Discurso durante a 23ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Excesso de medidas provisórias. Considerações sobre a Medida Provisória 232, de 2004.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
MEDIDA PROVISORIA (MPV). POLITICA FISCAL.:
  • Excesso de medidas provisórias. Considerações sobre a Medida Provisória 232, de 2004.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/2005 - Página 5377
Assunto
Outros > MEDIDA PROVISORIA (MPV). POLITICA FISCAL.
Indexação
  • CRITICA, EXCESSO, TRAMITAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), DIFICULDADE, ANDAMENTO, PAUTA, LEGISLATIVO, REGISTRO, NECESSIDADE, EFETIVAÇÃO, INDEPENDENCIA, PODERES CONSTITUCIONAIS.
  • COMENTARIO, PROPOSTA, MEDIDA PROVISORIA (MPV), ALTERAÇÃO, LEGISLAÇÃO TRIBUTARIA, AUSENCIA, PRESSUPOSTO, URGENCIA, ESPECIFICAÇÃO, CRITICA, INCONSTITUCIONALIDADE, IMPEDIMENTO, RECURSO JUDICIAL, DECISÃO, DELEGACIA DA RECEITA FEDERAL, DESRESPEITO, DIREITO DE DEFESA.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, vou somar-me hoje aos ilustres Senadores que, refletindo com grande legitimidade a representação que nos foi delegada pelo povo brasileiro, lavra o seu repúdio aos objetivos e excessos das medidas provisórias travadoras do processo legislativo democrático. Tais medidas, pelo uso indiscriminado e por ferirem os propósitos que justificam sua criação estão desvirtuando gravemente a nossa história republicana.

É do filósofo britânico John Locke, um dos principais formuladores da teoria da separação dos Poderes, a seguinte conceituação:

            Sendo o poder legislativo derivado do povo por concessão ou instituição positiva e voluntária, o qual importa em fazer leis e não em fazer legisladores, o legislativo não terá o poder de transferir a própria autoridade de fazer leis, colocando-a em outras mãos.

É o que nós, Parlamentares, com poder legislativo derivado do povo, vimos fazendo há longo tempo: deixando que se transfira para o Poder Executivo uma iniciativa que não nos foi autorizada transmitir. Portanto, estamos a transgredir os direitos e deveres recebidos em nossos mandatos, infelizmente, numa progressão assustadora, como ocorre com as medidas provisórias.

Diria mais: insiro nessa capitis diminutio do Legislativo o próprio Orçamento da República, daí a compulsão com que está sendo recebida a idéia do Orçamento impositivo. A característica da lei está na sua imperiosidade; a lei é uma norma ou conjunto de normas elaboradas e votadas pelo Poder Legislativo; é uma regra de direito tornada obrigatória para manter, numa comunidade, a ordem e o desenvolvimento. Se inexistem as sanções para os que as descumprem, não é lei no estrito sentido da palavra. Ora, pois, se o que aqui soberanamente votamos silencia sobre sanções e pode ou não ser cumprido, não teremos votado uma lei, mas uma mera indicação que em nada enobrece a respeitabilidade de um Poder Legislativo.

O citado filósofo deixou bem claro nas suas reflexões que o Legislativo não tem o poder de delegar autoridade de fazer leis; de que o poder de legislar não deve ser exercido por outrem que não os delegados do povo, este - o povo - o detentor de todo o poder em um Estado democrático de direito.

E não há caso específico melhor para considerarmos, na atual conjuntura, do que a Medida provisória 232, de 30 de dezembro de 2004. Ela representa mais uma oportunidade para que nós, Parlamentares, combatamos os abusos do nosso hipertrofiado Poder Executivo e, assim, resguardemos a vontade e os direitos do povo brasileiro.

V. Exªs, Srs. Senadores, e o Brasil já sabem que o Partido da Frente Liberal já fechou questão contra a Medida Provisória nº 232, conforme aqui foi anunciado. De minha parte, tenho recebido inúmeras manifestações de repúdio à Medida Provisória nº 232, que parece estar se tornando, com toda razão, uma unanimidade negativa em todo o País. Vários pontos específicos da Medida Provisória nº 232 já foram justificadamente atacados e combatidos neste plenário e em outros locais em que a norma vem sendo exaustivamente discutida. Peço licença V. Exªs para relacionar alguns dispositivos da Medida Provisória aos quais tenho dedicado especial atenção tanto em seus aspectos formais, quanto materiais.

