Discurso durante a 17ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Situação da saúde pública no Rio de Janeiro. (como Líder)

Autor
Marcelo Crivella (PL - Partido Liberal/RJ)
Nome completo: Marcelo Bezerra Crivella
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Situação da saúde pública no Rio de Janeiro. (como Líder)
Aparteantes
José Agripino, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 11/03/2005 - Página 4758
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • ANALISE, PRECARIEDADE, SAUDE PUBLICA, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), SITUAÇÃO, MISERIA, POPULAÇÃO, CRITICA, ATUAÇÃO, PREFEITO.
  • DEFESA, ACOLHIMENTO, ACORDO, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), DISPONIBILIDADE, RECURSOS, INVESTIMENTO, SAUDE, COMENTARIO, URGENCIA, SITUAÇÃO.

O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PL - RJ. Como Líder do Bloco/PL. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez ocupo esta tribuna, Senador José Agripino, para falar sobre a situação da saúde no Rio de Janeiro, assunto fundamental para as questões da minha cidade.

O Rio de Janeiro vive hoje uma situação de penúria tremenda. Vivi dez anos na África. Dez anos passei como missionário na África. Estive em Angola, Lesoto, Suazilândia, Madagascar, Moçambique, Namíbia - que, na época, era colônia - e nunca vi a miséria que vejo na cidade do Rio de Janeiro: 700 comunidades carentes, uma delas até com o nome de Nelson Mandela. Se o Presidente Nelson Mandela souber que puseram o nome dele naquela comunidade, tenho certeza de que ele vai chorar e pedir para tirar, porque nem na África se vê a miséria que há no Rio de Janeiro. É angustiante.

A primeira comunidade carente, o Morro da Previdência, surgiu com os escravos que voltaram da guerra do Paraguai, maior conflito que já houve na América do Sul - no Século XIX, de 1865 a 1870.

E agora, para aumentar a minha agonia e aflição, não conseguimos chegar a um acordo com relação à saúde.

O mais primitivo dos instrumentos de defesa do ser humano é jogar a culpa nos outros. Não foi assim no Paraíso? Quando Deus disse a Adão: “O que fizeste?” Ele respondeu: “A mulher que Tu me destes me fez comer do fruto”. O mais primitivo instrumento de defesa é jogar a culpa no outro. E é isso que estou vendo no Rio: o Governo Federal não paga, não repassa; os hospitais caindo aos pedaços, sequer têm elevador - hospitais federais, não digo nem os municipais. Os Estaduais, a mesma droga. Os municipais, piorou.

O Prefeito se defende e diz: “Vou entregar isso de volta, não quero mais”. Um discurso diferente da época da campanha, quando dizia que havia R$1 bilhão em caixa e queria emprestar R$100 milhões para a Rosinha. Sumiu o dinheiro. Não sei onde está. Na saúde, não está. Ali, sei que não está.

O povo está sofrendo. O povo do Rio de Janeiro está desesperado. Fico pensando o que fará um pai que tem um filho doente no colo, bate à porta de um hospital e não consegue um remédio.

Passei, Senador Arthur Virgílio, oito anos no Exército, como oficial. Fui punido uma vez, advertido na presença de oficiais. Era segundo-tenente à época, servia no interior do Brasil, e minha esposa estava com dor de ouvido. Passei de manhã no quartel e preenchi uma indicação para o serviço médico do Exército para tratar a dor de ouvido da minha esposa. Eu era jovem, 21 anos, recém-casado, e ela tinha 20 anos. Cheguei lá para ser atendido e o médico me disse: “Isso aqui, o senhor tinha que ter vindo ontem - a fila era de madrugada -, para pegar o número”. Respondi: “Mas como? Ela está com dor de ouvido! É última semana, e confesso ao senhor que estava apertado”. Eu era oficial do Exército, tenente, ganhava R$2 mil, pagava aluguel, despesas.

