Estado Brasileiro.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os relatórios das Comissões Externas da Câmara e do Senado, bem demonstram como a decisão acima aludida contrariará a vontade do Parlamento. Por meio do Ministério da Justiça e da FUNAI, tem-se laborado no sentido oposto do Legislativo.

Desconsiderar uma opinião solidamente construída no seio do Parlamento, será um sinal claro de que o Governo governa autoritariamente ou de modo antidemocrático, pois toma suas decisões sem atentar para as discussões das Casas do Congresso Nacional, composta por membros eleitos pelo povo e que, em seu nome, exerce o Poder Legislativo e outras atribuições ligadas à fiscalização do Executivo.

Quanto ao judiciário, ainda que não haja decisão definitiva de mérito, não pode o Governo desconsiderar a tendência de os Juízes de acolherem, nas suas decisões, a razoabilidade de que a demarcação da Raposa/Serra do Sol exclua determinadas áreas consideradas de fundamental interesse para o Estado de Roraima, tudo a bem da democracia e de outros princípios caros à nossa Constituição.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, diante de tudo isso, entendemos infeliz a decisão do Ministro Carlos Ayres Brito em cassar a liminar que impedia a demarcação da Raposa/Serra do Sol, assim como infeliz foi o argumento da Advocacia Geral da União de que a área Raposa/Serra do Sol deve ser demarcada de forma contínua pois a OEA assim o deseja.

Definitivamente, não podemos no curvar diante dos interesses de ONGs e entidades internacionais que querem, vilipendiando o interesse público nacional e a vontade de índios e não-índios envolvidos na questão, demarcar continuamente a Reserva Raposa/Serra do Sol. Esta demarcação representará um abalo à nossa soberania, já combalida, como é de comum sabença, pelo processo de globalização.

Gostaria de fazer um apelo ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva que não homologue, de forma contínua, a Raposa/Serra do Sol. Espero que ele escute as vozes dos que vêem a demarcação - de maneira cristalinamente justa -, como uma afronta à democracia e à soberania do País, princípios esses de matriz constitucional.

Por fim - repito - considero lamentável a decisão acima referida que cassou a liminar que impedia a demarcação descontínua: ou seja, demarcação que exclui as seguintes áreas:

1. as franjas correspondentes a área de plantio;

2. as áreas do Município de Normandia e as sedes dos Municípios de Uiramutã e das vilas de Água Fria, Socó, Vila Pereira e Mutum, e respectivas zonas de expansão;

3. as estradas estaduais e federal presentes na área (RR-171, RR-202, RR-318 e BR-401), permitindo o livre trânsito em referidas vias;

4. a área da unidade de conservação ambiental Parque Nacional do Monte Roraima;

Lamento, também, o fato de o Governo brasileiro, curvando-se diante de escusos interesses internacionais, não estar conduzindo a questão de forma democrática e com a devida cautela que merece.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/12/2004 - Página 44117