Formalmente, a Medida Provisória nº 232 é de uma inconstitucionalidade escandalosa - aliás, o mesmo vale para a esmagadora maioria das medidas provisórias editadas pelo atual e anteriores governos. As exigências constitucionais da urgência e da relevância, estabelecidas no art. 62 da Carta Magna são cumpridas apenas em parte - e, eu diria, em parte escassa. Relevante a matéria pode até ser; urgente ela não é, pois há na Medida Provisória nº 232 alterações que modificam normas vigentes há quase 33 anos!

Refiro-me aos dispositivos da MP que alteram a redação de sete artigos do Decreto nº 70.235, de 1972, que trata das etapas do processo administrativo fiscal. Pergunto: há motivo - além do mais puro e simples casuísmo, além da mais gananciosa usurpação legislativa - para alterar uma legislação que vigora há mais de três décadas? Nada impede que se adotem os ritos convencionais para a apreciação de uma matéria. Nenhum fato extraordinário, nenhuma novidade em nosso ordenamento jurídico justifica a pressa e o afobamento com que o Executivo tenta aprovar tal medida.

Os vícios formais, que por si sós justificariam a total rejeição da Medida Provisória nº 232, fazem-se acompanhar de um sem-número de impropriedades materiais, que contaminam a norma até o ponto da completa inutilidade.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesse particular, continuemos a tratar das mudanças que o Palácio do Planalto pretende introduzir no direito processual administrativo.

Sob o duvidoso pretexto de economizar alguns vinténs e simplificar os trâmites burocráticos da administração, o art. 10 da Medida Provisória nº 232, ao alterar o art. 25 do Decreto nº 70.235/72, suprime uma instância do processo administrativo fiscal.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Ouço V. Exª com prazer, Senador Mão Santa. V. Exª é um dos mais ativos Parlamentares desta Legislatura.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Edison Lobão, primeiramente, darei um testemunho, pois somos vizinhos. Senador Tião Viana, um romancista maranhense disse: “Meninos, eu vi!”, no poema “I-Juca-Pirama”. Então, brasileiros e brasileiras, eu vi o significado do Senador Edison Lobão. Eu era prefeito de minha cidade, Parnaíba, e S. Exª lá desembarcara. Seu esquema político estava derrotado, e S. Exª “virou o jogo”, tendo-se tornado um Governador consagrado e que mais obras realizou. Senador Edison Lobão, sua presença nos faz lembrar Carlos Lacerda: exitoso, legislador - como V. Exª o é - e administrador. Faço remissão a apenas um dado para demonstrar como estamos errados, Senador Tião Viana. Esta Constituição, quando concluída e beijada por Ulysses Guimarães, apresentava 250 artigos. O número dessa Medida Provisória é 232. O montante de dispositivos legais desse tipo em breve superará o dos artigos da Carta Magna. Os Senadores Tião Viana e Cristovam Buarque são os únicos arejados e representantes do Governo presentes. Montesquieu explicitou a teoria da tripartição dos Poderes, que devem ser independentes e harmônicos entre si - e equipotentes. Entretanto, o Poder Executivo não faz obras; faz leis. O Poder Judiciário se imiscui e faz leis, como aquela sobre a verticalização e sobre os Vereadores; nós, que deveríamos fazer leis, estamos apenas aplaudindo isso. Precisamos de vozes como a de V. Exª, que representa, por excelência, o Poder Judiciário, porque V. Exª é um dos mais brilhantes advogados deste País; o Poder Executivo, porque V. Exª foi um dos melhores Governadores deste País e o Poder Legislativo porque, recentemente, V. Exª mostrou sua competência ao dirigir - e ninguém o excedeu - a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que engrandeceu este Senado na sua administração.

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Agradeço, Senador Mão Santa, o aparte que importa num valioso depoimento para mim.

V. Exª é testemunha da história da nossa região, é tão maranhense quanto nós maranhenses, porque, vizinho nosso, esteve permanentemente solidário, comungando com os nossos problemas, além de ser filho de maranhense. V. Exª governou também seu Estado e o fez como homem do povo, perto dele, ao lado dele, exprimindo o pensamento e as reivindicações do povo. Portanto, o aparte de V. Exª é o que eu chamaria de significado daquilo que pensa o povo da nossa terra e do nosso País.

Muito obrigado, Senador Mão Santa.

Prossigo, Sr. Presidente, para dizer que, para não entrarmos em tecnicalidades, forneço de uma vez o resumo do que é pretendido: as Delegacias da Receita Federal de Julgamento passam a ser competentes para julgar, EM INSTÂNCIA ÚNICA - repito, Sr. Presidente: EM INSTÂNCIA ÚNICA - uma variedade significativa de causas fiscais tanto em razão do valor quanto em razão da matéria.

