Discurso durante a 20ª Sessão Especial, no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DOS VINTE ANOS DA REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO.:
  • COMEMORAÇÃO DOS VINTE ANOS DA REDEMOCRATIZAÇÃO DO BRASIL.
Publicação
Publicação no DSF de 16/03/2005 - Página 5058
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, REDEMOCRATIZAÇÃO, BRASIL, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, JOSE SARNEY, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ULYSSES GUIMARÃES, EX PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, TANCREDO NEVES, CANDIDATO ELEITO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, POSTERIORIDADE, REGIME MILITAR.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, distintas autoridades que compõem a Mesa - Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Nelson Jobim; Ministro Aldo Rebelo; jovem amigo Governador de Minas Gerais, companheiro Aécio Neves; -, Ministros, ex-Ministros, Governadores, Senadoras, Senadores, senhoras e senhores, estamos aqui, vinte anos depois. Quero crer que, ao lembrar o que ocorreu no dia 15 de março, devemos lembrar a história toda, que começou com a derrubada do Sr. João Goulart, em 1964. Após longos anos de dor, de luta, de sacrifício do heróico povo brasileiro, muitos anônimos e muitos conhecidos, chegamos àquele dia 15 de março.

Foi uma luta de um povo contra o regime militar. Foi uma luta brava e corajosa, que, no início, parecia sem razão, sem expectativa de chegar a um objetivo. Aquele Governo era tão forte, tão firme, que parecia o Estado Romano. Parecia que aqueles que contra ele se levantavam não tinham significado maior. Na verdade, a luta era quase anárquica: cada um fazia o que achava certo e não havia um objetivo.

Lembro-me bem de que as oposições, sob o comando do seu extraordinário chefe, Dr. Ulysses Guimarães, reuniram-se e disseram: “Nós temos que ter uma estratégia para levar a nossa caminhada”.

E o esquema foi traçado. Foi lançada a chamada Carta de Porto Alegre. Decidimos que podiam fazer oposição como bem quisessem, mas o MDB entraria na luta com quatro objetivos: diretas já, anistia, assembléia nacional constituinte e fim da tortura. Nós entraríamos na luta com essas quatro bandeiras. Fora disso, quem quisesse campanha de guerrilha, de luta armada, de renúncia coletiva, de dissolução de partido, podia ir nesse sentido. Nós não estaríamos naquela caminhada.

De saída, colocamos na rua a primeira das bandeiras: Diretas Já, proposta na Emenda do nosso querido companheiro que aqui está, Dante de Oliveira.

No momento em que a Oposição se harmonizou e deu um sentido ao seu trabalho, ela se multiplicou. O povo passou a compreendê-la, e ela passou a avançar. A campanha das Diretas foi, talvez, uma das mais extraordinárias que o Brasil já conheceu. Foi uma campanha que levaria à vitória absoluta a Emenda Dante de Oliveira. Ela teria sido aprovada se não tivessem os militares, nas suas últimas chances de fazer algo, cercado o Congresso Nacional e lançado nota assustando os parlamentares, dizendo que tudo poderia acontecer se a Emenda fosse aprovada. Houve ampla maioria, mas não foi obtido o quorum necessário porque mais de cem parlamentares ficaram com receio de chegar ao Congresso, que estava cercado. Faltaram oito votos para atingir o quorum necessário para aprovar a Emenda Constitucional. Ela foi derrotada. Parecia que o caminho seria o de sempre: uma anticandidatura, já que o MDB e os outros partidos não aceitavam o Colégio Eleitoral. Também nós não concordávamos com o Colégio Eleitoral porque ele tinha dado garantia à posse de cinco generais ditadores.

Desde o início, defendíamos a tese de que, se as diretas já fossem aprovadas, o candidato seria o Dr. Ulysses, mas se o Colégio Eleitoral fosse o caminho, o candidato seria o Dr. Tancredo. Então se levantou a tese de que não podíamos deixar assumir, ainda mais naquela ocasião. Teríamos de ir para o Colégio Eleitoral e derrotar o candidato do regime Paulo Maluf, o que foi feito. Para isso, muito importante foi o trabalho de José Sarney, então Presidente do PDS. Sarney rompeu com o PDS e assumiu o comando de alguns companheiros seus e, tendo à frente Aureliano Chaves, Marco Maciel, Jorge Bornhausen, o grupo discordou da candidatura de Maluf. E passaram a integrar o movimento a favor da campanha de Tancredo Neves.

