Discurso durante a 19ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa do desenvolvimento de Roraima com a preservação das terras indígenas.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA INDIGENISTA.:
  • Defesa do desenvolvimento de Roraima com a preservação das terras indígenas.
Publicação
Publicação no DSF de 15/03/2005 - Página 4967
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • COMENTARIO, DIVERSIDADE, ECOSSISTEMA, REGIÃO AMAZONICA, ESPECIFICAÇÃO, CAMPO, ESTADO DE RORAIMA (RR), NECESSIDADE, DIVERSIFICAÇÃO, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, BRASIL NORTE, ESTADO DE RORAIMA (RR), PARCERIA, TRIBO, AGRICULTOR, COLHEITA, SAFRA, IRRIGAÇÃO, ARROZ, ALTERNATIVA, SITUAÇÃO, ABANDONO, DESNUTRIÇÃO, INDIO, PROTESTO, DIRETRIZ, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), DENUNCIA, SUPERIORIDADE, MORTE, TRIBO YANOMAMI, MOTIVO, ISOLAMENTO, CORRUPÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).
  • DEFESA, ERRADICAÇÃO, POBREZA, COMUNIDADE INDIGENA, POLITICA INDIGENISTA, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, SANEAMENTO BASICO, EDUCAÇÃO, TECNOLOGIA, PRODUÇÃO, LEITURA, TRECHO, NOTICIARIO, REDUÇÃO, MORTALIDADE INFANTIL, INDIO, ESTADO DE RORAIMA (RR).
  • PROTESTO, SUPERIORIDADE, AREA, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), DEFESA, INTEGRAÇÃO, INDIO.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, V. Exª, Senador Papaléo Paes, é do Amapá, assim como o Senador João Capiberibe, que me antecedeu nesta tribuna. Vejam como a Amazônia é diferente! As pessoas que moram fora da Amazônia - refiro-me aos brasileiros, não vou nem falar nos estrangeiros - pensam que a Amazônia é só florestas. No entanto, mais ou menos um terço do meu Estado é constituído de campos naturais, que chamamos de lavrados, porque não têm floresta. Aliás, têm menos árvores do que o cerrado do Centro-Oeste.

Justamente por ser tão diferente é que a Amazônia não pode ter somente uma política. A Amazônia não pode ser pensada apenas como sendo uma grande floresta tropical, imagem que aparece na televisão e na maioria das publicações.

Ocupo esta tribuna hoje, Sr. Presidente, para fazer um registro de como é possível consorciar tecnologia com a vida dos índios. Os índios de Roraima, da região do Lavrado, da Raposa/Serra do Sol e, especificamente, da comunidade do Contão, não concordam com o que a Funai quer fazer naquela região, que é criar uma única área e desocupá-la. Para não dizerem que são palavra minhas, lerei matéria publicada no jornal Brasil Norte, de hoje:

Índios e arrozeiros colhem primeira safra

Enquanto crianças das etnias cinta larga, do Centro-Oeste, e ianomâmi, de Roraima, morrem por desnutrição, os macuxi da comunidade do Contão, localizada no norte do Estado, mostram como é possível reverter esse quadro desfavorável aos povos indígenas. Com uma parceria estabelecida entre a Associação dos Arrozeiros de Roraima e aquela comunidade, foi possível plantar um total de 110 hectares.

A colheita da primeira lavoura indígena irrigada de arroz de Roraima teve início na manhã de ontem, com a presença de produtores, índios macuxi das comunidades vizinhas à maloca do Contão, autoridades das esferas estadual, municipais e federais.

Segundo o Presidente da Associação dos Arrozeiros de Roraima, Luís Faccio, esse é um momento histórico para Roraima e prova que é possível fazer o progresso da região e das pessoas que ali vivem.

Ele citou o exemplo dos indígenas que vivem na terra de São Marcos [São Marcos é uma reserva indígena colada na pretendida reserva Raposa/Serra do Sol]. “Eles vivem em situação de abandono e não produzem nada. Aqui, temos um exemplo de como promover a paz e prosperidade entre índios e não-índios.”

Sr. Presidente, faço um parêntese para dizer que essa reserva São Marcos, que foi, da mesma forma que a Raposa/Serra do Sol, adredemente pensada por antropólogos, ONGs e adotada pela Funai, desalojou uma série de produtores que moravam naquela região, consorciados com os índios, deixando só a população indígena, que hoje vive basicamente do contrabando de gasolina da Venezuela.

