Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Relata discurso do Senhor Afonso Arinos Filho durante solenidade de inauguração do busto do ex-Senador Affonso Arinos de Mello Franco.

Autor
Heráclito Fortes (PFL - Partido da Frente Liberal/PI)
Nome completo: Heráclito de Sousa Fortes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Relata discurso do Senhor Afonso Arinos Filho durante solenidade de inauguração do busto do ex-Senador Affonso Arinos de Mello Franco.
Publicação
Publicação no DSF de 17/12/2004 - Página 43953
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • LEITURA, DISCURSO, AUTORIA, PARENTE, AFFONSO ARINOS DE MELLO FRANCO, POLITICO, JURISTA, DIPLOMATA, ESCRITOR, PROFESSOR, SOLENIDADE, INAUGURAÇÃO, SENADO, ESTATUA, HOMENAGEM, CENTENARIO, ELOGIO, ATUAÇÃO, VIDA PUBLICA, CONTRIBUIÇÃO, HISTORIA, BRASIL.

O SR. HERÁCLITO FORTES (PFL - PI. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Sras e Srs Senadores,

     Hoje, às 11h30, no Salão Nobre do Senado Federal, o Presidente José Sarney presidiu solenidade de inauguração do busto do ex-Senador Affonso Arinos de Mello Franco.

     Na oportunidade, o Sr. Afonso Arinos, Filho, pronunciou as seguintes palavras:

     O SR. AFONSO ARINOS, FILHO - Sr. Presidente José Sarney; Sr. Ministro Jarbas Passarinho; autoridades presentes; minhas senhoras; meus senhores; familiares de Affonso Arinos, meu irmão:

     A 27 de novembro passado, quando ele teria completado 99 anos, adentramos o centenário de Affonso Arinos.

     Não é fácil classificar este homem poliédrico. Parlamentar, professor, político, diplomata, jurista, historiador, crítico, biógrafo, ensaísta, orador, jornalista, poeta, dramaturgo... Ele foi tudo isso, e ainda mais. Será homenageado pela Academia Brasileira de Letras, pela Academia Mineira, pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, pelo Ministério das Relações Exteriores, por outros órgãos e entidades ilustres. Mas não posso conceber forma nem lugar mais apropriados para dar início àquelas comemorações que a iniciativa do Presidente José Sarney de colocar seu busto no Salão Nobre do Senado Federal.

     Há cinco anos, recebi do então Presidente do Senado, Senador Antonio Carlos Magalhães, a honrosa incumbência de proceder a uma seleção dos discursos parlamentares de Affonso Arinos, que esta Casa publicou. Agora, já resumida em livro sua passagem pelo Poder Legislativo, perpetua-se no bronze a imagem daquele que tanto se dedicou ao Congresso Nacional, servindo-o por vinte e quatro anos - doze como Deputado e doze como Senador.

     Deputado Federal por Minas Gerais desde 1947, Affonso Arinos enfrentou, sempre na linha de frente, as crises terríveis e os graves problemas que sacudiram o Congresso e o País no século passado, não só em Plenário, mas nas comissões.

     Apenas em sua atuação fecunda na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, que por si só encheria outro alentado volume de trabalhos parlamentares, ele apresentou projetos ou substitutivos, deu pareceres e votos decisivos sobre temas tão díspares e variados como o sistema proporcional para a distribuição, pelas sobras, das cadeiras não preenchidas por quociente eleitoral; a proibição de que o mesmo candidato se apresentasse por mais de um estado; a criação de órgão destinado a aplicar dispositivo constitucional para a valorização da Amazônia; a liberdade de imprensa; a autonomia do Distrito Federal; os empréstimos externos aos estados; o Código Brasileiro de Radiotransmissão, fixando critérios limitativos da propaganda política nas campanhas eleitorais; a adoção da cédula única de votação; o Estatuto do Trabalhador Rural; diversas emendas constitucionais que estabeleceriam o sistema parlamentar de governo; a remessa de tropas brasileiras ao exterior, lei de sua autoria, graças à qual pudemos contribuir para a manutenção da paz no Oriente Próximo, em África, e, hoje, no Haiti.