E aquilo que parecia impossível deu certo.

E, apesar do medo, da campanha e da pressão no sentido de que não poderiam votar, de que o voto de arenistas em Tancredo não deveria valer, poderia acontecer isso ou aquilo, a verdade é que houve a vitória. Tancredo e Sarney foram eleitos.

Memorável dia, extraordinário dia daquela vitória, em que se sentiu realmente que aquela luta popular, aquele sentimento, aquela alma do povo que vinha angustiada pelas injustiças, buscando a democracia e buscando a liberdade sem sangue, sem violência, era vitoriosa. E o Dr.Tancredo Neves passou a organizar o seu governo. Um homem de coragem, com a sua história. Jovem Ministro da Justiça de Getúlio Vargas, na hora em que, às vésperas em que Getúlio foi levado ao suicídio, traído pelo seu Ministro da Guerra, ele, Tancredo, tinha dito ao Dr. Getúlio: “Me nomeie Ministro que eu termino com essa luta e Vossa Excelência ficará na Presidência.” Mais tarde, primeiro-ministro no regime parlamentarista imposto a João Goulart, iniciou um governo extraordinário. Mas, já estava em andamento a luta entre Juscelino e Lacerda para a sucessão presidencial, derrubaram o Parlamentarismo e Tancredo não pôde continuar.

Governador de Minas, o seu preparo era imenso. E tenho certeza de que se preparou para fazer um excepcional governo.

Cheguemos no dia 14 de março de 1985. No Brasil, dezenas de delegações, reis, presidentes da república, primeiros-ministros, delegações dos mais variados países vinham, com alegria, ao Brasil para ver o grande país abrir as portas para a democracia. Naquela noite, todos nós, inclusive os ministros futuros, estávamos cada um com a responsabilidade de ir a uma embaixada, porque todas elas estavam fazendo recepções, homenagens, à vitória de Tancredo e Sarney.

Eram aproximadamente 22 horas e eu estava na Embaixada da Argentina, quando o Dr. Ulysses me telefonou, dizendo: “Venha já para o Hospital de Base!” Ele desligou o telefone, e fui sem saber o que iria encontrar. Quando cheguei lá, no último quarto antes da ala fechada, lá estava o Dr. Ulysses. Depois, chegou Marco Maciel; o então Presidente do Senado; o Sarney; e em seguida, o General Leônidas. E um grupo de pessoas estavam ali debatendo e discutindo o destino do Dr. Tancredo. Aí é que soube que os médicos de Tancredo queriam operá-lo, mas ele dizia que não seria possível, pois, até as 10 horas do dia seguinte, tinha a obrigação de ficar firme e assumir a Presidência, uma vez que havia recebido informações de que, se não assumisse, o General Figueiredo não passaria a Presidência ao Sr. José Sarney.

Houve essa discussão durante determinado tempo. Estávamos ali, e o Ministro da Fazenda, Sr. Francisco Dornelles, sobrinho de Tancredo, fazia a ligação, era o único que entrava no quarto, falava com os médicos e vinha conversar conosco para ouvir o pensamento. Era ele que nos dizia: “Tancredo não quer a cirurgia. Acha que não pode, que ele tem que assumir”. Depois, voltou dizendo: “Mas os médicos acham que ele tem que ser operado, e ele vai ser operado”.

E vimos quando passou a maca, levando Tancredo para a mesa de cirurgia. Ficamos nós no quarto, e aí se perguntou: e quem assume? Assume o Dr. Sarney, Vice-Presidente da República, no impedimento do Presidente. Mas o Presidente ainda não assumiu, ainda não é Presidente. Assume o Dr. Ulysses, Presidente da Câmara? Esta era a tese do jurista Sr. Leitão de Abreu: defendia que deveria assumir o Dr. Ulysses Guimarães, Presidente da Câmara, porque o Dr. Sarney ainda não era Vice-Presidente. Se Tancredo não era Presidente, Sarney não poderia assumir.

