Discurso durante a 23ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Crise financeira dos municípios brasileiros.

Autor
Valdir Raupp (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Valdir Raupp de Matos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.:
  • Crise financeira dos municípios brasileiros.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/2005 - Página 5375
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL.
Indexação
  • ELOGIO, RECONHECIMENTO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, IMPORTANCIA, DESCENTRALIZAÇÃO, AUTONOMIA, MUNICIPIOS.
  • CRITICA, AUMENTO, TRIBUTOS, CENTRALIZAÇÃO, FISCO, UNIÃO FEDERAL, REDUÇÃO, IMPOSTOS, DESTINAÇÃO, FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL (FPE), FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICIPIOS (FPM), PREJUIZO, PARTILHA, RECURSOS, EFEITO, DEPENDENCIA, ESTADOS, MUNICIPIOS.
  • SOLICITAÇÃO, EMPENHO, CONGRESSO NACIONAL, VOTAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REFORMA TRIBUTARIA, AUMENTO, ARRECADAÇÃO, FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICIPIOS (FPM).

O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a crise dos Municípios brasileiros deve ser tratada com franqueza e seriedade, tendo em vista ser esse um problema da maior relevância. Tenho certeza de que terei de pagar um preço por lutar por essa causa, por lutar pelo povo brasileiro. Mas é com orgulho e espírito público que o faço!

Foi somente após a promulgação da Constituição de 1988, por meio do art. 1º, que os Municípios passaram a ser definidos como parte integrante da República Federativa do Brasil. Foi um reconhecimento tardio, pois todos sabem que os Municípios são os pilares do desenvolvimento nacional, pois é no seu espaço que estão as pessoas, as atividades econômicas locais e a infra-estrutura de saúde e de educação, entre outras.

A percepção de que as autoridades municipais têm melhores condições de conhecer a realidade de seus Municípios e, obviamente, as necessidades de seus moradores foi amplamente consagrada nas mudanças introduzidas pela Assembléia Nacional Constituinte. Daí o estabelecimento do princípio de descentralização em nossa Carta Magna, cujo efeito deveria ser o fortalecimento do papel dos Municípios na elaboração e gestão de políticas públicas, especialmente daquelas voltadas para o atendimento dos serviços básicos, fundamentais à melhoria do cotidiano dos cidadãos.

Até então tudo parecia resolvido. A descentralização e a concretização da autonomia finalmente fariam dos Municípios a representação do Poder Público por excelência. Essa tese, que nos encheu de esperança acerca dos destinos do Brasil, no entanto, foi desvirtuada pelas decisões dos homens que dirigem nossa Nação. O sonho tornou-se, tão-somente, pura ilusão.

Se é verdade que, a partir de 1988, os Municípios têm contado com uma estrutura legal favorável às suas demandas históricas, é também verdade que hoje eles têm colhido o amargo fruto do pragmatismo econômico. Da situação de aparente conforto das receitas, para a verdadeira penúria em que se encontram hoje os Municípios, conclui-se que o movimento de municipalização aconteceu de forma não adequadamente planejada, resultando em um processo desordenado de descentralização de encargos.

As políticas restritivas do Governo Federal para conter o déficit público e a incompatibilidade entre despesas e receitas correntes da maioria dos Estados brasileiros contribuíram, sobremaneira, para que aos Municípios fosse delegado maior número de áreas de atuação, com vistas a atender às crescentes demandas sociais. Essa condução errática do processo de partilha de recursos e obrigações foi perversa, colocando sobre os ombros dos Municípios parcela de atribuições inconciliável com a capacidade de administração.

Essa situação ficou mais evidente quando do advento da estabilização econômica, em 1994, a partir da qual não foi mais possível recorrer aos ganhos inflacionários, o que debilitou substancialmente as finanças dos Estados e Municípios, tornando-os mais dependentes do socorro federal. Daí em diante, abriu-se para o Governo Federal uma oportunidade para reinaugurar a centralização fiscal, condicionando os entes subnacionais a substanciais contrapartidas, por meio de elevado comprometimento de receitas líquidas e inadequados mecanismos de indexação. Dessa maneira, mudou-se o padrão de relacionamento entre as esferas do Governo, com a utilização de uma dinâmica de aperto e afrouxamento de controles políticos e fiscais.

Logo, não poderíamos esperar algo diferente: a correção da situação dos Municípios não se realizou conforme o pretendido. As soluções propostas pelos burocratas do Governo Federal não se compatibilizaram com a realidade, e isso foi o que aconteceu em relação aos nossos Municípios.

O Executivo Federal conseguiu, sim, de alguma forma conduzir os governos subnacionais. Deu o tiro de renegociação, mas atingiu os alvos errados, matando iniciativas de Estados importantes para a população.

A sede de controle da União não parou por aí. O Governo Federal vem adotando ações deletérias no campo tributário de forma implacável. A brutal elevação da carga tributária global, mais de quinze pontos percentuais do PIB desde 1988, foi encabeçada pelos tributos federais não compartilhados, geralmente as contribuições, tais como Cofins, PIS, CPMF e Cide. Além do mais, sob o pretexto de estimular o crescimento econômico, o Governo vem concedendo isenções e reduções no Imposto de Renda e no IPI, justamente aqueles impostos que compõem o Fundo de Participação dos Estados e dos Municípios. Em 1988, as receitas de tributos compartilhados entre os três níveis de Federação representavam 75% da arrecadação federal. No ano passado, essa participação era de apenas 45%. É a voracidade fiscal da União subtraindo recursos preciosos a Estados e Municípios.