     Na opinião de Affonso Arinos, a lei contra a discriminação racial, que tomaria seu nome, representou - cito: “a iniciativa de maior repercussão social (...) de toda a minha vida parlamentar. Na modéstia de minhas realizações políticas, se fiz alguma coisa importante, foi realmente esta”.

     Mas as batalhas que comandou no Plenário da Câmara por mais de seis anos, como Líder da Oposição, foram dramáticas. Basta lembrar episódios como o atentado contra Carlos Lacerda, o suicídio do Presidente Getúlio Vargas, as deposições dos Presidentes Carlos Luz e Café Filho.

     Ao abordar as políticas interna e externa do Governo Vargas, Affonso já reiterava suas convicções profundas sobre a “perfeita compatibilidade entre o planejamento econômico e a moderna democracia” e a necessidade de “integrar a noção de solidariedade continental com as exigências do nosso interesse nacional”. E, ao comemorar aniversário da queda da ditadura no Estado Novo, desenvolveu os temas da democracia como forma natural de governo dos homens e da responsabilidade histórica das Forças Armadas na defesa do regime democrático.

     Eleito Senador pelo Rio de Janeiro, então Distrito Federal, Affonso Arinos foi alçado à Presidência da Comissão de Relações Exteriores. Mais tarde, ao assumir a da Comissão de Constituição e Justiça, não lhe escaparia a coincidência de haverem sido essas as duas presidências de comissão exercidas na Câmara dos Deputados por seu pai, Afrânio de Mello Franco.

     Em nome do Senado, foi indicado para saudar o General Eisenhower, Presidente dos Estados Unidos, como o seria para receber, anos depois, o General de Gaulle, Presidente da França.

     É significativo que haja recaído sobre ele a escolha para acolher os dois Chefes de Estado mais importantes a nos visitarem depois da Segunda Guerra Mundial, os quais haviam sido, por sua vez, grandes comandantes nos campos de batalha.

     Quando da renúncia do Presidente Jânio Quadros, ao constatar que a oposição de alguns comandos militares à posse do Vice-Presidente João Goulart ameaçava o País com a guerra civil, o Senador Affonso Arinos teve atuação decisiva no encaminhamento da solução parlamentarista, consubstanciada no Ato Adicional à Constituição, permitindo a investidura de Goulart.

     Após a instauração do Regime Militar, em 1964, transformado o Congresso Nacional em Assembléia Constituinte por ato do Executivo, Arinos foi o responsável direto pela manutenção do Capítulo dos Direitos e Garantias Individuais na Constituição de 1967.

     Sobre isso, afirmaria mais tarde: “Posso dizer que a lei anti-racista, na Câmara, e a restauração das garantias individuais, no Senado, foram os pontos mais altos da minha atividade de legislador. O projeto do governo era, neste particular, intolerável; contrariava toda a tradição humanística brasileira; era, em uma palavra, vergonhoso”, porque “desejar que o esmagamento das liberdades do povo fosse votado por um Congresso eleito por ele era uma afronta ao Congresso. (...) Conservei em manuscrito o texto que escrevi durante aquela madrugada, sozinho no hotel (...). Com a alteração de pouquíssimas palavras, ele é hoje (estava em 1968) o Capítulo dos Direitos e Garantias Individuais da Constituição do Brasil; a trincheira que ainda defende as liberdades do povo diante do poder. Não creio que haja, felizmente, força capaz de destruí-la, e a sua existência propiciará a volta à democracia”.

     Quando o Senador Affonso Arinos se dirigia pela última vez, em 1967, ao Plenário do Congresso, o Deputado Adauto Cardoso aparteou-o - cito: “Tudo aquilo que o passado nos legou foi dispersado, foi dizimado. Vossa Excelência serviu de ponte entre o passado e o presente. Os seus exemplos hão de ficar, e as gerações hão de se lembrar do que foram esses homens que Vossa Excelência comandou, primeiro como Líder de Bancada e, depois, como Líder de Oposição; o que foram esses homens que fundaram de novo a tradição democrática neste País, isto Vossa Excelência conquistou, e nada lhe arrancará”.