Voltei ao quartel, peguei a minha requisição e fui ao comandante: “Sr. Comandante, está aqui. Vim rasgar esse documento assinado pelo senhor. Documento legal, oficial, não vale nada. Hoje é comigo. Vou arrumar algum recurso, porque a minha esposa está com dor, e vou levá-la a um consultório particular. Amanhã, um cabo não sei o que vai fazer, ou um soldado, um sargento.”

Como mudou pouco esse meu Brasil, de 30 trinta anos atrás. E me deixa triste ver a saúde do Rio de Janeiro dessa maneira.

O Prefeito sabe que ela não está bem. Aliás, já criou até uma subsecretaria que aplaudi. Ele reconheceu. É um homem honesto, digno, e disse: “Não anda bem, a gestão não está boa. Vou montar mais uma subsecretaria”. Tirou um diretor - uma das grandes administrações do Município - que estava na Comlurb, na arrecadação de lixo, e trouxe-o para Secretaria de Saúde. Começamos a arrumar, tínhamos aquele gás. A população do Rio de Janeiro elegeu o Prefeito no primeiro turno, com louvor. E agora, o Sr. Prefeito diz, não como César, mas como Pilates: “Lavo minhas mãos. Vou devolver esses hospitais. Já devia tê-los devolvido antes.”

Sinceramente, vejo essa frase com muita tristeza.

O Sr. José Agripino (PFL - RN) - Senador Crivella, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PL - RJ) - Permitirei.

Vejo essa frase com muita tristeza porque a população do Rio de Janeiro não pode esperar transição, não pode esperar discussão de constitucionalismo ou de Lei de Responsabilidade Fiscal. As pessoas precisam de remédio e de médico; as pessoas precisam de uma solução.

Propus, juntamente com Senadores desta Casa, ao Município que, em um gesto de grandeza diante do Governo Federal, aceitasse o que foi proposto, e depois discutiríamos mais à frente. Eu mesmo, como vice-Líder do Governo, seria aqui uma voz clamando. O Município deu o exemplo: recebia - já era para ter recebido há muito tempo - R$48 milhões, mas estava recebendo R$14 milhões e deixou um déficit antigo grande. E o Governo se propôs, a partir de agora, a colocar o déficit em dia. E o passado? Vamos discutir depois, porque há pessoas morrendo na fila do hospital. Mais para frente, vamos recuperar o passado, mas resolvamos o problema agora. O Governo propôs R$100 milhões para investimentos.

O Município disse: “Não, Crivella, é ingenuidade. Não vão cumprir, não vou aceitar, porque prometem e, depois, não mandam e a situação se prolonga. Vamos para a distensão, vamos à ruptura”. Meu Deus do céu, se não significassem vidas humanas! Se estivéssemos falando, por exemplo, de uma ponte, das obras do Pan-americano, que são graves e estão paradas - o Pan é a nossa grande vitrine -, com cadência lenta e falta de recursos. E não conseguimos chegar em um acordo

Hoje, dizia a manchete na capa do principal jornal da minha cidade - todos os jornais publicaram isso -, O Globo, que a Prefeitura vai perder a administração do SUS, R$788 milhões, vai passar para o Estado. Vai piorar a situação. O Estado não tem condições de assumir isso. O caso vai gerar uma pendenga, uma discussão, vai para a corte. Pergunto: e os enfermos, os doentes, aflitos e necessitados? Nem loucos, trazidos amarrados pelo Corpo de Bombeiro, hoje têm atendimento no Rio de Janeiro. Nem louco consegue internação!

Senador José Agripino, concedo-lhe um aparte.