Então, é impossível acreditar que alguém, de maneira sadia, pense que isolar os índios seja o melhor caminho para eles. Citei no início do meu pronunciamento que os índios ianomâmis no meu Estado, que possuem uma reserva de nove milhões de hectares, têm o maior índice de mortalidade - maior do que os cintas largas -, enquanto os índios do norte de Roraima, região onde foi plantado o arroz, vivem outra realidade.

            Continua a matéria:

Esse projeto foi elaborado pelos índios e tramitava na Câmara Federal para financiamento e execução. Entretanto, devido ao rigor e aos entraves da burocracia, não houve avanços.

Segundo o tuxaua Genival Silva, os arrozeiros decidiram abraçar a causa e financiaram cerca de R$300 mil para alavancar o projeto. Para ele, é uma satisfação trabalhar e ver os resultados dessa primeira colheita.

Genival disse que a comunidade já vislumbra a possibilidade de ter energia elétrica 24 horas e receber financiamento e pacotes tecnológicos para a segunda safra. “Nossa vontade é ter até duas safras por ano, para isso precisamos das estradas para o escoamento da produção, assim como energia elétrica para baratear os custos, que com óleo diesel é muito alto.”

Os macuxi mostraram-se empolgados com a possibilidade de erradicar a pobreza da comunidade e reduzir as diferenças sociais com trabalho, produção e emprego de recursos tecnológicos de produção.

O Governador Ottomar de Sousa Pinto esteve presente no evento. Para ele, a comunidade indígena do Contão está vivendo um momento histórico e sobretudo demonstra que a união entre indígenas e não-indígenas pode acabar com o sofrimento dos índios, que vivem em pobreza permanente.

“Tenho certeza que se essa ação acontecesse quinze anos atrás, a questão indígena não existiria, e preconizo aos pretendentes da demarcação em área contínua: se acontecer, haverá a inexistência de serviços públicos, escolas, postos de saúde, estradas e incentivo à agricultura nas terras que passarão a ser de responsabilidade do Governo Federal”, disse Ottomar.

Nessa primeira experiência foram plantados 110 hectares que, segundo acordo entre as duas partes, após a colheita, subtrai-se o que foi investido em insumos, máquinas, defensivos, tecnologia e infra-estrutura em favor dos financiadores e o excedente é revertido para a comunidade indígena, nesse caso cerca de 200 mil reais.

Sr. Presidente, a mesma matéria é também reproduzida no jornal Folha de Boa Vista, e requeiro que seja também parte integrante do meu pronunciamento.

Sr. Presidente, lerei outra matéria. Nesses últimos dias, na imprensa nacional, tem sido insistentemente repetida a notícia sobre a mortalidade dos índios em Mato Grosso do Sul. Realmente, é lamentável. Inclusive, morrem igualmente não-índios nas cidades de maneira absurda. Aliás, a média da mortalidade nacional ainda é lamentável. No entanto, ao contrário desses fatos, tenho aqui a seguinte matéria:

Cai número de mortes por desnutrição entre os índios que moram no lavrado

A morte de criança por desnutrição no Distrito Sanitário Leste (DSL), que abrange todas as comunidades indígenas de Roraima, exceto os Yanomami, vem caindo nos últimos anos. Em 2002, foram registradas treze mortes, caindo para quatro em 2003, e duas no ano passado.

Vejam que o índice de mortalidade no meu Estado entre as etnias indígenas, excluídos os ianomâmis, que estão isolados, talvez seja o menor do Brasil até em relação aos não-índios. Peço que essa matéria seja transcrita na íntegra.

Portanto, quero demonstrar que é preciso fazer uma política para o índio e não para as ONGs. Quando se elaborar uma política que vise ao índio como pessoa, melhorando a qualidade de vida nas aldeias, oferecendo-lhes saneamento básico, educação, tecnologia para que possam produzir mais, a realidade mudará completamente. O meu Estado é um exemplo disso.

Infelizmente, o comando da política indigenista no País é míope ou tem má fé, porque o que está sendo feito no Brasil todo, em termos de política indigenista, é apenas demarcação de terras indígenas. E as demarcações feitas já são suficientes, porque 12% do território nacional estão destinados a terras indígenas. São áreas já demarcadas. No meu Estado, há 32 reservas demarcadas, a 33ª será julgada pelo Supremo Tribunal Federal porque questionamos a sua legalidade, e há mais duas sendo encaminhadas. Serão, portanto, 35 reservas indígenas só em Roraima.