     Affonso, contudo, não se mostrou indulgente quanto ao significado da primeira fase de sua vida de Congressista (que ele retomaria, vinte anos mais tarde, em nova Assembléia Constituinte, como último clarão do sol se pondo). Cito: “Não posso julgar se a história parlamentar do Brasil fixará alguma coisa da minha passagem, durante vinte anos, pelas duas Casas do Congresso. As vezes, fico cogitando se tantas lutas sustentadas pela minha geração política não terão sido mais retumbantes do que verdadeiramente importantes. Afinal, reconheço-o humildemente, os grupos mais atuantes, entre 1947 e 1967, dos quais participei e que cheguei a liderar, empenharam-se a fundo numa ação de pouca profundidade. Empunhamos as bandeiras que se nos ofereciam; enfrentamos os problemas que se nos apresentavam. Mas, às vezes, receio que tais problemas tenham sido de cúpula, de superfície, de forma. Destruímos o poder pessoal (de Getúlio Vargas) e erigimos uma Constituição democrática. Mas, pela falta de solução dos problemas de fundo, voltamos a outra forma de poder imposto, o poder militar, e nunca pudemos executar a parte mais humana, progressista e social da Constituição que adotamos. (...) Meu consolo, em face da consciência de um possível insucesso, que terá sido de toda uma geração, reside em que eu terminei minha passagem pelo Congresso tal como a iniciei: lutando.

     Ele sempre recusou voltar ao Legislativo durante o regime autoritário. Mas, encerrado o longo eclipse da democracia, e convocada pelo Presidente José Sarney, em 1986, a Assembléia Nacional Constituinte, Affonso Arinos, pressionado pelos que consideravam sua contribuição de constitucionalista e parlamentar experiente necessária à feitura de nova Constituição democrática, anuiu em disputar o pleito, às vésperas de completar 81 anos. E foi eleito.

     A Assembléia alçou-o, então, à Presidência da Comissão de Sistematização, encarregada de elaborar o anteprojeto da Constituição, no qual desaguariam os projetos das subcomissões e comissões temáticas.

      No Plenário, o mais idoso dos Congressistas, em discurso vibrante, obteve a aprovação da emenda que reduzia a maioridade eleitoral para 16 anos. Ao exclamar: “A tradição do Brasil não é 16 anos para o eleitor não, é 15 anos para Imperador!”

      Affonso Arinos foi escolhido para falar em nome dos seus pares, quando se promulgou a Constituição vigente. Era o reconhecimento do que ele simbolizava: a tradição e a força; a honra e o prestígio do Poder Legislativo. O Presidente Sarney disse bem, quando do seu falecimento: “Morre Affonso Parlamentar. Talvez tenha sido essa a função que desempenhou na vida com maior prazer. E essa imagem, que não é mais sua, porque é da Nação, que ficará. A imagem do homem que, no Parlamento, modificou algumas vezes a História do Brasil”.

     Muito obrigado. (Palmas)

     Por sua vez, o Presidente José Sarney, autor da homenagem, assim se expressou:

     O SR. JOSÉ SARNEY (Presidente do Senado Federal) - Sr. Senador Jarbas Passarinho, que foi Presidente desta Casa, com grande alegria hoje o vemos aqui entre nós, participando desta solenidade; filhos de Affonso: Afonsinho, Francisci, seu sobrinho, e Afrânio; Sr. Ministro Flávio Bierrenbach; Senadores; minhas senhoras e meus senhores; Diretor-Geral do Senado, Dr. Agaciel; Dr. Carreiro, Secretário-Geral da Mesa:

     É com imensa satisfação que tenho a oportunidade de, hoje, deixar perpetuada em bronze, nesta Casa, a lembrança e a presença de Affonso Arinos, justamente aqui, neste Salão Nobre, um pedaço do Museu da Casa, que é um elo entre a sua História passada, a sua História presente, e, sem dúvida, uma recordação permanente para o futuro.

     Affonso foi, sem contestação alguma, o mais completo Parlamentar que tivemos na História do Brasil.

     Como modesto estudioso desta História parlamentar, tivemos grandes oradores, grandes sumidades que, especificamente, em cada assunto, tinham uma participação extraordinária, mas Affonso conseguia dominar o universo dessas qualidades, sendo, ao mesmo tempo, o professor, o jurista, o constitucionalista, o escritor, o historiador, o político, o parlamentar, de tal modo que não havia matéria que aqui se debatesse sem que ele participasse desse debate, pois o seu saber era enciclopédico.