O Sr. José Agripino (PFL - RN) - Senador Marcelo Crivella, gostaria de cumprimentar V. Exª pelo candente pronunciamento que está fazendo em defesa do interesse coletivo da população do Rio de Janeiro, cidade onde morei por dez anos, onde concluí o segundo grau e fiz meu curso superior, onde tenho grandes amigos e onde mora a minha mãe. Tive a oportunidade, semana passada, de fazer um pronunciamento apresentando os números da saúde, que era federal e passou a ser municipal, administrada pelo Prefeito César Maia. Referi-me ao pronunciamento de V. Exª e fiz uma conclamação ao Senador Sérgio Cabral e a V. Exª, dois homens de muito espírito público, para que somemos forças em torno da intenção do Prefeito, que é a de salvar a saúde do Rio de Janeiro. Esse é o espírito que V. Exª demonstra, lamentando a pré-ruptura, a perspectiva de ruptura ou a iminência dessa ruptura. Aplaudo a preocupação candente, sincera de V. Exª e renovo aqui a minha expectativa de que possamos nos somar. Eu seria o quarto Senador do Rio de Janeiro, pelas minhas raízes, pelo apreço que tenho, como V. Exª, pelo Prefeito César Maia, que, como V. Exª, eu acho que é um homem competente, probo e bem intencionado, mas que tem as suas razões. Ele tem um projeto, que V. Exª conhece, chamado Favela Bairro. O Favela Bairro tem um pleito, concedido pelo BID, de financiamento para um empreendimento a que o BID chama de modelar. Há mais de um ano ele se arrasta no Ministério da Fazenda e há mais de um ano colocam dificuldades, não saindo o financiamento. Não sei por que razão. O empreendimento é modelar; é um programa de alcance social de prestígio internacional; o financiamento está aprovado pelo BID, mas o Ministério da Fazenda do Governo Federal não libera, não abre a guarda, não abre as cláusulas para concessão do dinheiro. O Prefeito César Maia tem razão - “gato escaldado tem medo de água fria”. É preciso que se reconheça: ele tem suas razões. O Município do Rio de Janeiro, na época do Prefeito Conde, assinou um convênio com o Governo Federal de repasse de seis hospitais federais para a Prefeitura. Nesse contrato havia uma cláusula que obrigava a reposição dos funcionários demitidos, transferidos e aposentados a ser feita por conta da União. Não aconteceu isso. O Prefeito diz que há um déficit, por conta disso, superior a R$100 milhões. O custeio das unidades hospitalares, devido pelo SUS à Prefeitura do Rio de Janeiro, está congelado em R$170 milhões há cerca de cinco anos. Não há reajuste, e a Prefeitura arcando com a diferença, para salvar a vida da cidade. Somado, esse déficit chega a R$280 milhões. Está na hora de nos somarmos. Proponho-me, se for o caso, a conversar, juntamente com o Senador Sérgio Cabral, com V. Exª, Senador Marcelo Crivella e com o Senador Roberto Saturnino, conversar com o Prefeito e com o Governo central para que este cumpra suas obrigações contratuais, para que o Prefeito possa fazer aquilo que tem vontade, que é prestar o melhor possível serviço de assistência médica à população do Rio de Janeiro, principalmente à população pobre, carente, aquela que precisa mais de nós. Elogiando o pronunciamento de V. Exª, que estou consciente de que está recheado de espírito público e de boa intenção, coloco-me à disposição de V. Exª para que somemos forças em torno do Prefeito, para que possamos melhorar a vida do carioca.

O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PL - RJ) - Muito obrigado, Senador José Agripino. É isso mesmo que acredito que devemos fazer.

Infelizmente, a ruptura que está hoje na página central do jornal acabou nos pegando de surpresa, porque era isso que entabulávamos. Ligávamos para um, para outro, tentávamos chegar a um acordo. O Governo Federal acredita que não é possível se repor todo esse déficit e fala de outras coisas. Hoje já não são mais seis hospitais repassados ao município, e sim 31. Oferecia R$100 milhões e oferece passar agora para R$46 milhões.

Peço em nome daqueles que estão, neste instante, nas filas dos hospitais ou internados, sem condições sequer de ter alimentação ou mesmo de tomar um banho, porque falta água nos hospitais. No Andaraí, por exemplo, no Cardoso Fontes, em Jacarepaguá, sequer há capote para uma médica usar para fazer uma cirurgia. Não tem! A Emergência está fechada!