Em meio a essa discussão entrou o General jurista Leônidas, que pegou a Constituição e disse: “Assume o Dr. Sarney.” Eu estava preparado para responder que divergia, quando o Dr. Ulysses disse: “Eu concordo com o General, assume o Dr. Sarney”. Realmente, assumiu o Dr. Sarney.

Mais tarde, falei com o Dr. Ulysses: mas por que isso? Ele disse: “Se o General Leônidas, Ministro do Exército, que está coordenando todo o nosso trabalho, inclusive evitando as dúvidas que tem com relação aos focos de resistência militar, acha que esse é o caminho, eu vou ser contra? Vou criar uma crise? É esse o caminho”. E o dr. Sarney, justiça seja feita, por ele assumiria também o Dr. Ulysses. Foi um gesto bonito que vi ali, onde os dois candidatos, despreocupados com a sua posição pessoal, buscavam a melhor saída para o País.

E fomos para a posse. Assumiu o Presidente Sarney, e fez um governo com o maior respeito e com muita dignidade.

O Dr. Sarney, é claro, teve que enfrentar o drama. Ele não tinha se preparado, ele não tinha organizado ministérios, não tinha planos de governo, a sua expectativa era ser um bom Vice-Presidente, colaborando com o Presidente da República da melhor maneira possível. E, de repente, cai a presidência na cabeça dele. E ele agiu com grande dignidade, com grande capacidade, fez o que podia. É claro que não podia fazer o que o Tancredo faria porque não era o Dr. Tancredo, não tinha nem o passado, nem a biografia do Dr. Tancredo. Mas sou obrigado a reconhecer que o Dr. Sarney convocou a Assembléia Nacional Constituinte, abriu os partidos políticos, fez um governo democrático, tentou de todas as formas acertar e chegou ao Plano Cruzado - eu reconheço. Mas sinto que pagamos um preço alto com a morte do Dr. Tancredo, que era o homem que estava preparado, na história e no destino, para desempenhar o mandato mas, lamentavelmente, assim não aconteceu.

Que história fantástica que nós não podemos deixar de esquecer! Dia 21 de abril é o dia de Tiradentes, é o dia que, esquartejado, Tiradentes foi morto por defender a independência do Brasil. Dia 21 de abril foi a data que, esquartejado por sete cirurgias, morreu o Dr. Tancredo e deixava a dor, a luta e o sofrimento no povo brasileiro.

Nesse cenário de lembranças dolorosas lembro, com profunda saudade, um homem extraordinário, um mártir, o grande Teotônio Vilela, o Menestrel das Alagoas, que percorreu o país, empolgando e arrastando as multidões numa verdadeira pregação idealista e democrática. Ele foi nosso irmão e nos encorajou com seu exemplo. Saudades imensas!

Mas, hoje é um dia de festejar, sim. Vinte anos atrás, tínhamos um duplo sentimento. A nossa alma, a alma do povo brasileiro vivia a alegria, a felicidade do fim da ditadura, do início da democracia, mas vivia a dor e o sentimento da doença do Presidente.

Vinte anos depois, olhando para trás, creio que a nossa geração fez a sua parte. A nossa geração, que lutou contra o regime militar, que terminou com o regime militar, que assumiu com o Dr. Sarney, teve um papel importante na história do Brasil.

Hoje, tanto tempo passado, podemos dizer: a democracia está consolidada, sim. Vivemos um regime de plenitude democrática, sim. Mas somos obrigados a reconhecer que nós, da nossa geração, cumprimos a missão de entregar o Brasil livre, democrático, sem derramamento de sangue em sua plenitude, mas até hoje temos a dívida do social. Até hoje, a nossa geração e o Brasil que aí está, e os homens que estão no Governo continuam com essa mesma dívida: a miséria, a fome, a dívida, as incompreensões, os graves equívocos que existem na sociedade brasileira.

Que hoje seja o dia em que possamos dizer, daqui para o futuro, os jovens que estão aí, tão apaixonados com a vitória retumbante que tiveram, e tão preocupados em acertar a escolha dos Ministros para os cargos - cada vez mais numerosos - espero que eles consigam realmente, como prometeram, levar ao povo brasileiro, que já tem liberdade, mas que não tem pão e que não tem justiça, aquilo de que ele precisa. (Palmas.)

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/03/2005 - Página 5058