     Sempre converso com Pedro Costa, filho do Odilo, que era muito amigo do Affonso, seu compadre, sobre como era impossível entender como o Affonso sabia de tudo. E, quando eu disse isso ao Affonso, este me disse: “Não, o Odilo sabe mais do que eu”. Sobre qualquer coisa, qualquer assunto, o Affonso falava, desdobrava com um brilho, com uma capacidade de comunicação na qual ele incorporava toda a sua cultura, todo o seu talento, as virtudes de grande escritor e de professor também, porque, às vezes, conseguia ser didático nos assuntos que atravessava.

     Como intelectual, membro da Academia Brasileira de Letras, ele participava daquela geração mineira, daquele grupo formado pelos amigos mais estreitos: Nava, Drummond, Rodrigo de Mello Franco, seu primo, e, com isso, ele se inseria no movimento literário brasileiro.

     O Affonso historiador, por exemplo, começa a analisar Gonzaga, “Marília de Dirceu”, naqueles livros que escreveu.

     O Affonso pesquisador se inicia com o índio brasileiro e a Revolução Francesa e se desdobra na biografia do seu pai, Afrânio; e continua, quando escreve a biografia de Rodrigues Alves. Mas, quando lemos esses livros, nós nos impressionamos, realmente, com as notas de pé de página, porque ele recorre às minúcias sobre todas as coisas.

     Recordo-me do livro sobre Rodrigues Alves, quando ele aborda a passagem da revolta da vacina. Naquele episódio, encontram-se coisas que não se pode entender, e devemos apagar da história de Rui Barbosa os seus discursos contrários à vacina obrigatória. Há uma notinha de pé de página em que ele diz: “Brício Filho morreu muito velho, esquecido e um pouco ridicularizado. Lembro-me bem dele, baixote retaco, de paletó de alpaca e chapéu de palha, andando solitário, pelas ruas do centro, como um fantasma de outros tempos.”

      Então, toda coisa ele ajunta; ele sabia tudo. O que ele não sabia testemunhava, como coisas dessa natureza. No caso da revolta da vacina, ele diz sobre Lauro Sodré: “Eu o vi na minha casa, na casa do meu pai”; e vai agregando dessa forma.

     O Professor de Direito, um homem que exerceu com brilhantismo as cátedras que ele exerceu; o político dos grandes momentos, que modificava mesmo a História do Brasil, aqui dentro do Parlamento e no respeito que todos nós tínhamos por ele; o Affonso que era também, como eu disse, o escritor.

     E, coroando tudo isso, a extraordinária figura humana do Affonso Arinos. Ele era mesmo, podemos dizer assim, numa frase, uma figura doce, mas que, nessa doçura, sabia ser firme nas horas em que era necessário.

     E o Affonso também que tinha o gosto da convivência, do afeto pelas pessoas. Guardo como uma página na minha vida, que é um dos orgulhos que eu transmito, quando ele me dedicou o poema “O Amor à Roma”: “A José Sarney, uma das alegrias da minha vida: sua amizade”. Era, portanto, um homem tão generoso que chegava a esses momentos.

     Agora, estamos comemorando o seu centenário. Não se pode falar da História do século XX, no Brasil, sem falar de Affonso Arinos. Ele foi, sem dúvida, uma luz dentro desse século, entre os maiores homens que tivemos, das maiores expressões que o Brasil teve durante esse período.

     Para iniciar as comemorações do seu centenário, que começam justamente agora, estamos, hoje, perpetuando, como eu disse, a sua presença nesta Casa, como um exemplo de dedicação ao trabalho parlamentar, de dedicação à política, sem que isso prejudicasse a sua grande cultura, o grande intelectual que ele foi durante toda a obra que soube construir, com mais de cem títulos que ele publicou durante a sua vida.

     Sobre todos os assuntos Affonso escreveu.

     É esse homem que temos ali presente, na serenidade do bronze, e que ficará conosco perpetuamente, porque perpetuamente ele estará na História desta Casa. Muito obrigado. (Palmas)

     Era o que tinha a dizer, para ficar registrado nos Anais do Senado Federal.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/12/2004 - Página 43953