É curioso, e precisamos pesquisar o porquê, mas o meu Estado tem a terceira população indígena do Brasil e é, disparadamente, o primeiro em tamanho de reservas indígenas. Por que será? Será que é porque o mapa das reservas indígenas casa exatamente com o mapa das reservas minerais? Não sei, mas é bom pesquisar. Enquanto isso, índios, em suas aldeias - como os ianomâmis, tão decantados há alguns anos -, estão sendo vítimas de oncocercose permanentemente, Senador Papaléo Paes - V. Exª, como médico, sabe do que estou falando - desnutridos, morando a poucos metros.

Lá existe uma ONG que recebe cerca de sete milhões por ano para cuidar deles. E garanto que os dirigentes dessas ONGs estão muito bem. Conheço-os em Boa Vista, eles têm carro do ano, dizem até que têm propriedades enormes, são até donos de rede de farmácia.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR) - Enquanto isso, os índios de lá estão à míngua.

Quero dizer ainda, Sr. Presidente - creio que ainda tenho um tempo de prorrogação -, que precisamos tratar deste assunto de maneira desapaixonada, sem o viés ideológico, sem fundamentalismos. Temos que tratar dessa questão com nacionalismo, pensando que não podemos passar um atestado de que somos incapazes de cuidar dos nossos índios, que, segundo a Funai, totalizam 320 mil, e, segundo o IBGE, 750 mil.

O IBGE registra 750 mil, porque a maioria dos índios mora nas cidades, já que, nas aldeias, não têm condições de sobreviver, a não ser que fiquem isolados como os ianomâmis. Será que é isso que o Brasil quer?

Poderíamos fazer uma política indigenista em que pudéssemos até dar, para cada família de índios, um salário, uma cesta básica. Mas o que o índio quer não é isso, ele quer ter dignidade, quer participar. Conheço muitos índios doutores. No meu Estado, são mais de 40 professores índios com curso superior. O Marcos Terena, por exemplo, já tem mestrado.

Eles não aceitam mais ser comandados por “ongueiros”, que, na verdade, fazem isso para viver às custas do dinheiro que recebem. Aliás, isso está mais do que comprovado.

Eu, por exemplo, não conheço uma publicação da Funai sobre a questão indígena, mas o ISA - Instituto Socioambiental - todos os anos publica inúmeras obras sobre a questão indígena, inclusive o maior livro que existe como referência sobre as etnias indígenas no Brasil. Esse Instituto é dirigido ou é de propriedade do Sr. Márcio Santilli, que foi Presidente da Funai. Por que a Funai não publica isso e arrecada dinheiro para investir nos índios? Por que a Funai resolve terceirizar a questão da saúde e da educação nas reservas indígenas? Por que o Governo Federal resolve terceirizar? Se é para terceirizar, se a Funai e a Funasa não são capazes de cuidar disso, então, chamemos as Forças Armadas que estão lá próximas. Mas as forças armadas são demonizadas por alguns “ongueiros”, sob a alegação de que os soldados violentam as índias - como se eles também não o fizessem -, e que levam doenças aos índios. E, infelizmente, os índios vivem nas cidades e muitas índias se prostituem na periferia das cidades.

Eu, como médico, amazônida e cidadão de Roraima, não quero isso para os nossos índios. No meu Estado, a grande maioria dos índios pensa de forma diferente. Infelizmente, pinçam apenas uma entidade indígena de Roraima, o Conselho Indígena de Roraima, e definem que ela fala pelos índios de Roraima. Mas não fala. Há pelo menos mais três entidades importantes que não aceitam ser comandadas dessa maneira talibânica e fundamentalista em relação à questão indígena.

Deixo mais esse desafio, Senador Ney Suassuna, porque tem sido uma constante da minha parte defender a Amazônia, Roraima e o Brasil, neste Senado, principalmente em relação a passar a limpo essa questão das ONGs. Não podemos admitir que, em 2003, R$1,3 bilhão tenha sido repassado para essas ONGs, só dos Ministérios, sem contar as fundações e as autarquias federais.

Enquanto isso, as nossas “prefeiturinhas”, que têm dificuldades imensas, são obrigadas a ficar com o pires na mão e tendo de apresentar uma série de documentos para receber uma migalha. E não vejo a CGU apontar essas irregularidades das ONGs, mas a Funasa e a CPI das ONGs já apontaram.

Finalizo o meu pronunciamento, dizendo que aqui está dado o exemplo de como é possível trabalhar juntos - índios e não-índios - em benefício dos próprios índios.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I, §2º do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

1) “Cai número de mortes por desnutrição entre índios que moram no lavrado”. Folha de Boa Vista (Folha online). 2) “Contão: safra de arroz irrigado é colhida por índios e arrozeiros.”


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/03/2005 - Página 4967