Por isso, a panela de pressão em que a Federação está se transformando nos últimos tempos pode explodir a qualquer momento!

A situação de descontrole é generalizada. Por todo o Brasil levas e levas de prefeitos, por meio de representações como a Frente Nacional de Prefeitos e a Confederação Nacional dos Municípios, vêm reivindicando uma situação mais justa, visando principalmente ao resgate do princípio da autonomia municipal e à reconstrução do pacto federativo, que, apesar de constarem da Constituição Federal, não estão sendo respeitados.

Srªs e Srs. Senadores, o princípio da municipalização não se pode tornar uma tese vazia. Por uma constatação óbvia, a solução dos problemas sociais e urbanos do País passa necessariamente por ações de governos locais e também pelo crescimento econômico sustentado da economia brasileira.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Valdir Raupp, eu gostaria de participar.

O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO) - Em breve, eu lhe concedo um aparte, nobre Senador Mão Santa.

Ora, 50% do investimento público é feito pelos Municípios, que ficam, apesar disso, com apenas 14,5% do bolo tributário, participação que já representou 17%, no ano de 1991.

De forma sistemática, a crise dos Municípios, criada pela insuficiente arrecadação e transferência de impostos, afeta a população em diversas frentes, pois eles vêm perdendo com rapidez não apenas a sua capacidade de investimento, mas também a sua capacidade de funcionar. Como está é impossível suportar!

Para complicar a situação, muitas prefeituras estão com dificuldade de cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, devido à não votação da reforma tributária e à redução de contribuições como o IPI e o ICMS.

Entendo que qualquer política que apóie a autonomia dos Municípios deve ser saudada. Isso porque, não me canso de repetir, a concretização das políticas públicas pode ser muito mais fácil aos Municípios pelo fato de serem os entes políticos mais próximos da realidade de cada contribuinte.

O SR. PRESIDENTE (Tião Viana. Bloco/PT - AC) - V. Exª dispõe de mais cinco minutos, Senador Valdir Raupp.

O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO) - Muito obrigado.

Srªs e Srs. Senadores, “não se esquenta uma casa com a promessa de lenha”. Não bastam as propostas, elas devem ser concretizadas. Precisamos urgentemente encontrar solução para os problemas municipais.

Concedo um aparte ao nobre Senador Mão Santa, com muito prazer.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - Senador Valdir Raupp, estou atentamente ouvindo o seu pronunciamento. Ninguém melhor do que V. Exª para entender essa problemática. V. Exª foi “prefeitinho”, mas excelente, extraordinário! O povo, depois, fez de V. Exª Governador de seu Estado, e governamos no mesmo período. V. Exª talvez não se lembre, muito menos o Presidente Lula e o núcleo duro. Senador Edison Lobão, V. Exª, que é um homem do Direito: Abraham Lincoln disse: “Caridade para todos, malícia para nenhum e firmeza no Direito”. O Direito significa leis. Até Deus para dirigir o mundo fez leis. Fez a constituição dEle. Não é, professor Cristovam Buarque? Então para o mundo ser administrável nós tivemos leis. Ulysses beijou a Constituição. A Constituição reza. Reza. O caso é que eles são afeitos; o núcleo é duro mesmo. Tiraram o arejado, o oxigenado Cristovam Buarque, com quem poderiam se aconselhar. Diz lá no Capítulo Distribuição do Tributo: 54% é para a União; 22, 5% para os Estados; 21,5% para os Municípios e 2% para os fundos constitucionais. Soma-se: 100%. Um somatório que até o Antonio Palocci sabe fazer. Agora eles estão para mais de 60% e com agravante - atentai bem, professor Cristovam Buarque, está ensinado -: além de diminuir porque os Municípios estão com um pouco mais de 14%, aumentou-se o número de Municípios. Então é mais precária a situação. Aumentou-se o número de Estados - os territórios que se transformaram, o Tocantins e o Mato Grosso. Vê-se então o desrespeito de que Rui Barbosa, o baiano, falava: “Só tem uma salvação: a lei, a Justiça”. O Governo, o núcleo duro é que desobedece à Constituição.

O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO) - Muito obrigado, Senador Mão Santa. Essa situação se agrava a cada Governo, mas há 15 anos que essa situação dos Municípios vem se deteriorando.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, para finalizar, portanto, faço um apelo muito respeitosamente aos nobres Parlamentares da Câmara dos Deputados, Casa que respeito profundamente. É indispensável a votação tempestiva da PEC da Reforma Tributária, que, entre outras modificações, estipula o aumento de um ponto percentual na constituição do Fundo de Participação dos Municípios, passando de 22,5% para 23,5% da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados, IPI. Se aprovado, o aumento do Fundo de Participação dos Municípios será de cerca de R$1,2 bilhão, recursos que contribuirão para desafogar as Prefeituras, dando-lhes condições para o cumprimento de suas obrigações.

Sr. Presidente, nos últimos dias, nós estamos vendo aí o aumento das despesas por votações do Congresso Nacional, mais especialmente da Câmara dos Deputados, que somam cerca de R$30 bilhões e o que nós estamos pedindo para os Municípios brasileiros é apenas R$1,2 bilhão, que está na Reforma Tributária.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/2005 - Página 5375