Essa determinação da Medida Provisória nº 232 é séria candidata a figurar na próxima edição do Guinness. Estamos diante de algum tipo de recorde! Poucos dispositivos legais podem conter, num espaço tão curto, tantos ataques frontais às normas constitucionais e aos direitos individuais.

A existência de, no mínimo, duas instâncias de julgamento é um dos princípios mais básicos e elementares do Direito. Pimenta Bueno, em seu Direito Público Brasileiro, nos ensina que é “indispensável que haja dois graus de jurisdição, como meio justo de conseguir imparcial justiça, de purificar as decisões do abuso ou do erro”. As palavras de Pimenta Bueno, Sr. Presidente, referem-se ao contexto em que se promulgou a Constituição... não a de 1988 mas a do Império!

Em pleno século XXI, portanto, somos testemunhas de um retrocesso dessa magnitude. A garantia de instância, que havia sido reinstituída no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi vítima de um processo de involução exatamente pela administração que tem como lema o mote “Brasil, um País de Todos”, num exercício de ironia ímpar em nossa história recente.

Eu estava disposto a contabilizar o número de incisos do art. 5º da Constituição que são desrespeitados pela MP nº 232, mas desisti a meio caminho. Como nosso tempo é curto, trabalhemos por amostragem.

O Inciso LV do referido artigo assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. A instância única afronta diretamente a norma constitucional, uma vez que, por não haver instância superior à qual recorrer, não há sentido em se falar em contraditório e ampla defesa, como recomenda definitivamente o texto da Carta Magna de Ulysses, que tantas vezes aqui o Senador Mão Santa exibiu e procurou demonstrar. Esse estado de coisas pode levar a arbitrariedades e a parcialidades que prefiro nem tentar imaginar.

Igualmente afrontado foi o direito ao devido processo legal, constante do inciso LIV do art. 5º da Constituição. O direito à revisão das decisões pelas instâncias superiores, por intermédio de recursos hierárquicos, é parte intocável do devido processo legal. A mais disfarçada tentativa de restringir esse direito implica, incontestavelmente, graves violações a princípios constitucionais pétreos, como o são os direitos e garantias individuais relacionados no art. 5º, defendidos, por sua vez, pelo inciso IV do art. 60.

Enfim, propor que só exista uma instância decisória em processos, ainda que administrativos, é um ato atrevido e insultuoso, pois pressupõe a estupidez daqueles que vão julgar o mérito da proposta: os membros do Congresso Nacional.

Juntem-se às minhas considerações os argumentos que vêm sendo declinados por muitos Senadores que ocuparam esta tribuna nos últimos dias,...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - ...e teremos um conjunto inatacável e incontestável de razões para impedir que a Medida Provisória nº 232 prospere e contamine nosso ordenamento jurídico.

Como pudemos constatar, trata-se de um documento que atenta contra garantias e direitos fundamentais do cidadão brasileiro. Estamos lidando com uma peça eivada de vícios de forma e de matéria, vícios incontornáveis e dignos de repúdio e rechaço.

Tenho a profunda convicção de que nossos argumentos de oposição à Medida Provisória nº 232 encontrarão guarida perante os eminentes membros desta Casa, que foi, é e continuará sendo uma das principais guardiãs da justiça e da legalidade neste País.

Nós, legisladores que somos, temos a responsabilidade de ser guardiões do Poder Legislativo...

(Interrupção do som.)

O SR. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Sr. Presidente, peço a V. Exª mais um minuto para concluir o meu discurso.

Nós, legisladores que somos, temos a responsabilidade de ser os guardiões do Poder Legislativo. Cabe-nos reagir com veemência e prontidão à mais tênue ameaça de usurpação do poder que o povo delegou a nós, Parlamentares, e somente a nós, a ninguém mais do que a nós. Da mesma forma que não podemos delegar as prerrogativas a nós concedidas, devemos rechaçar quaisquer tentativas de usurpação desse poder do qual somos fiéis depositários.

Sr. Presidente...

O SR. PRESIDENTE (Ney Suassuna. PMDB - PB) - V. Exª tem mais cinco minutos.

O Sr. EDISON LOBÃO (PFL - MA) - Agradeço a V. Exª, mas concluo, Sr. Presidente, agradecendo profundamente a atenção dos Srs. Senadores e a generosidade de V. Exª.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/2005 - Página 5377