O Hospital Miguel Couto, que, na minha época de menino - morei no Leblon, nasci ali, perto da praia -, era padrão, referência, hoje é superpovoado, lotado de gente, com filas enormes, faltam exames, materiais. Recebi uma ligação falando de um menino internado, com fratura craniana, ferido em um acidente de carro, e não havia cateter. Precisavam de um cateter para a criança e não havia! Liguei para o Ministro e para o Secretário estadual para pedir, mas tivemos é que remover o menino para o Copa D’Or, porque o Miguel Couto, que, na minha época de menino, era um hospital de referência, hoje sequer tem cateter para medir pressão craniana. O menino apresentava um hematoma e para medicá-lo era preciso saber a pressão para dar a quantidade certa de remédio. O Senador Mão Santa é médico e sabe disso.

Essas coisas nos angustiam. As duas partes precisam ceder. Não podemos partir para a ruptura. Se houver ruptura, a transição vai parar ainda mais os hospitais. Os médicos ficarão sem salário, como também o pessoal que fornece refeição ou faz a limpeza. Já temos uma dívida acumulada com o serviço terceirizado de limpeza do hospital por mais de um ano. Isso é terrível! Isso é uma catástrofe! Num centro cirúrgico, se não há limpeza, desenvolve-se uma infecção hospitalar.

Concedo o aparte ao Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB - MS) - Senador Marcelo Crivella, cheguei para ouvir as últimas frases do seu pronunciamento. Não é a primeira vez que V. Exª está na tribuna ocupando-se do assunto da saúde no Estado do Rio de Janeiro. Fico pensando como a cidade mais bonita do mundo, cognominada Cidade Maravilhosa, ex-capital da República, pode conviver com dois problemas - um deles, a segurança, não é objeto da fala de V. Exª no momento - sérios neste País. Hoje, compareci à Comissão de Direitos Humanos, presidida pelo Senador Juvêncio da Fonseca, para tratarmos do problema das crianças indígenas. Penso que essa situação causa indignação a todos nós. Todos deveríamos, Senador Marcelo Crivella, estar discutindo aqui os avanços da Medicina, e não a falta do elementar, a falta de médicos, de remédios, de leitos. Como a população de uma cidade que foi capital da República pode estar enfrentando as condições precárias de atendimento que V. Exª, com sua calma e ponderação, revela da tribuna, pedindo providências, enquanto as autoridades responsáveis se digladiam, jogando a culpa um no outro. Onde estamos? Quero unir minha voz à de V.Exª. Talvez isso não valha nada, talvez seja de pouca importância, mas estamos aqui para isso. Estamos, em 2005, neste século, a cuidar dessas cousas pequenas, grandes pela incúria, pelo desleixo, pela negligência e pela falta de responsabilidade. Isso não pode acontecer no Rio de Janeiro, assim como em qualquer lugar deste imenso País. Eu queria prestar minha solidariedade ao povo do Rio de Janeiro por meio de V. Exª.

O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PL - RJ) - Muito obrigado, Senador Ramez Tebet. A voz de V. Exª é relevante, como ex-Presidente desta Casa, homem probo e que conhece a dor daqueles que vagam pelos hospitais, pois vem de momentos muito difíceis enfrentando problemas de saúde.

Termino, Sr. Presidente, dizendo que me dói ver este País pagar R$110 bilhões para sete mil brasileiros. Não é isso? Nossa dívida não foi de R$1 trilhão? Oitenta e dois por cento da dívida não pertencem a sete mil brasileiros que são remunerados a juros de agiotagem, 18%? Onde já se viu, meu Deus?

Isso clama aos céus, mas também aos homens de boa-vontade. É preciso mudar, Sr. Senador. Um trilhão de dívida pública remunerada a taxas de juros mais altas do planeta. Quanto ao perfil dessa dívida interna, oitenta e dois por cento pertencem a sete mil brasileiros e o restante, R$200 bilhões, a dez milhões de brasileiros, a nossa classe média. E 160 milhões de brasileiros estão na periferia, sem direito a nada, sobrevivendo, no sertão, nas comunidades pobres do Rio, pedindo a Deus pelo pão de cada dia. Que Deus nos ajude! Que Deus tenha misericórdia deste Brasil: de um lado, uma riqueza perdulária; de outro, uma pobreza que atinge os hospitais.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/03/2005 - Página 4758